Subido por Gabriel Lucas

Introdução à teologia bíblica - Graeme Goldsworthy.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Goldsworthy, Graeme
Introdução à teologia bíblica: o desenvolvimento do evangelho em
toda a Escritura / Graeme Goldsworthy; tradução de Daniel Hubert
Kroker. — São Paulo: Vida Nova, 2018.
272 p.
ISBN 978-85-275-0836-0
Título original: According to plan : the unfolding revelation of God in the
Bible 1. Bíblia - Teologia I. Título II. Kroker, Daniel
18-0776
CDD 230.041
Índices para catálogo sistemático:
1. Bíblia - Teologia
©1991, de Graeme Goldsworth
Título do original: According to plan: the unfolding revelation of God in the
Bible, edição publicada por INTER-VARSITY PRESS (Nottingham,
Nottinghamshire, Reino Unido).
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por SOCIEDADE RELIGIOSA
EDIÇÕES VIDA NOVA
Rua Antônio Carlos Tacconi, 63, São Paulo, SP, 04810-020
vidanova.com.br | [email protected]
1.a edição: 2018
Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em citações breves, com
indicação da fonte.
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Todas as citações bíblicas sem indicação da versão foram extraídas da
Almeida Século 21. As citações bíblicas com indicação da versão in loco
foram traduzidas diretamente da Revised Standard Version (RSV) ou
extraídas da Almeida Revista e Atualizada (ARA), da Almeida Revista e
Corrigida (ARC) e da Nova Versão Internacional (NVI).
DIREÇÃO EXECUTIVA
Kenneth Lee Davis
GERÊNCIA EDITORIAL
Fabiano Silveira Medeiros EDIÇÃO DE TEXTO
Lenita Ananias
Fernando Mauro S. Pires
PREPARAÇÃO DE TEXTO
Virginia Neumann
Marcia B. Medeiros
REVISÃO DE PROVAS
Gustavo N. Bonifácio
GERÊNCIA DE PRODUÇÃO
Sérgio Siqueira Moura
DIAGRAMAÇÃO
Claudia Fatel Lino
CAPA
Lico Rolim
Sumário
Apresentação
Prefácio
Introdução: como usar este livro
PRIMEIRA PARTE: TEOLOGIA BÍBLICA — POR QUÊ?
1.
A sanguessuga tem duas filhas
SEGUNDA PARTE: TEOLOGIA BÍBLICA — COMO?
2.
Deus se dá a conhecer
3.
Mas como podemos conhecer?
4.
Cristo o tornou conhecido
5.
E nós o conhecemos por meio das Escrituras
6.
A Bíblia é a palavra divina e humana
7.
Começamos e terminamos com Cristo
TERCEIRA PARTE: TEOLOGIA BÍBLICA — O QUÊ?
8.
Eu sou o Primeiro e o Último
9.
Criação pela Palavra
10. A Queda
11. A primeira revelação da redenção
12. Abraão, nosso pai
13. Êxodo: modelo da redenção
14. Nova vida: dádiva e dever
15. A tentação no deserto
16. Na boa terra
17. O governo de Deus na terra de Deus
18. A vida de fé
19. A sombra que se desvanece
20. Uma nova criação
21. O segundo êxodo
22. A nova criação para nós
23. A nova criação iniciada em nós
24. A nova criação em nós agora
25. A nova criação consumada
QUARTA PARTE: TEOLOGIA BÍBLICA — ONDE?
26. Conhecendo a vontade de Deus
27. Vida após a morte
Índice de passagens bíblicas
Índice remissivo
Apresentação
O leitor tem em mãos a obra mais importante de Graeme
Goldsworthy e, em minha avaliação, uma das melhores introduções
à teologia bíblica disponíveis na atualidade.
A abordagem de estudo da teologia bíblica adotada por
Goldsworthy segue o método sintético. Em outras palavras, o autor
segue um tema teológico básico (Mittelpunkt) que percorre todas as
partes do Antigo e do Novo Testamento para acompanhar seu
desenvolvimento através da Escritura.
O objetivo desse método é a compreensão de um tema único
(neste caso, o evangelho, consubstanciado no Reino de Deus) para
explicar o conteúdo da Escritura. Esta obra é assim escrita com
base na convicção de que “aprender a compreender a unidade da
Bíblia, a sua mensagem única e integral de Gênesis a Apocalipse, é
necessário para o entendimento correto do significado de qualquer
texto isolado”. Assim, o autor foge da tendência de tratar um dos
Testamentos isoladamente e oferece ao estudioso uma teologia
bíblica que aborda o ensino das Escrituras por meio de um
excelente resumo da história dos atos redentores e poderosos de
Deus registrados progressivamente na narrativa bíblica.
Ao fazer essa síntese, deve-se apreciar como o autor mantém o
foco, de forma vigorosa, em Jesus Cristo como o ponto culminante
da história da redenção. Isso pode parecer óbvio, mas é de extrema
importância, uma vez que os diferentes métodos e as
complexidades da teologia bíblica muitas vezes podem levar o
estudante desavisado para longe da cruz e da morte expiatória de
nosso Senhor, desviando sua atenção para questões interessantes,
mas meramente periféricas.
De modo magistral, Goldsworthy chama o leitor de volta para
Jesus Cristo e luta para mostrar como o Antigo e o Novo
Testamento se encaixam na Pessoa e na obra de Jesus. Com base
nessa premissa, o autor responde a perguntas fundamentais, como:
“Qual é o objetivo da teologia bíblica? Como podemos fazer uma
teologia bíblica e ter certeza de estarmos lidando com a verdade? E
qual é a relação entre o Antigo e o Novo Testamento?”.
Esta obra é, então, uma apresentação da mensagem da
revelação de Deus em toda a Escritura, o que Goldsworthy faz com
precisão ao reconstituir os movimentos da aliança graciosa de Deus,
estabelecida na Criação, passando por Abraão, Davi e culminando
em Jesus Cristo e na igreja. A apresentação de conceitos como tipo
e antítipo, promessa e cumprimento, redenção realizada e aplicada
dará, para muitos, a impressão de estarem lendo a Bíblia pela
primeira vez.
Só posso recomendar este livro enfaticamente a todos os
interessados em um estudo mais aprofundado das Escrituras,
especialmente a pastores e presbíteros que precisam pregar e
ensinar a Bíblia domingo após domingo. Com a bênção de Deus,
esta obra também servirá igrejas, seminários e escolas teológicas
como um livro introdutório vital para a disciplina de teologia bíblica.
FRANKLIN FERREIRA,
pastor da Igreja da Trindade,
em São José dos Campos, e diretor e
professor de Teologia Sistemática
e História da Igreja no Seminário
Martin Bucer, na mesma cidade
Prefácio
Algum tempo atrás, um colega insistiu comigo para que eu
escrevesse uma teologia bíblica para os cristãos comuns. Nós dois
temos consciência de que ao longo do século 20 foram produzidas
muitas teologias do Antigo ou do Novo Testamento, mas em geral
limitadas em um dos aspectos a seguir, quando não em ambos. O
mais crítico deles é a falha de tantos autores em deixar a Bíblia falar
com autoridade em seus próprios termos; o outro aspecto consiste
no tratamento de cada um dos Testamentos em si mesmo, de modo
que é difícil encontrar alguma obra que trate da teologia da Bíblia no
seu conjunto. Mesmo as obras escritas da perspectiva do
cristianismo evangélico são quase sempre produzidas em um nível
não adequado para os cristãos sem formação teológica
convencional.
Nesta obra, procurei fazer três coisas. Em primeiro lugar,
apresentar ao leitor uma teologia integrada de toda a Bíblia. Em
segundo, redigir essa apresentação introdutória reconhecendo
totalmente a inspiração e a autoridade plenas da Bíblia como a
Palavra de Deus. Em terceiro, escrever para os cristãos comuns
sem tecnicidades desnecessárias. Por trás desse empenho, está a
convicção de que aprender a compreender a unidade da Bíblia, a
sua mensagem única e integral de Gênesis a Apocalipse, é
necessário para o entendimento correto do significado de qualquer
texto isolado.
Em meu primeiro livro, Gospel and kingdom (Exeter: Paternoster,
1981), o objetivo era prover uma abordagem cristã básica para
entender o Antigo Testamento usando o método da teologia bíblica.
Em meus livros posteriores, The gospel in Revelation (Exeter:
Paternoster, 1984) e Gospel and Wisdom (Exeter: Paternoster,
1987), esse método foi aplicado para mostrar a relação do livro de
Apocalipse e da literatura de sabedoria do Antigo Testamento com o
evangelho de Jesus Cristo.1 Em Introdução à teologia bíblica,
prossegui do mesmo ponto de partida do evangelho como o meio de
esclarecer a mensagem de toda a Bíblia. Tenho profunda convicção
de que todas as partes da Bíblia recebem o seu significado mais
pleno na obra salvadora de Cristo, que restaura a criação pecadora
e caída e faz novas todas as coisas.
GRAEME GOLDSWORTHY
1 Edição em português: Trilogia: o evangelho e o reino, o evangelho no
Apocalipse, o evangelho e a Sabedoria, tradução de Vivian do Amaral Nunes
(São Paulo: Shedd, 2016).
Introdução: como usar este livro
Este manual foi escrito para leitores que não tiveram nenhuma
educação teológica formal. Mesmo que seu nível de conhecimento
até agora seja muito básico, se você tiver desejo de conhecer as
Escrituras, este livro foi concebido para auxiliá-lo. É claro que, se
você frequentou um seminário bíblico ou uma faculdade teológica,
ele ainda pode lhe ser proveitoso. Acredito que muitos pregadores,
ministros, mestres das Escrituras, líderes de jovens, entre outros,
venham a se beneficiar com o estudo dos elementos fundamentais
da teologia bíblica. Desse modo, este trabalho é um manual para
iniciantes no sentido de que procurei apresentar o tema sem
pressupor muito conhecimento prévio. Presumo, no entanto, que
você seja um crente em Jesus Cristo e tenha algum entendimento
elementar do que a Bíblia trata.
Também é um guia para iniciantes porque restringi a análise aos
princípios essenciais da mensagem bíblica. Com capítulos curtos e
uso frequente de diagramas e de quadros com declarações
resumidas, espero conduzir mesmo o leitor mais receoso, passo a
passo, pelos caminhos da teologia bíblica.
QUATRO PARTES
A parte principal do livro é a terceira, que delineia o conteúdo da
teologia bíblica. Escrevi as outras três partes a fim de tornar o livro
mais completo para o uso prático. As partes são as seguintes:
Primeira parte: Teologia bíblica — POR QUÊ?
Comece a sua leitura pelo capítulo 1. A teologia bíblica não é um
exercício acadêmico, mas uma parte essencial do entendimento da
Bíblia. O objetivo desse capítulo é propor algumas situações
práticas e alguns problemas de compreensão e aplicação da Bíblia
que requerem conhecimento de teologia bíblica.
Segunda parte: Teologia bíblica — COMO?
Em seguida, leia os capítulos 2 a 7, mas somente se você achar que
está pronto para refletir sobre questões de natureza mais teórica.
Contudo, não será tão fácil adiar essa leitura, porque, de todo modo,
você vai precisar ler essa seção em algum momento. Nela a
preocupação é saber como podemos fazer teologia bíblica e ter
certeza de que estamos lidando com a verdade. Talvez você sempre
tenha partido do princípio de que a Bíblia é a Palavra de Deus e que
sua mensagem essencial é clara. Mas você consegue apresentar
um motivo para esse pressuposto? O que determina o método da
teologia bíblica? Pessoas diferentes usaram métodos diferentes e,
para muitos cristãos, é mais fácil ignorar completamente a questão
do método. É importante ter cuidado com aquilo que consideramos
óbvio e identificar os nossos pressupostos. Porém, se tudo isso
parece muito difícil, sugiro que você leia essa seção depois de ter
lido a terceira parte.
Terceira parte: Teologia bíblica — O QUÊ?
Leia os capítulos 8 a 25 ainda que não leia nada mais do livro, pois
essa parte é o seu cerne. Lembre-se de que esta obra não é um
estudo exaustivo de todos os temas e materiais encontrados na
Bíblia. Se alguns de seus personagens ou acontecimentos
preferidos da Bíblia não foram mencionados, talvez você descubra
que eles não são tão centrais na mensagem bíblica como você
pensava ou que eles não acrescentam nenhum conceito teológico
aos já tratados. Por certo, não é possível tratar de todas as partes
da Bíblia, mas procurei incluir os temas mais importantes da
revelação.
Quarta parte: Teologia bíblica — ONDE?
A quarta parte se restringiu ao mínimo indispensável tendo em vista
a brevidade. Eu não queria que um manual para iniciantes fosse
longo a ponto de desanimá-los de o adquirir e ler. A aplicação
prática da teologia bíblica na investigação de temas vitais para
nossa vida cristã precisa de um livro à parte. Contudo, no intuito de
mostrar que tipos de questões podem ser pesquisadas com proveito
por meio da abordagem da teologia bíblica, incluí alguns esboços
que você mesmo pode estudar mais detalhadamente. O importante
é adquirir segurança na aplicação da teologia bíblica em relação às
questões que de fato lhe dizem respeito.
IMPACTO VISUAL
Com o objetivo de ajudar você a assimilar os conteúdos do livro,
usei subdivisões de capítulos, resumos e diagramas.
Na segunda parte do livro, cada capítulo começa com um resumo
do assunto discutido. Esse recurso lhe possibilita ter uma noção
prévia do assunto tratado e, então, depois da leitura do capítulo,
permite que você reveja o conteúdo estudado. Leia esses resumos
atentamente para ter a ideia geral, depois vá para a análise mais
detalhada no corpo do capítulo.
Na terceira parte, cada capítulo começa com um breve resumo
da história bíblica relevante para o que será estudado, seguido de
referências aos livros da Bíblia envolvidos. Nessa seção, cada
capítulo é encabeçado também por uma seleção de textos bíblicos.
Preste bastante atenção a esses textos. Todos foram extraídos do
Novo Testamento e ligam o tema do capítulo à pessoa e à obra de
Cristo. Eles nos lembram de como os Evangelhos interpretam toda a
Bíblia.
As subdivisões de cada capítulo se encontram abaixo dos
subtítulos. Meu alvo foi estabelecer uma progressão lógica das
ideias indicadas nos subtítulos. A maioria das subdivisões termina
com um breve resumo de suas principais ideias.
O final de cada capítulo da terceira parte contém cinco elementos
1.principais: O cabeçalho resume o tema do capítulo como parte da
mensagem total da Bíblia, que vai da Criação à nova criação.
REGENERAÇÃO DE UMA NAÇÃO
2. Um breve resumo do capítulo dirige a atenção para a ideia do
reino de Deus como um tema central e unificador da Bíblia. Um
diagrama mostra como o tema do reino é construído
progressivamente, em estágios, à medida que caminhamos
através da história bíblica. Os três elementos do reino são
representados: (1) Deus, como o Senhor governante, (2) o seu
povo e (3) a ordem criada, em que Deus e o seu povo se
relacionam. Com isso conseguimos perceber de imediato como
determinado estágio da história bíblica revela a natureza do
reino.
RESUMO
A rebeldia da humanidade contra Deus resulta na Queda de toda a
ordem criada de seu lugar no reino de Deus.
3. São listados os temas principais do capítulo. Esses temas são as
peças fundamentais da teologia bíblica, que mostram a tessitura
da revelação. Com o tempo, você deve ter por objetivo
familiarizar-se com esses conceitos e com o modo que eles
estão entrelaçados na narrativa bíblica.
TEMAS PRINCIPAIS
Soberania de Deus
Criação ex nihilo (do nada) pela palavra de Deus Ordem e boa
qualidade da criação
Imagem de Deus no homem
Algumas palavras-chave são fornecidas como guia para o
4. vocabulário técnico da teologia bíblica. Essas palavras foram
apresentadas no capítulo. Se você achar que não consegue
reconhecer nenhuma delas, talvez seja preciso fazer uma
segunda leitura. Uma pesquisa aprofundada pode ser feita com o
uso de uma boa concordância bíblica e de outras obras de
referência, como um dicionário bíblico ou um dicionário teológico.
ALGUMAS PALAVRAS-CHAVE
Criação/geração
Soberania
Imagem
Reino
5. Por fim, damos uma breve previsão do que vem adiante. Essa
importante seção nos lembra de que nenhum tema bíblico
importante pode ser examinado sozinho, sem ligação com seu
propósito ou cumprimento em Cristo. É um esboço do
desenvolvimento dos principais temas e conceitos bíblicos do
Antigo ao Novo Testamento.
O CAMINHO ADIANTE
Adão — Último Adão, 1Coríntios 15.45
Criação — nova criação, 2Coríntios 5.17
Céus e terra — novos céus e nova terra, Isaías 65.17; 2Pedro 3.13;
Apocalipse 21.1
SUGESTÕES DE ESTUDO
No final de cada capítulo, é você quem decide o que fará.
Os guias de estudo propõem perguntas e definem tarefas para
incentivá-lo a recapitular o material. Um manual para iniciantes não
pode ser lido como um romance se o leitor quiser extrair o melhor
dele. Você precisa refletir sobre o que leu e aplicar os conceitos.
Recomendo dois livros para sua leitura se você desejar construir
sobre o conteúdo deste livro. O primeiro livro é o meu Gospel and
kingdom,1 que oferece uma visão geral do tema: reino. O segundo é
Biblical theology, de Geerhardus Vos,2 cujo estudo atento lhe trará
uma rica recompensa. No final dos capítulos, há outras sugestões
de leituras relacionadas.
NOTAS
Para manter o formato simples, evitei notas de rodapé. No entanto,
algumas circunstâncias exigem notas explicativas ou de
reconhecimento de fontes.
Agora continue lendo, mas, por favor, observe que no tocante à
palavra homem estou ciente dos problemas ligados ao seu uso no
sentido genérico e inclusivo para significar “humanidade”. Por isso,
usei sinônimos (como, por exemplo, humanidade), mas em alguns
contextos o sinônimo pode ser um pouco inconveniente. Logo,
mantive um uso limitado do termo genérico homem.
REDUÇÕES GRÁFICAS
Utilizadas na seção “Leitura complementar”
BT
GK
IBD
KG
TNTC
TOTC
ZPEB
VOS, Geerhardus. Biblical theology (Grand Rapids: Eerdmans,
1948).
______. Teologia bíblica. Tradução de Alberto Almeida de
Paula (São Paulo: Cultura Cristã, 2010). Tradução de: Biblical
theology.
GOLDSWORTHY, Graeme. Gospel and kingdom (Exeter:
Paternoster, 1981).
______. “O evangelho e o reino”. In: GOLDSWORTHY, Graeme.
Trilogia: o evangelho e o reino, o evangelho no Apocalipse, o
evangelho e a Sabedoria. Tradução de Vivian do Amaral Nunes
(São Paulo: Shedd, 2016). Tradução de: Gospel and kingdom;
The gospel in Revelation; Gospel and Wisdom.
ILLUSTRATED Bible dictionary (Leicester: Inter-Varsity, 1980).
BRIGHT, John. The kingdom of God (Nashville: Abingdon,
1953).
TYNDALE New Testament Commentaries.
TYNDALE Old Testament Commentaries.
ZONDERVAN pictorial encyclopedia of the Bible (Grand Rapids:
Zondervan, 1975). 5 vols.
Utilizadas nas referências bíblicas
Antigo Testamento
Gn
Gênesis
Êx
Êxodo
Lv
Levítico
Nm
Números
Js
Dt
Deuteronômio Josué
Jz
Juízes
Rt
Rute
1Sm
1Samuel
2Sm
2Samuel
1Rs
1Reis
2Rs
2Reis
1Cr
1Crônicas
2Cr
2Crônicas
Ed
Esdras
Ne
Neemias
Et
Ester
Jó
Jó
Sl
Salmos
Pv
Provérbios
Ec
Eclesiastes
Is
Ct
Cântico dos Cânticos Isaías
Jr
Jeremias
Lm
Lamentações
Ez
Ezequiel
Dn
Daniel
Os
Oseias
Jl
Joel
Am
Amós
Ob
Obadias
Jn
Jonas
Mq
Miqueias
Na
Hc
Sf
Ag
Zc
Ml
Naum
Habacuque
Sofonias
Ageu
Zacarias
Malaquias
Novo Testamento
Mt
Mateus
Mc
Marcos
Lc
Lucas
Jo
João
At
Atos
Rm
Romanos
1Co
1Coríntios
2Co
2Coríntios
Gl
Gálatas
Ef
Efésios
Fp
Filipenses
Cl
Colossenses
1Tm
2Ts
1Ts
1Tessalonicenses 2Tessalonicenses 1Timóteo
2Tm
2Timóteo
Tt
Tito
Fm
Filemom
Hb
Hebreus
Tg
Tiago
1Pe
1Pedro
2Pe
2Pedro
1Jo
1João
2Jo
2João
3Jo
3João
Jd
Judas
Ap
Apocalipse
1 Edição em português: “O evangelho e o reino”, in: GOLDSWORTHY,
Graeme. Trilogia: o evangelho e o reino, o evangelho no Apocalipse, o
evangelho e a Sabedoria, tradução de Vivian do Amaral Nunes (São Paulo:
Shedd, 2016).
2 Grand Rapids: Eerdmans, 1948 [edição em português: Teologia bíblica:
Antigo e Novo Testamentos, tradução de Alberto Almeida de Paula (São
Paulo: Cultura Cristã, 2010)].
PRIMEIRA PARTE
TEOLOGIA BÍBLICA — POR QUÊ?
Nesta primeira parte, respondemos à pergunta “Por que os cristãos
deveriam se interessar por teologia bíblica?”. Examinamos diversos
problemas que podemos encontrar quando lemos a Bíblia e
sugerimos modos pelos quais a teologia bíblica pode nos ajudar ao
lidarmos com esses problemas.
A sanguessuga tem duas filhas
Quem de nós não acha pelo menos algumas partes da Bíblia difíceis de
entender? É cômodo ignorar os problemas permanecendo nos caminhos
bastante trilhados de passagens bem conhecidas. Porém, quando
começamos a levar a sério que a Bíblia inteira é a Palavra de Deus,
inevitavelmente deparamos com as dificuldades. É nesse ponto que
precisamos que a teologia bíblica nos ensine como ler e entender a Bíblia.
O que determinada passagem problemática significa? Como posso contar
uma história bíblica de modo que ela nos fale como a Palavra de Deus?
Como o Antigo Testamento se aplica à sua e à minha vida? O que significa
interpretar a Bíblia? Essas são algumas perguntas às quais a teologia
bíblica vai nos ajudar a responder.
A LUTA DOS QUE CREEM NA BÍBLIA
Não há nada como perceber que uma coisa é um problema real
para nós para ficarmos motivados a ler sobre ela. Se o médico lhe
disser que provavelmente você vai morrer de ataque cardíaco caso
não faça algo para mudar seus hábitos alimentares e estilo de vida,
é bem provável que você comece a se informar sobre doenças
cardíacas, exercícios físicos e dieta. É também provável que você
considere uma atitude sábia obter as informações corretas antes de
se comprometer a comprar um carro novo ou fazer uma viagem pelo
mundo. Quando você compra algum equipamento eletrônico caro,
em geral sente a necessidade de ler o manual atentamente. Você lê
as instruções a fim de não causar nenhum dano ao equipamento,
bem como para obter os melhores resultados de seu investimento.
Às vezes, ao lermos a Bíblia, encontramos informações que são
um problema para nós. Pode ser algo que parece muito incoerente
com verdades fundamentais encontradas em outras partes da
Bíblia, ou pode ser o caso de uma passagem que não faz nenhum
sentido para nós. Diante disso, algumas pessoas podem
simplesmente dar de ombros e voltar às passagens conhecidas da
Bíblia que aparentemente não oferecem nenhum problema. Mas o
cristão seriamente interessado em descobrir o que a Palavra de
Deus diz não se contentará em tomar essa saída fácil. Espero que
você esteja entre os que preferem se esforçar um pouco a fim de
obter melhor entendimento da Bíblia por completo. Nesse estágio,
você pode perguntar “O que é teologia bíblica?” e “Por que preciso
dela?”.
Como cristãos, queremos saber se a nossa fé e o nosso
compromisso com Cristo têm um fundamento sólido. Queremos
saber a verdade sobre a eternidade e sobre o aqui e agora. No que
devemos crer e por quê? Como devemos viver e por qual razão?
Quais são os meios de saber as respostas a essas perguntas? A
maioria dos cristãos reconhece a Bíblia como a fonte primária de
nosso conhecimento da verdade. Como, então, há visões tão
diferentes, até visões opostas, sobre alguns assuntos importantes
para nós?
Algumas diferenças nascem de entendimentos divergentes a
respeito da autoridade da Bíblia. Se a Bíblia pode ser interpretada
corretamente apenas por uma igreja investida de autoridade, então
ela fica sujeita a um corpo de tradição e ensino eclesiásticos. Se a
Bíblia realmente contém uma mescla de verdade e erro, então a
base para identificar o que nela é verdadeiro passa a ser uma
autoridade mais elevada do que a própria Bíblia. Quando os cristãos
concordam que a Bíblia é a autoridade suprema, as diferenças
costumam surgir no nível de querer saber o que o texto bíblico de
fato diz e como ele deve ser interpretado.
Um adventista do sétimo dia que gosta de uma boa discussão se
aproxima de um jovem pároco anglicano em uma estação ferroviária
e pergunta: “Com licença, que dia é o Sabbath?”. Sem hesitação, o
anglicano responde: “Sábado”, o que surpreende o adventista, pois
ele esperava que a resposta do anglicano fosse “domingo”. Então
ele acena com a cabeça e continua seu caminho. Os dois falam com
base na aceitação da Bíblia como a autoridade final. A pergunta
sobre por que os dois divergem acerca de em qual dia os cristãos
devem ir à igreja não surge na conversa. Se ela fosse discutida,
sem dúvida exemplificaria o problema de como interpretar a Bíblia.
Organiza-se um fórum de discussão sobre o assunto falar em
línguas. Um ministro da Igreja de Cristo e um anglicano têm a
mesma posição contra dois ministros pentecostais. Entre eles, não
há questão alguma a respeito da autoridade suprema da Bíblia.
Apesar disso, sobre o tema da obra do Espírito Santo, manifestamse diferenças muito grandes de compreensão. Cada um considera a
sua posição coerente com o ensino geral da Bíblia como a Palavra
de Deus.
E nesse mesmo sentido outros exemplos podem ser dados.
Cristãos com as mesmas convicções ou com convicções muito
semelhantes sobre a Bíblia discordam a respeito do que a Bíblia
ensina sobre o batismo, a predestinação ou a segunda vinda de
Cristo. Os cristãos “crentes na Bíblia” levam isso muito a sério. A
verdade importa, e é preciso defender aquilo em que se acredita ser
verdade. Decidir ser bíblico, crer e agir de acordo com o que a Bíblia
ensina, não resolve todos os nossos problemas. Nossas perguntas
sobre o que a Bíblia diz, como diz e o que isso deve significar para
nós jamais terminam. Não estou querendo dar a entender que todas
as diferenças nas convicções denominacionais serão resolvidas
pela teologia bíblica. Antes, estou querendo dizer que qualquer
cristão que deseja entender as razões das diferenças e queira criar
um método sólido de abordar o texto bíblico, a fim de descobrir o
que ele realmente diz e significa, precisa de conhecimento de
teologia bíblica.
O significado da Bíblia
não é estabelecido puramente com base
entendimento de sua inspiração e autoridade.
em
nosso
PASSAGENS PROBLEMÁTICAS
Se eu disser: “A Bíblia inteira é a Palavra de Deus para mim”, como
posso saber o que Deus está me dizendo em uma determinada
passagem? De que modo a mensagem de um profeta a um israelita
antigo é uma mensagem para mim? Como a narrativa de um
acontecimento passado influencia a minha existência hoje? E isso é
somente o início de nossas dificuldades. Na Bíblia, há muitas
passagens difíceis e muitas cujo significado parece não ter sentido
nem coerência em relação ao que acreditamos que a Bíblia ensina
em outras partes. Algumas são bem claras quanto a seu verdadeiro
significado, mas não fazem sentido como Palavra de Deus para
pessoas da atualidade. Vamos observar alguns problemas típicos.
Você se lembra do adventista e do anglicano? Se a discussão
tivesse prosseguido, o texto a seguir provavelmente teria sido
levado em consideração:
Lembra-te do dia de sábado, para o santificar (Êx 20.8).
À primeira vista, o sentido de “sábado” parece bem claro. Não
haveria controvérsia alguma a respeito do que era o dia de sábado
para Israel, e a Bíblia dá uma boa quantidade de informações a
respeito do que significava santificá-lo no antigo Israel. A
controvérsia diz respeito ao que ele significa para nós hoje. Uma
mensagem semelhante da mesma parte da Bíblia apresentaria um
tipo de problema diferente para a discussão de nossos dois cristãos:
… Não cozinhem o cabrito no leite da própria mãe (Êx 23.19, NVI).
E há ainda aquelas passagens que empregam figuras de
linguagem ou metáforas difíceis de entender enquanto não
adquirimos conhecimento de seu contexto histórico-cultural:
… Dã é filhote de leão, que salta de Basã (Dt 33.22).
… o teu nariz é como a torre do Líbano, voltada para Damasco (Ct 7.4).
Algumas passagens são difíceis porque são suscetíveis de uma
gama de significados e não apresentam nenhum contexto claro que
possa nos ajudar:
A sanguessuga tem duas filhas, a saber: Dá! Dá!… (Pv 30.15, ARA).
Por fim, poderíamos mencionar passagens que parecem
apresentar problemas morais, ou passagens que simplesmente nos
parecem difíceis de acreditar:
Filha da Babilônia, que serás destruída; feliz aquele que te retribuir o mal
que fizeste a nós; feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a
pedra (Sl 137.8,9).
… E o sol parou no meio do céu, e não se apressou a se pôr, quase um dia
inteiro (Js 10.13).
O SENHOR, porém, endureceu o coração do faraó, e este não deixou ir os
israelitas (Êx 10.20).
… tudo o que tinha fôlego destruiu totalmente, como ordenara o SENHOR, o
Deus de Israel (Js 10.40).
Esses textos exemplificam o fato de que parece haver vários
tipos de passagens problemáticas na Bíblia. Às vezes, o problema é
o que o texto realmente quer dizer e, outras vezes, o problema é
discernir sua aplicação pessoal. A natureza da Bíblia é tal que o
meio de resolver esses problemas é observar que ela se mantém
coesa como um livro com uma só mensagem. A teologia bíblica é,
de fato, o estudo da unidade da mensagem da Bíblia.
A teologia bíblica
fornece o meio de lidar com passagens problemáticas da Bíblia
relacionando-as à mensagem única da Bíblia.
COMO CONTAR UMA HISTÓRIA BÍBLICA?
As histórias bíblicas podem ser contadas com excelente efeito quer
para crianças pequenas, quer para uma congregação familiar, quer
para uma capela cheia de professores de teologia. A arte de contar
histórias requer a habilidade de criar com palavras uma
representação dramática, não importa qual seja a origem da história
ou sua relação com a verdade. Até as crianças que contam histórias
de fantasmas ao redor de uma fogueira ou quando as luzes já se
apagaram em uma festa do pijama percebem instintivamente o valor
do realismo, do suspense e da surpresa em sua narrativa. As
histórias da Bíblia podem ser contadas levando em conta aqueles
elementos que lhe infundem a vida da dramatização e o interesse
humano, ou podem ser despojadas de toda a vivacidade e encanto.
Os cristãos, no entanto, normalmente não contam histórias da
Bíblia simplesmente para entretenimento. Nós as consideramos
veículos da verdade acerca de Deus e de nós mesmos. Às vezes
temos essa visão não porque a verdade nos seja óbvia, mas porque
a história em questão faz parte do desenrolar do drama que
encontra seu apogeu na pessoa e na obra de Jesus Cristo. Essas
histórias estão principalmente no Antigo Testamento. E se eu, então,
contar uma história do Antigo Testamento com todas as habilidades
narrativas que eu for capaz de reunir? Isso é tudo? A história se
interpreta a si mesma e depois leva as pessoas a agirem de acordo
com a verdade? Em geral, queremos fazer algum tipo de aplicação
para o ouvinte de modo que, no momento em que ouve a narração,
ele identifique o que aconteceu nos tempos antigos como a palavra
de Deus. Não é suficiente dizer que reconhecemos que se trata da
palavra de Deus para nós porque está na Bíblia. Será que o
significado de Josué conquistar Jericó é evidente para nós? Tendo
em vista que não nos encontramos hoje na situação de atacar
cidades, talvez identifiquemos uma lição muito geral e bem suave
sobre confiança e obediência às ordens de Deus. Nesse caso, as
narrativas bíblicas seriam em geral ilustrações de fé ou
incredulidade?
Em algum momento, a importância da narrativa bíblica para o
leitor ou ouvinte precisará ser levada em conta se quisermos refletir
sobre ela como parte da palavra de Deus para nós. A teologia
bíblica é um meio de examinar um acontecimento específico em
relação ao quadro completo. Esse quadro completo nos inclui, no
ponto em que estamos agora, entre a ascensão de Jesus e a sua
volta no fim dos tempos. A teologia bíblica nos habilita a enxergar a
nós mesmos em relação aos acontecimentos remotos das narrativas
da Bíblia. Descobrir a nossa relação com determinado
acontecimento é descobrir o significado dele para nós.
A teologia bíblica
nos capacita a relacionar qualquer história bíblica com a
mensagem inteira da Bíblia e, portanto, com nós mesmos.
O QUE DIZER DO ANTIGO TESTAMENTO?
O Antigo Testamento é mais do que tão somente uma grande
coleção de histórias, embora a narrativa histórica seja a estrutura
em que tudo o mais se enquadra. Os cristãos encontram inúmeros
problemas ao ler o Antigo Testamento, mas mencionarei apenas
alguns. Em primeiro lugar, o Antigo Testamento é pré-cristão e
nunca menciona as particularidades da fé cristã. O povo de Israel
não é cristão e não se pode dizer que essas pessoas viviam uma
vida “cristã”.
Em segundo lugar, o Antigo Testamento contém uma série de
instruções e ordens que nós como cristãos não observamos. Isso é
ressaltado no fato de muitos cristãos fazerem uma distinção entre
uma lei ritual de Israel, que não se aplica mais a nós, e uma lei
moral, cuja vigência ainda é reconhecida. O problema surge com um
mandamento como, por exemplo, o que exige a observância do
sábado, o qual alguns descartam como ritual, enquanto outros
consideram uma lei moral.
Em terceiro lugar, a visão profética da obra salvadora definitiva
de Deus não faz nenhuma referência específica a Jesus Cristo e é
voltada, em vez disso, para o destino da nação de Israel. O reino de
Deus se concentra no templo restaurado em uma Jerusalém
reconstruída, onde serão reunidos todos os israelitas anteriormente
dispersos. Além disso, os profetas não tratam da questão da vida
após a morte nem do problema dos fiéis que já tiverem morrido
quando o reino de Deus chegar.
Em quarto lugar, se o Antigo Testamento é de algum modo uma
preparação para o Novo Testamento, como a maioria dos cristãos
entende, por que a religião de um é tão diferente da do outro? O fato
de a leitura do Antigo Testamento nas igrejas ser, ao que parece,
uma prática à beira da extinção só indica que as pessoas percebem
algum problema com ele. É fácil dizer que as formas da religião do
Antigo Testamento são sombras da religião do Novo Testamento e
que elas são realizadas por este. Como uma proposição em si, isso
pode ser dito para defender a rejeição do Antigo Testamento de uma
vez por todas. No entanto, há algo no próprio Novo Testamento,
bem como nas antigas tradições da igreja, que nos impede de fazer
isso. O Antigo Testamento continua sendo reconhecido como
Escrituras cristãs válidas e, como tal, requer interpretação.
A teologia bíblica examina o desenvolvimento da história bíblica,
do Antigo Testamento para o Novo, e busca descobrir as interrelações entre as duas partes. Profecia, lei, narrativa, provérbios de
sabedoria e visão apocalíptica estão todos relacionados à vinda de
Jesus Cristo de algum modo identificável. A teologia bíblica é uma
abordagem metódica que visa a mostrar essas relações a fim de
que se compreenda o Antigo Testamento como Escrituras cristãs.
A teologia bíblica
mostra a relação de todas as partes do Antigo Testamento com
a pessoa e a obra de Jesus Cristo e, portanto, com o cristão.
VISÃO PANORÂMICA
Quando se está próximo do solo, é quase sempre muito difícil
enxergar exatamente onde se está em relação a outros lugares.
Algumas árvores, um declive no solo, alguns edifícios ou outros
elementos naturais ou artificiais podem impedir nossa orientação
correta. É por isso que se constroem plataformas de observação em
edifícios altos ou em montanhas, e por isso a fotografia aérea se
tornou tão importante na guerra ou na elaboração de mapas em
tempos de paz. A visão panorâmica nos permite enxergar os objetos
e lugares em relação a outros objetos e lugares. Um mapa é uma
representação da vista panorâmica de determinada parte da
superfície da terra. Ele reduz uma área grande demais para
observarmos diretamente a um modelo suficientemente pequeno
para ser visto de uma só vez.
Alguns mapas não mostram relações espaciais porque elas não
são necessárias. Antes, mostram como partes diferentes funcionam
em relação a outras partes ou quais são os seus tamanhos relativos.
Os diagramas de circuitos elétricos e o organograma da
administração de uma empresa são tipos de mapa, assim como as
tabelas e os gráficos que mostram, por exemplo, as importações e
as exportações de um país. Também há os mapas descritivos
verbais, que não dependem de gráficos nem de digramas, mas, em
vez disso, oferecem informações verbais. A teologia bíblica é um
mapa verbal da mensagem completa da Bíblia. Neste livro, vamos
usar também alguns mapas na forma de diagramas que nos
ajudarão a entender como todas as partes da Bíblia se encaixam em
um todo coerente. A teologia bíblica pressupõe algum tipo de
unidade da Bíblia e que há, de fato, uma mensagem única
integrada, e não uma série de temas não relacionados.
A teologia bíblica
permite mapear a unidade da Bíblia examinando a sua
mensagem como um todo.
UMA QUESTÃO DE INTERPRETAÇÃO
A interpretação da Bíblia nem sempre é uma coisa simples. Alguns
não se convencerão disso se a sua atitude for do tipo “Eu sou
apenas um simples crente na Bíblia”. Precisamos reconhecer,
porém, que as palavras escritas são apenas sinais ou símbolos que
têm significado atribuído pelo uso comum. Esses signos
representam sons que produzimos com a boca para comunicar
sentido às pessoas. Uma palavra pode ter uma série de significados
diferentes em situações ou contextos diferentes. De modo
semelhante, um grupo de palavras pode ter significados diferentes
dependendo de ser entendido literal, metafórica ou simbolicamente.
Com as palavras da Bíblia não é diferente, uma vez que elas
sempre precisam ser interpretadas em seu próprio contexto. Como
um estudo em si, a interpretação é chamada de hermenêutica, um
termo derivado de uma palavra grega que significa “interpretar”. A
maioria dos comentários sobre o texto bíblico se concentra no
significado que o autor ou enunciador original tinha em mente. Mas
precisamos ir além disso, considerando também a questão do
significado do texto para nós hoje. Uma vez que entendemos o que
o autor bíblico estava realmente dizendo, procuramos o seu
significado atual para nós. É disso que trata a interpretação.
A teologia bíblica é essencial para a hermenêutica. A
interpretação correta da Bíblia pressupõe algum tipo de
conhecimento bíblico-teológico. A teologia bíblica estabelece a
Bíblia como a Palavra de Deus para nós hoje e não como apenas
um registro histórico interessante. Hamurabi, rei da antiga Babilônia,
é famoso pelo seu código de leis. Assim como qualquer texto, essas
leis precisam de interpretação para entendermos o seu significado.
Podemos até perguntar como essas leis influenciaram os conceitos
modernos de lei, se é que influenciaram, e, portanto, como nos
afetaram. Quando, porém, examinamos as leis de Deus dadas a
Israel por meio de Moisés, nós as entendemos como parte da
revelação total de Deus, que culminou com a vinda de Jesus Cristo.
Como cristãos, portanto, estamos mais profundamente interessados
em perguntar de que modo as leis de Moisés têm significado para
nós hoje. A teologia bíblica nos disponibiliza os meios de avançar
para a resposta a essa pergunta.
A teologia bíblica
provê a base para a interpretação de qualquer parte da Bíblia
como a palavra de Deus para nós.
GUIA DE ESTUDO
1. Anote alguns problemas que você tem para ler e entender a
Bíblia.
2. Faça um registro das passagens difíceis que você encontra
em sua leitura da Bíblia.
3. Que lições você acha que podem ser extraídas das histórias
de Moisés no meio dos juncos (Êx 2) e de Davi e Golias
(1Sm 17)? Teste a si mesmo em relação a outras histórias
muito conhecidas.
4. Por que uma visão panorâmica é importante para entender
qualquer assunto?
SEGUNDA PARTE
TEOLOGIA BÍBLICA — COMO?
Podemos mesmo conhecer a Deus? Se podemos, que papel a
Bíblia deve ter em nossa capacitação para o conhecermos? Nesta
parte, tratamos da questão de como é possível conhecer a Deus e
quais são as fontes de nosso conhecimento.
Como foi sugerido na introdução deste livro, alguns leitores talvez
achem melhor passar imediatamente para a análise do conteúdo da
teologia bíblica na terceira parte (caps. 8-25), antes de ler esta
seção. Contudo, a segunda parte não deve ser considerada um
extra opcional, e é melhor que você a leia antes da terceira parte.
Deus se dá a conhecer
Como podemos realmente conhecer a Deus? A resposta começa por
sabermos que Deus nos conhece e se permite ser conhecido por nós. Ele
expressou e nos disse o que deseja que conheçamos dele. Nós não só
podemos saber sobre ele, mas também podemos conhecê-lo quando ele
nos atrai para si e nos torna seus filhos por intermédio de Jesus Cristo.
Teologia é a palavra que usamos para nos referir ao que sabemos sobre
Deus. Ela pode ser empregada de muitos modos distintos mas
relacionados. Não precisa ser algo complicado. Podemos empregar a
palavra para designar o conhecimento que todo cristão tem de Deus
(Theos = Deus, logos = palavra, conhecimento). A teologia bíblica é um
meio de entender a Bíblia no seu todo, a fim de podermos perceber o
desenrolar do plano da salvação estágio por estágio. A teologia bíblica se
ocupa da mensagem de Deus para nós na forma em que ela realmente
assume nas Escrituras.
TODO CRISTÃO É UM TEÓLOGO
A Bíblia fala que nós conhecemos a Deus e somos conhecidos por
Deus. Esses dois fatos importantes fazem parte da teologia que
cada um de nós constrói durante toda a nossa vida de cristãos.
Alguma vez você já ouviu alguém dizer (sobretudo no meio de uma
discussão sobre a Bíblia): “Não sou teólogo, mas…?”. Quando ouço
isso, minha resposta é: “Sim, você é! Todo cristão é teólogo, mas
alguns são teólogos mais capacitados do que outros”. Todo cristão
por definição conhece a Deus, reflete acerca de Deus e faz
declarações sobre Deus. Portanto, você é um teólogo. Uma das
características de ser cristão é fazer teologia. Isto é, reunimos
diferentes aspectos do que entendemos sobre Deus e com isso
construímos uma espécie de entendimento coerente de nossa
existência como povo redimido de Deus que vive no mundo.
Há uma série de diferentes métodos pelos quais podemos fazer
teologia. Neste livro quero examinar um desses métodos com o
objetivo de ajudar os cristãos comuns a se tornarem teólogos mais
capacitados e, por conseguinte, servos mais fiéis de Cristo e de seu
reino. Para entendermos melhor o que é a teologia bíblica, vou
compará-la com alguns outros métodos de fazer teologia.
TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Esse nome soa como algo que se ensina nas faculdades de teologia
e cursos de divindade. E de fato é. Mas também é algo de grande
interesse para os cristãos que apenas querem entender melhor o
cristianismo. A teologia sistemática tem esse nome porque envolve
a organização sistemática de verdades ou doutrinas sob
determinados títulos ou tópicos. Às vezes, ela é chamada de
dogmática e se refere ao arranjo metódico das doutrinas de
determinado entendimento do cristianismo. Sua preocupação é
declarar aquilo em que os cristãos creem como um sistema de
doutrinas completo, que abrange todos os aspectos de nossa
religião. O que acreditamos sobre Deus, a morte de Cristo, a ceia do
Senhor ou os ministérios da igreja? A teologia sistemática é uma
tentativa de responder à pergunta: “O que é a fé cristã?”.
A teologia sistemática está por trás das confissões de fé que
algumas denominações formularam em certas épocas críticas de
sua história. As igrejas anglicanas têm os Trinta e Nove Artigos da
Religião (1562), e as igrejas presbiterianas têm a Confissão de
Westminster (1644). Se você quiser encontrar as doutrinas oficiais
da Igreja Católica Romana, vai precisar ir aos cânones do Concílio
de Trento (1545-1563) e aos decretos do Concílio Vaticano II (19631965).
A teologia sistemática pergunta:
Em que os cristãos devem crer agora acerca de determinado
aspecto do cristianismo?
Contribuição da resposta a essa pergunta: a doutrina cristã.
TEOLOGIA HISTÓRICA
Trata-se do estudo histórico do modo que a teologia tem sido feita
na igreja cristã ao longo dos séculos. A teologia histórica examina o
surgimento de doutrinas importantes em momentos específicos da
história do cristianismo. Ela se interessa pelos conflitos ocorridos, a
fim de procurar estabelecer a teologia verdadeira, e pela infiltração
dos ensinamentos falsos em várias épocas. Grandes pensadores e
movimentos cristãos, credos e concílios, cismas e controvérsias são
todos parte da história da doutrina e do pensamento cristão, que é o
interesse da teologia histórica. A teologia histórica está
estreitamente relacionada com a história da igreja e a teologia
sistemática.
A teologia histórica pergunta:
Em que os cristãos acreditavam em relação à sua fé em
determinada época?
Contribuição da resposta a essa pergunta: o registro do
desenvolvimento da doutrina cristã.
TEOLOGIA PASTORAL
Como um enfoque específico no campo da teologia, a teologia
pastoral é relativamente nova. Ela se ocupa do modo que a Palavra
de Deus toca as pessoas, onde elas estão e na condição em que se
encontram, quaisquer que sejam estas. Seu interesse é a aplicação
prática do evangelho em todos os aspectos da vida dos cristãos. No
centro da teologia pastoral está a teologia do ministério, suas
formas, seus dons, sua função e autoridade. Ela precisa estabelecer
uma compreensão bíblica do homem em geral e da existência cristã
em particular. Entre os seus objetivos práticos estão curar,
apascentar e promover o crescimento. Os crentes que estão
enlutados por causa da morte de um parente, os que sofrem de
ansiedade ou depressão, os que não veem motivo para se encontrar
regularmente com outros crentes, os que acreditam que o perdão
dos pecados nos permite continuar pecando livremente, os que
anseiam por uma comunhão mais íntima do que a oferecida por um
culto formal ou os crentes que querem aprender como devem orar e
tomar decisões são todos o alvo da teologia pastoral. Essa
abordagem procura os princípios que devem ser extraídos de nosso
conhecimento de Deus e podem ser aplicados de forma válida a
cada um desses candidatos ao cuidado pastoral.
A teologia pastoral pergunta:
Como cristãos devem ministrar uns aos outros a fim de
crescerem em maturidade na vida cristã?
Contribuição da resposta a essa pergunta: cuidado e
crescimento na igreja local.
TEOLOGIA BÍBLICA
Apesar de termos a Bíblia como a nossa fonte da teologia, é óbvio
que ela não a apresenta de modo sistemático. Se pudermos fazer
alguma comparação, a Bíblia está mais para uma teologia histórica
que traça a história do pensamento teológico do povo de Deus
desde o início. Um exame mais atento, porém, mostra que isso é
verdade apenas em parte.
Há algumas diferenças significativas entre a história na Bíblia e a
história do pensamento cristão. A Bíblia afirma ser a própria verdade
do próprio Deus. Desse modo, ela contém a história da revelação de
Deus à humanidade, e não a história daquilo que as pessoas
pensam sobre Deus. Ela consiste em uma ampla variedade de
documentos que afirmam seguir o processo pelo qual Deus se
revela ao homem e age para salvar um povo para si mesmo. A
teologia bíblica está interessada nos atos salvadores de Deus e em
sua palavra à medida que ocorrem na história do povo de Deus. Ela
segue o progresso da revelação desde a primeira palavra de Deus
ao homem até a revelação da glória plena de Cristo. Examina os
vários estágios da história bíblica e a relação deles entre si. Com
isso, a teologia bíblica provê a base para entendermos como os
textos de uma parte da Bíblia se relacionam com todos os outros
textos dela. A interpretação correta da Bíblia se assenta nas
descobertas da teologia bíblica.
A teologia bíblica pergunta:
Por qual processo Deus se revelou à humanidade?
Contribuição da resposta a essa pergunta: a relação de toda a
Bíblia com a nossa vida cristã hoje.
Ninguém se engaja em qualquer uma dessas diferentes
abordagens da teologia sem levar em consideração algumas das
outras. A teologia sistemática faz uso constante da teologia bíblica e
da histórica. A teologia pastoral provavelmente se valerá bastante
da teologia bíblica e da teologia sistemática. Cada tipo de teologia
oferece uma perspectiva diferente sobre a verdade única revelada
por Deus.
TEOLOGIA EXEGÉTICA
A teologia bíblica às vezes é considerada parte de uma disciplina
mais ampla chamada de teologia exegética. A exegese é o processo
de extrair de um texto o que ele de fato diz em seu contexto original.
Para fazer a exegese de qualquer texto, precisamos entender
alguma coisa do modo pelo qual as palavras eram empregadas na
época em que o texto foi proferido ou escrito pela primeira vez.
Também precisamos ter informações sobre o contexto em que elas
foram proferidas: os acontecimentos históricos e as verdades
reveladas que circundam o texto em questão.
A própria exegese envolve uma série de operações distintas.
Algumas dessas operações o teólogo leigo terá de deixar para o
especialista com formação técnica. Podemos expressar essas
operações em forma de perguntas.
1.
Qual é o texto?
Uma comparação de duas ou três versões em português da mesma
referência bíblica nos lembrará de que estamos lidando com
traduções de textos antigos, escritos em línguas estrangeiras. Não
existe um modo único de traduzir um texto de uma língua para
outra. A tradução é tanto arte quanto ciência. Contudo, para
traduzirmos, precisamos ter um texto fidedigno no idioma original.
Muitos desconhecem que os textos nos quais se baseiam as
versões para a nossa língua são, em alguns casos, de linhagem
bem obscura. A crítica textual é um recurso necessário por meio do
qual os textos mais antigos conhecidos dos documentos bíblicos
são comparados, juntamente com várias traduções antigas para
outras línguas (chamadas de versões), e a história desses textos é
investigada com o propósito de descobrir o texto mais fidedigno do
Antigo e do Novo Testamentos.
A crítica textual pergunta:
Qual é o texto?
Contribuição da resposta a essa pergunta: a obtenção do texto
mais fidedigno possível do qual podem ser feitas as traduções
para nosso idioma.
2.
Qual é a fonte do texto?
Essa pergunta infelizmente se tornou uma das principais
preocupações de muitos pesquisadores da Bíblia que têm abordado
as Escrituras com maior ou menor grau de ceticismo acerca de suas
origens divinas. Não obstante os aspectos negativos e inaceitáveis
desses estudos acadêmicos, muitas das perguntas que eles fazem
são legítimas e relevantes. Essa área de estudo se ocupa de
perguntas tais como quem escreveu o documento, quando e onde?
Também se interessa em saber se a forma bíblica é a original ou se
envolveu o uso de tradições anteriores, orais ou escritas. Se foram
utilizadas tradições anteriores, como o autor bíblico as reformulou
na produção da forma final? Todas essas perguntas podem ser
agrupadas no campo da teologia exegética chamado de introdução
bíblica. Você encontrará referências a esses assuntos por meio dos
seguintes termos técnicos:
a. Crítica literária e crítica da fonte: quem escreveu o
documento, quando e onde, em que circunstâncias e com
que propósito?
b. História da tradição: por quais processos as várias tradições
escritas e orais vieram a compor o documento bíblico?
c. Crítica da forma: como as formas distintas de expressão
literária revelam informações das origens, da história e do
significado do texto?
d. Crítica da redação: como o autor manifestou sua própria
criatividade ao reformular tradições mais antigas para servir
a seu propósito teológico específico?
A introdução bíblica pergunta:
Que tipo de documento é esse, de onde ele veio e como, quem
o escreveu e com que propósito?
Contribuição da resposta a essa pergunta: provisão de dados
do ambiente histórico para o significado do texto.
3.
Qual é o significado do texto?
Nosso interesse neste ponto é sobretudo pelo que o texto
significava na época de sua produção; o que significava para o autor
ou falante original. As palavras devem ser entendidas em seu
contexto próprio. Não devemos atribuir-lhes sentidos atuais, mas,
sim, procurar refazer o caminho até as formas de linguagem e de
pensamento do autor antigo. O contexto das palavras se constitui
não só dos acontecimentos históricos que as cercam, mas também
de todos os demais aspectos que as condicionam, relacionados ao
acontecimento específico, à língua, à cultura e às próprias pessoas.
Uma vez que nosso interesse é pelo significado das palavras
(gramática) em seu contexto histórico próprio, designamos esse
procedimento de exegese histórico-gramatical.
A exegese bíblica pergunta:
O que o texto queria comunicar àqueles para quem foi
originariamente escrito?
Contribuição da resposta a essa pergunta: entendimento do
significado pretendido do texto.
4.
Como o texto veio a ser reconhecido como
singularmente dotado de revelação e autoridade?
Nosso interesse no texto bíblico é bem diferente do interesse que
podemos ter em qualquer outra coletânea de livros religiosos
antigos. Sem dúvida, há quem situe a Bíblia no mesmo nível que a
literatura religiosa em geral. Os cristãos, porém, não podem fazer
isso. Reconhecemos a Bíblia como uma unidade não somente com
base nos temas comuns que a perpassam, mas também porque ela
nos fala como a palavra de Deus ao homem. Quando refletimos a
respeito do cânon, isto é, a extensão das Escrituras Sagradas,
vemo-nos diante da pergunta de como e por que os documentos
bíblicos têm de ser distinguidos de todos os outros documentos.
Com isso, surge a questão de sua autoridade única. Se esses
documentos são inspirados por Deus a fim de comunicarem a sua
autorrevelação exatamente da forma que ele pretende, então, eles
têm uma autoridade que nenhum outro documento tem. A existência
do cânon significa que ele é o texto tal como o temos na Bíblia, e
não algum possível texto anterior que tratamos como Escrituras. O
estudo da extensão das Escrituras é chamado às vezes de canônica
bíblica.
A canônica bíblica pergunta:
Qual é a extensão do texto e a natureza de sua autoridade?
Contribuição da resposta a essa pergunta: reconhecimento da
Bíblia inteira como a Palavra de Deus investida de autoridade.
A teologia exegética, portanto, abrange uma série de abordagens
diferentes do texto bíblico com a finalidade de entendê-lo como
parte de um processo vivo dentro da história que resultou na Bíblia
finalizada. Seu objetivo é a exegese correta da Bíblia toda a fim de
que cada parte do todo seja entendida do modo que foi
originariamente pretendido. O último estágio da teologia exegética é
a teologia bíblica, que examina o processo, ou progresso, da
revelação de Deus à humanidade. A teológica bíblica é, então,
puramente descritiva? O fato de os últimos cem anos terem
presenciado a produção de tantos estudos teológicos bíblicos
diferentes, até mesmo opostos, do Antigo e do Novo Testamentos
deve nos fazer refletir. Quem ou o que estabelece os critérios do
método para a teologia bíblica?
Essas são questões que vamos analisar no próximo capítulo.
GUIA DE ESTUDO
1. Quais são alguns dos diferentes métodos de fazer teologia e
quais são seus resultados?
2. Como você responderia a alguém que dissesse: “Eu sou
apenas um cristão que crê na Bíblia. Não preciso de
teologia”?
3. Relacione cada um dos temas a seguir com um dos ramos
da teologia tratados nesta seção e explique a sua escolha.
a. Batismo cristão
b. Versões latinas do Antigo Testamento
c. O desenvolvimento da fé em crianças
d. A aliança com Abraão
e. Dificuldades no texto hebraico de Jó
f. A soberania de Deus na salvação
g. A doutrina paulina do corpo de Cristo
h. Vida após a morte no Antigo Testamento
i. Ajudar o moribundo a enfrentar a morte
j. A teologia de Isaías a respeito da salvação
LEITURA COMPLEMENTAR
BROMILEY, G. W. Historical theology: an introduction (Edinburgh: T&T
Clark, 1978). p. xxi-xxix.
BT. cap. 1.
IBD. Verbetes “Texts and versions”, “Biblical criticism”.
ZPEB. Verbetes “Biblical criticism”, “Biblical theology”.
Mas como podemos conhecer?
Há três visões principais de como conhecemos o que é real e verdadeiro. A
primeira é que somos completamente independentes de Deus. Segundo
essa visão, temos total controle do processo de aquisição de todo o
conhecimento. Deus não existe ou, se existir, é irrelevante. Não pode
haver, portanto, nenhum conhecimento de Deus, mas apenas o
conhecimento do que as pessoas acreditam acerca de Deus. Adquirimos
conhecimento somente por meio dos nossos sentidos e da razão, e
devemos decidir por nós mesmos o que é verdadeiro.
A segunda visão é que somos independentes de Deus apenas em
parte. Há uma área da verdade que está além de nossa capacidade de
descoberta. Assim, essa área só pode ser conhecida por revelação. O
conhecimento proveniente de revelação é simplesmente acrescentado ao
conhecimento que adquirimos por nós mesmos, para completar o quadro.
A terceira perspectiva, a bíblica, é que Deus criou tudo e, portanto,
conhece tudo. Ele também criou a humanidade à sua própria imagem para
o conhecermos pelo que foi criado. Todos os fatos, incluindo os relativos a
nós mesmos, são fatos a respeito de Deus, visto que ele é o criador de
todos os fatos e lhes dá o significado que têm. A confusão começa por
causa do pecado. Como pecadores, nós nos recusamos a reconhecer que
o universo é de Deus e que somos criaturas dele. Recusamos a
interpretação de Deus da realidade e a substituímos por nossa própria
interpretação falsa. Com justiça, Deus entrega a humanidade a essa
insensatez e, por consequência, não conseguimos mais perceber a
verdade sobre Deus, que está em todos os lugares ao redor de nós e em
nós. Por sua bondade, porém, e de acordo com o seu plano de salvação,
Deus provê uma revelação especial por meio de sua Palavra. Ele também
envia o seu Espírito Santo para subjugar as inclinações rebeldes de seu
povo, a fim de que este perceba a verdade dessa revelação. Somente por
esse meio podemos conhecer verdadeiramente.
O CONHECIMENTO É INDEPENDENTE DE DEUS
(HUMANISMO SECULAR)
A maioria das pessoas pressupõe que, para entendermos o mundo,
nós o investigamos com os nossos sentidos e, em seguida, usamos
a razão para reunir os fragmentos de informação sobre as coisas e
construir um todo com significado. As experiências voltadas para a
construção desse quadro podem ser planejadas deliberadamente,
como, por exemplo, quando um cientista projeta um experimento e
observa os resultados. Ou, no caso de quase todos nós, são as
experiências da vida diária. Tomamos emprestadas as experiências
das outras pessoas e compartilhamos as nossas. Com isso,
construímos uma visão do mundo e de nós mesmos com certas
regularidades que fazem da vida algo contínuo e com significado.
Hoje é a continuação de ontem; e espero ser amanhã
essencialmente a mesma pessoa que sou hoje. Pressuponho que o
sol vai nascer e se pôr e que as “leis” da natureza às quais me
acostumei ainda continuarão a operar.
Esse enfoque do conhecimento do mundo evidentemente
funciona até certo ponto. Deixando de lado a questão moral de
como a humanidade abusou da posse de conhecimento, não há
nenhuma dúvida de que como raça aprendemos muito sobre o
mundo e o universo além. Por conseguinte, tivemos grandes
avanços no cuidado do corpo humano, na produção de alimento e
na tecnologia de transportes e de comunicações. Digo que essa
visão funciona até certo ponto porque ela não pode lidar com
questões que estejam além do alcance de nossos sentidos, como,
por exemplo, a vida após a morte e a existência de Deus.
O pressuposto dessa abordagem é que, como seres humanos,
estamos no controle de todo o processo de aquisição de
conhecimento. Ainda não descobrimos tudo o que há para saber, é
claro. Uma vez que pressupomos que a realidade é organizada,
reconhecemos que todo fato se relaciona de algum modo com todos
os outros. Assim, todos os novos fatos descobertos vão influenciar
de algum modo o entendimento dos fatos antigos. Ainda assim,
presumimos que, se tivéssemos tempo suficiente e acesso a todas
as partes do universo, seríamos capazes de conhecer tudo o que há
para ser conhecido.
Podemos definir, em termos gerais, essa posição como
humanismo ateísta. É ateísta porque afirma ou pressupõe que não
existe Deus nenhum que possa se relacionar de algum modo com o
nosso mundo real. Essa visão de mundo simplesmente exclui Deus
por considerá-lo impossível ou irrelevante. Há aqueles que alegam
acreditar em Deus, mas conseguem mantê-lo completamente fora
de sua consideração e de sua vida. Estes são ateus na prática,
porque pensam e agem como se Deus não existisse.
Essa posição é humanista porque considera que o homem é o
centro do processo e está no controle de sua situação. Isso não
significa que sempre soubemos para onde estamos indo, nem
significa que sempre pudemos evitar desastres. Significa que o
homem é o único adquirente de conhecimento real e somente ele
pode decidir o que é verdadeiro e o que não é. No pensamento
popular, o homem é capaz de decidir o que faz sentido e o que não
faz. Contudo, um mínimo conhecimento da história da civilização
nos mostra que o que outrora foi considerado desarrazoado, e,
portanto, impossível, frequentemente se torna lugar-comum do
conhecimento humano. O que rege o “razoável” no pensamento
humanista não é a ideia de que sabemos tudo agora, mas a
hipótese de que a aquisição de conhecimento humana é
completamente independente de qualquer auxílio externo ou
sobrenatural. O único mundo que existe para ser conhecido é o
mundo natural, ao qual nossos sentidos têm acesso.
Todas as formas de humanismo partem da enorme suposição de
que apenas a mente humana, mais ninguém, é o juiz definitivo do
que é verdade e do que não é. Quando alguém apresenta “provas”
científicas de que uma coisa é “verdadeira”, raramente se admite
que determinadas hipóteses indemonstráveis têm de ser feitas.
Presume-se que os sentidos humanos e a razão de fato fazem
contato com o que existe e que estes são capazes de avaliar o
sentido do que existe. Em outras palavras, as experiências humanas
são o ponto de referência decisivo do que é verdadeiro. Uma vez
que o homem é livre e está no controle da aquisição de
conhecimento, qualquer deus que ele possa conceber não está no
controle e está sujeito às mesmas leis a que estão sujeitos o homem
e a natureza. O ateu elimina a ideia de Deus por considerar
irrelevante, e assim põe o homem no controle.
Humanismo ateísta
Não há Deus, não há revelação, não há Queda.
O homem está no controle e adquire seu conhecimento da natureza.
O CONHECIMENTO É PARCIALMENTE
INDEPENDENTE DE DEUS (HUMANISMO TEÍSTA)
Imagine que fôssemos visitados por alienígenas imensamente
superiores ao homem em inteligência e conhecimento. Nós iríamos
querer aprender deles o máximo possível. Talvez eles nos
mostrassem novidades surpreendentes, capazes de alterar a nossa
compreensão de todos os fatos que aprendemos até agora.
Contudo, presume-se, eles não poderiam alterar os fatos que já
havíamos percebido verdadeiramente. Receberíamos essas
revelações dos visitantes extraterrestes como informações de
especialistas com conhecimento maior do que o nosso. Mesmo
assim, ainda consideraríamos que esses especialistas existem em
nosso universo e, portanto, estão sujeitos às suas leis como nós.
Algumas pessoas acham, em graus variados, que Deus é um
extraterrestre com conhecimento especializado para compartilhar
conosco. Podemos definir essas pessoas, em termos gerais, como
humanistas teístas. São teístas porque acreditam que existe um
deus ou deuses em uma esfera além de nossa capacidade de
conhecer. Se elas concebessem esse Deus de forma em grande
parte cristã, talvez acreditassem que ele tem alguma relação com a
criação do mundo e que deixou nele a marca de seu caráter.
Essa visão é humanista porque também considera o homem
capaz de controlar a sua aquisição de conhecimento. Uma vez que
está no controle, ele é independente de Deus. O homem investiga o
universo e descobre fatos, os quais organiza em um conjunto de
conhecimento coeso e coerente. Ele faz isso sem auxílio externo e
faz bem!
No entanto, prosseguindo com o raciocínio, existe uma esfera da
verdade que não conseguimos observar diretamente. Para
conhecermos alguma coisa dessa esfera espiritual, ou sobrenatural,
precisamos receber uma revelação especial, ou sobrenatural. O
humanista teísta entende que esse conhecimento preenche as
lacunas do nosso conhecimento adquirido naturalmente e, sendo
assim, influencia o modo de enxergarmos nosso conhecimento
natural, pois todos os fatos estão relacionados. Contudo, não
afetará a verdade essencial do que já descobrimos; tão somente
será um acréscimo ao que já sabemos. Logo, Deus é o especialista
que pode acrescentar consideravelmente ao que já conhecemos.
Uma vez que já entendemos um pouco da natureza da realidade, é
provável que o humanista teísta considere Deus sujeito às mesmas
leis do universo a que estamos sujeitos. Desse modo, podemos
formular leis mediante as quais decidimos o que faz sentido. É
inconcebível Deus nos dizer algo que contradiga a razão. A razão
humana, portanto, julga a Bíblia para decidir quais de seus aspectos
podem ser reconhecidos como revelação de Deus.
Humanismo teísta
Deus existe, mas faz parte de uma realidade geral. A Queda não significa
nada. O homem ainda está no controle e adquire conhecimento da natureza,
incluindo algum conhecimento de Deus. A revelação de Deus que se
acrescenta é sempre filtrada pelo conhecimento natural.
O CONHECIMENTO É DEPENDENTE DE DEUS
(TEÍSMO CRISTÃO)
Agora vamos trabalhar com algumas hipóteses opostas às do
humanismo. Suponha que a Bíblia é certa no que diz e que o Deus
da Bíblia é real. Ela nos mostra que Deus é bem distinto de tudo na
criação. Ele não é uma mera parte de uma realidade geral, mas,
sim, o criador, sustentador e controlador de tudo o que existe na
realidade. Além do mais, Deus, como criador, imprimiu seu caráter
em toda a criação. Ele fez isso de modo singular e extraordinário na
criação da humanidade à sua própria imagem.
O homem foi criado para conhecer a Deus. Todos os fatos no
universo falam de seu criador e estão abertos ao nosso
discernimento. Além disso, a imagem de Deus em nós significa que
conhecemos a nós mesmos somente à medida que conhecemos a
Deus, e conhecemos a Deus somente à medida que conhecemos a
nós mesmos. O poder eterno de Deus e o seu divino caráter podem
ser discernidos pela natureza, da qual a humanidade faz parte. O
homem à imagem de Deus se comunica pela palavra, e isso reflete
o fato de que Deus é aquele que se comunica pela palavra. A
primeira palavra de Deus ao homem indicava a relação que Deus
estabeleceu entre ele próprio e o homem, e entre o homem e o resto
da criação (Gn 1.28-30). Deus falou a Adão e lhe comunicou o que
este precisava saber sobre si mesmo e sobre sua relação com
Deus. Desse modo, toda palavra de Deus ao homem interpreta o
significado da realidade.
Teísmo cristão
1. O homem antes da Queda
O homem recebe a revelação por meio da natureza e a revelação
sobrenatural por meio da palavra de Deus. Toda revelação natural é
interpretada mediante a revelação da palavra.
Até aqui talvez pareça que apresentamos um quadro muito parecido
com o do humanismo teísta. Há algumas semelhanças, mas há
duas diferenças importantes. A primeira é que o teísmo cristão
reconhece que, mesmo antes de o pecado ter entrado no mundo, o
homem dependia da palavra de Deus para a interpretação correta
do mundo. O ato divino de criação foi absolutamente livre. Isto é,
Deus não foi obrigado a criar por alguma força ou necessidade que
ele não conseguisse controlar. Também foi um ato soberano, porque
a criação cumpre todos os propósitos que Deus determinou
livremente. O que ele queria que acontecesse aconteceu, e a
história da criação, incluindo a nossa história humana, é
determinada por sua vontade soberana. Com base nisso, Deus, e
somente Deus, pode interpretar todos os fatos da realidade.
A segunda diferença é que o humanismo teísta pressupõe que a
aquisição de conhecimento humana não é impedida pela realidade
do pecado. Na verdade, o pecado é considerado uma causa de
certa confusão, mas ele não altera a capacidade humana de
perceber a verdade na natureza. O pecado não remove por nenhum
meio real a livre vontade do homem. Desse modo, o livre-arbítrio é
considerado a capacidade de decidir o que não é determinado por
Deus. Deus não opera tudo em conformidade com o propósito de
sua vontade, como Paulo afirma que ele faz em Efésios 1.11, mas,
sim, deve esperar as decisões do homem.
Ao contrário dessa perspectiva, o teísmo cristão trata a questão
do pecado com muita seriedade. De acordo com a Bíblia, o pecado
produz a morte (Gn 2.17; Rm 6.23). Esse estado de morte atual
significa não apenas que todo ser vivente acabará partindo desta
vida, mas também que as relações com Deus estão rompidas. Na
verdade todas as relações na criação inteira foram afetadas (Gn
3.15-24; Rm 8.20-22; Ef 2.1-3). A Bíblia também afirma que o
homem suprime o conhecimento de Deus que se pode ter por meio
da natureza. Ele conhece a verdade, mas a suprime em sua
impiedade. É esse conhecimento de Deus que torna todas as
pessoas indesculpáveis perante ele, quer tenham ouvido o
evangelho, quer não. Entretanto, em sua consciência, o homem não
consegue mais admitir que sabe da existência de Deus e que todos
os fatos do universo apontam para ele. Por isso, o pecador
reinterpreta deliberadamente todo fato e lhe dá um significado que
se ajuste à sua negação de Deus. Existe nele o senso de Deus
pertinente à imagem de Deus. No seu pensar, porém, ele trocou
essa verdade por uma concepção do universo centrada no homem.
A mente se tornou fútil e obscurecida (Rm 1.18-25).
Teísmo cristão
2. O homem depois da Queda
O homem suprime o conhecimento de Deus e o substitui pelo humanismo
ateísta.
O teísmo cristão, portanto, entende o humanismo ateísta e o
humanismo teísta em termos bíblicos. Todas as formas de
humanismo são expressões da natureza pecaminosa da recusa dos
seres humanos a reconhecer a verdade de Deus. São substituições
fúteis da verdade.
Se a pecaminosidade do homem o torna incapaz de reconhecer
conscientemente a verdade, que esperança existe? A Bíblia nos diz
que o estado de morte do coração humano e o seu ódio a Deus são
vencidos pela bondade deste. Deus dá uma revelação nova e
especial de si e subjuga a nossa vontade rebelde com o seu
Espírito, para que entendamos e recebamos a sua revelação. O
Espírito Santo nos convence de que a Palavra de Deus é a verdade.
Desse modo, o pecador convertido, ou crente, tem a mente
restaurada para receber a verdade de Deus. Nossa restauração não
estará completa até que sejamos transformados no último dia
mediante a nossa ressurreição. Durante esta vida, existe a tensão
entre a nova vida em nós e a velha vida de rebeldia contra Deus.
Nunca conseguimos ser totalmente coerentes em nosso pensar e
agir com o que Deus revela em sua Palavra. Contudo, somos
capazes de conhecer as coisas pelo que verdadeiramente são: fatos
interpretados por Deus.
COMO PODEMOS CONHECER A VERDADE?
Essa análise é importante para entender como se faz teologia.
Precisamos de alguns princípios, ou regras, quando chegamos à
Bíblia para fazer teologia bíblica. Analisei três abordagens
diferentes.
1.
Humanismo ateísta
Essa abordagem presume que não existe Deus. A Bíblia, portanto,
não é a revelação de Deus, mas, sim, um registro de determinadas
ideias religiosas. O estudo e a interpretação da Bíblia são regidos
por esses pressupostos.
2.
Humanismo teísta
Essa concepção presume que há um Deus, mas, assim como o
humanismo ateísta, afirma que o homem está no controle da
aquisição de conhecimento. O ser humano adquire conhecimento
verdadeiro da natureza por meio de seus sentidos e, com base
nisso, conclui qual é o enfoque correto para o estudo da Bíblia.
3.
Teísmo cristão
Essa posição reconhece a dependência que o homem tem de Deus
para o verdadeiro conhecimento. A Palavra de Deus deve nos
instruir nos vários aspectos do que Deus fez e disse para nos
resgatar das consequências de nossa rebelião. Ela também deve
nos instruir quanto ao método com que lemos e entendemos a
Bíblia. Não há nenhuma lógica autoevidente identificável fora da
Bíblia; nenhuma lógica identificada naturalmente quanto ao que é
possível ou impossível. Deus como criador deve interpretar todo
acontecimento e todo fato no universo dele.
Cada uma dessas perspectivas escolheu o seu ponto de partida
próprio, presumido como verdadeiro. Se o ponto de partida for falso,
então tudo o que dele decorre também será falso. Essas hipóteses
fundamentais são chamadas de pressupostos.
PRESSUPOSTOS
Pressupostos, portanto, são as hipóteses que fazemos para poder
sustentar que um fato é verdadeiro. Não podemos prosseguir
indefinidamente dizendo: “Sei que isso é verdade porque…”. No fim,
temos de chegar àquilo que reconhecemos como a autoridade final.
Por definição, uma autoridade final não pode ser provada como uma
autoridade com base em alguma autoridade mais elevada. A
autoridade máxima deve atestar-se por si mesma. Somente Deus é
uma autoridade desse tipo.
Os pressupostos dos quais devemos partir ao fazer teologia
bíblica são os do teísmo cristão. A alternativa a isso seria
aceitarmos os pressupostos de algum tipo de humanismo. Ou
trabalhamos tendo por base um Deus soberano, que dá provas de si
mesmo e nos fala por uma palavra que reconhecemos como
verdadeira simplesmente por ser a sua palavra, ou trabalhamos
tendo por base o homem como juiz definitivo de toda a verdade. A
posição cristã, para ser coerente, reconhece que a Bíblia é a
Palavra de Deus e que ela diz o que Deus quer exatamente do
modo que ele quer.
Por isso, quando o teólogo bíblico se propõe descrever a teologia
que está na Bíblia, ele deve reconhecer os pressupostos que aceita
como a base de seu método. Muitas teologias bíblicas escritas ao
longo dos últimos cem anos foram moldadas pelos pressupostos do
humanismo. Nesses casos, não se permite que a Bíblia fale por si
mesma; antes, ela é submetida a uma avaliação constante baseada
na razão humana, considerada bem independente de Deus.
O pressuposto de uma razão humana independente e
autossuficiente resultou na produção de teologias bíblicas que
tendem a ser descrições do suposto desenvolvimento de ideias
religiosas entre o povo bíblico. Essas descrições são agravadas
pela recusa em aceitar o próprio testemunho dado pela Bíblia sobre
a história da fé de Israel. Quando a filosofia evolucionária estava em
voga, era aplicada aos documentos bíblicos para pôr à prova sua
precisão histórica. O pressuposto era que as ideias religiosas
passam por um desenvolvimento natural de formas mais simples
para mais complexas. Excluía-se a possibilidade de que o Deus da
Bíblia existisse de fato e se revelasse do modo que a Bíblia
descreve. O homem está no controle de todo o processo de
aquisição de conhecimento, e Deus é tão somente uma ideia
religiosa que muitos defendem em variadas formas.
Nem todos os teólogos que empregam pressupostos humanistas
são céticos tão extremados quando se trata de avaliar a Bíblia. O
que chamamos de humanismo é, de acordo com a Bíblia, a
expressão de nossa rejeição pecaminosa de Deus. Como cristãos,
ainda somos pecadores e a tendência ao pensamento humanista
está sempre conosco. Mesmo começando com pressupostos
verdadeiramente cristãos, é difícil permanecer totalmente coerente
com eles em nossa reflexão sobre a Bíblia. A teologia bíblica deve
ser feita com um constante esforço autoconsciente de ser coerente
com pressupostos bíblicos.
Os pressupostos da teologia bíblica
1. Deus criou todos os fatos do universo e só ele pode
interpretar todas as coisas e acontecimentos.
2. Porque fomos criados à imagem de Deus, sabemos que
dependemos de Deus para a verdade.
3. Como pecadores, suprimimos esse conhecimento e
reinterpretamos o universo sob o pressuposto de que nós, e
não Deus, damos às coisas o seu significado.
4. A revelação especial mediante a palavra redentora de Deus,
que atinge seu ponto culminante em Jesus Cristo, é
necessária para tratar de nossa supressão da verdade e
hostilidade contra Deus.
5. A obra especial do Espírito Santo produz arrependimento e
fé para que pecadores reconheçam a verdade que está nas
Escrituras.
GUIA DE ESTUDO
1. Quais são os principais pressupostos em que se baseia o
humanismo ateísta?
2. Em que o humanismo teísta difere do humanismo ateísta?
3. Da perspectiva do teísmo cristão, quais são as falhas do
humanismo ateísta e do humanismo teísta?
4. Leia Romanos 1.18-32 e sintetize com suas próprias
palavras o que Paulo diz sobre os efeitos do pecado em
nosso conhecimento de Deus.
5. Quais são os pressupostos do teísmo cristão?
LEITURA COMPLEMENTAR
BROWN, Colin. Philosophy and the Christian faith (Downers Grove:
InterVarsity, 1968). cap. 4.
______. Filosofia e fé cristã. 2. ed. Tradução de Gordon Chown
(São Paulo: Vida Nova, 2007). Tradução de: Philosophy and the
Christian faith.
CHAPMAN, Colin. The case for Christianity (Tring: Lion, 1981). esp.
seções 5 e 6.
______. Cristianismo: a melhor resposta (São Paulo: Vida Nova,
1990). Tradução de: The case for Christianity,
LLOYD-JONES, D. M. Romans: the gospel of God (Edinburgh: Banner
of Truth, 1985). p. 366-94.
______. Romanos: exposição sobre o capítulo 1: o evangelho de
Deus (São Paulo: PES, 1998). Tradução de: Romans: the gospel
of God.
Cristo o tornou conhecido
Teologia não é apenas saber sobre Deus, mas conhecê-lo. Para conhecer
a Deus, precisamos ter restabelecida a amizade com ele. Em outras
palavras, fazemos teologia bíblica como cristãos, não como observadores
neutros. Por meio da pregação do evangelho, fomos trazidos para a fé em
Jesus Cristo. Cristo vence nosso coração e nossa mente rebeldes para que
o adoremos como Senhor. Nosso único conhecimento de Cristo provém
das Escrituras, e elas dão testemunho unificado dele. Cristo é proclamado
como aquele que nos revela Deus; ele é a Palavra de Deus. A Bíblia é o
livro acerca de Cristo inspirado pelo Espírito Santo. Deus garantiu que a
Bíblia dá testemunho infalível de Cristo. A teologia bíblica, portanto,
concentra-se em Jesus Cristo como o revelador e salvador. A fim de
entender a Bíblia, iniciamos pelo ponto em que começamos a conhecer a
Deus. Começamos com Jesus Cristo e observamos todas as partes da
Bíblia em relação a ele e sua obra salvadora. Isso se aplica tanto ao Antigo
Testamento quanto ao Novo.
O TEÓLOGO É UM CRENTE
O cristão é alguém que crê em Jesus Cristo. Esse fato óbvio não
nos deve escapar! A palavra do evangelho nos conquista e, pelo
poder do Espírito Santo, nos leva das trevas para a luz, isto é, ela
nos leva a Cristo. O evangelho é a mensagem do reino de Deus que
vem pela pessoa e obra de Jesus de Nazaré. O evangelho se
concentra no nascimento, na vida, na morte, na ressurreição e na
ascensão de Jesus como o meio de Deus nos salvar da morte e nos
tornar membros de seu reino eterno.
Assim como iniciamos a vida cristã depositando toda a nossa
confiança no Cristo do evento do evangelho, assim também
prosseguimos na vida cristã. O evangelho não só nos traz para o
novo nascimento e a fé como cristãos; ele também é o meio de
Deus nos salvar por completo. O evangelho é o poder de Deus para
a salvação (Rm 1.16), e isso significa a salvação integral para a
pessoa toda. Desse modo, o evangelho nos converte, o evangelho
nos sustenta na vida cristã e nos conduz à maturidade, e o
evangelho nos leva à perfeição mediante a nossa ressurreição da
morte.
Uma parte importante da salvação é ter nossa mente e vontade
rebeldes transformadas a fim de que se submetam à Palavra de
Deus. O cristão não pode mais pensar como um humanista ateísta.
A mente que suprime a verdade é vencida pelo Espírito Santo, que
a leva a reconhecer o evangelho e crer nele. Essa renovação da
mente é um processo contínuo (Rm 12.2) e significa que o cristão
desenvolve a mentalidade do teísmo cristão. Uma vez que nossa
perfeição não é alcançada nesta vida, todos nós conservamos
alguma medida do pensamento humanista. Precisamos lutar
continuamente para vencer esse mal mediante o poder do
evangelho.
Como teólogos bíblicos, não apenas cremos, mas também
entendemos e reconhecemos que a Palavra de Deus atesta a si
mesma. Vamos fazer mais do que simplesmente descrever o que
está na Bíblia. Vamos nos colocar debaixo da autoridade da Palavra
de Deus e procurar descrever o que sabemos ser o conteúdo da
Palavra de Deus, unificada e coerente em si mesma.
Infelizmente, é possível que o teólogo bíblico comprometa o
princípio da Palavra de Deus de atestar a si mesma e aplique
critérios não bíblicos para avaliar a natureza da Bíblia e de sua
mensagem. Depois disso, ele rearranjará as partes, reconstruirá a
história, removerá os textos que não se harmonizam com a filosofia
particular dele e reinterpretará o conjunto à luz de seus próprios
pressupostos, que são produto do pensamento que nega a Deus.
Foram escritas muitas teologias bíblicas em que os pressupostos
bíblicos foram rejeitados em favor dos pressupostos humanistas.
A VERDADE É RESTAURADA EM CRISTO
Jesus não apenas nos salva dos efeitos de nossa ignorância
pecaminosa; ele também informa a nossa mente da natureza da
verdade. Não é possível separar a obra salvadora de Cristo de sua
obra reveladora. Fomos salvos para conhecer a Deus
verdadeiramente e viver em comunhão com ele. A verdade é
restaurada para nós em Cristo. Em tudo o que Cristo foi e fez no seu
ministério terreno, ele estava nos revelando a verdade acerca de
Deus, de nós mesmos e de toda a ordem criada. Desse modo, parte
de nossa salvação é ter nossa mente salva. Quando o Espírito
Santo de Deus aplica o evangelho ao pecador para produzir a fé,
ocorre o novo nascimento, o que inclui a renovação de sua mente.
Desse momento em diante, ele percebe que todos os fatos do
universo confirmam a realidade de Deus. A mente cristã está sendo
restaurada à sua função correta de interpretar todas as coisas pela
Palavra de Deus.
A obra de Cristo de restauração da mente em seu evangelho
deriva de seu papel eterno de agente e propósito da criação. Paulo
diz que todas as coisas foram criadas em Cristo, por meio de Cristo
e para Cristo (Cl 1.16). Isso significa que o sentido do universo se
encontra no evangelho. Deus criou todas as coisas tendo em vista a
redenção delas em Cristo. O evangelho é a disposição prévia de
Deus, o seu projeto para a criação, não meramente um plano
posterior por causa do pecado.
Sendo assim, parte de ser salvo é aprender a fazer teologia
corretamente. Não estou propondo que isso tenha prioridade sobre
todos os outros aspectos. Também não estou dizendo que o lado
intelectual da salvação tem precedência. Contudo, ele é importante.
Estou dizendo que o modo de nossa mente ser salva e renovada é
pela ação do Espírito Santo de conformar o nosso pensamento
acerca de tudo à verdade em Jesus. Isso faz parte do que significa
dizer: “Jesus é o Senhor”. Se lhe obedecermos nas ações morais de
nossa vida para combatermos ativamente as ações pecaminosas
que negam a Deus, também lhe obedeceremos em nosso
pensamento. Temos de combater o pensamento que não se
conforma à verdade revelada em Jesus.
Teísmo cristão
3. O homem é redimido em Cristo
Cristo revela e interpreta toda a verdade acerca de Deus e de tudo criado. O
cristão resiste à mentalidade do humanismo.
CRISTO INTERPRETA TODA A BÍBLIA
O único meio de saber quem é Cristo e o que o seu evangelho
significa é pela Bíblia. Jesus retirou a sua presença física do mundo.
Em seu lugar, ele deixou o Espírito Santo e prometeu que esse
Espírito conduziria os discípulos a toda a verdade (Jo 16.13). Mas
Jesus mesmo é essa verdade (Jo 14.6) e, por isso, prometeu que o
Espírito Santo testemunharia dele e o glorificaria. Esse ministério do
Espírito em que ele aponta para Cristo produziu a pregação do
evangelho pelos apóstolos e a composição de um registro fidedigno
do testemunho deles no Novo Testamento. Isso significa que o que
a Bíblia diz é o que Deus quer que ela diga. A Bíblia é infalível no
sentido de que é a Palavra do Deus da verdade, e ela não nos
desviará do caminho.
Todas as palavras do Novo Testamento provêm do testemunho
que o Espírito Santo dá de Jesus. O Novo Testamento registra os
fatos principais do evangelho e examina as consequências do
evangelho na vida do povo de Deus. Ele nos mostra que o
evangelho é o único meio de Deus conduzir pecadores à perfeição.
Todos os problemas e imperfeições que vivemos são falhas a ser
reparadas em conformidade com o evangelho. O único remédio que
o Novo Testamento prescreve para os nossos problemas é fazer
com que a nossa vida se amolde ao evangelho.
Do mesmo modo, o único problema que temos na interpretação
da Bíblia é não conseguir interpretar os textos pelo evento decisivo
do evangelho. Isso se aplica nas duas direções: o que veio antes de
Cristo no Antigo Testamento, bem como o que vem depois dele,
encontra o seu significado nele. Assim, é necessário entender o
Antigo Testamento em relação ao evento do evangelho. Essa
relação somente pode ser determinada a partir do próprio
testemunho do Novo Testamento.
Jesus, desse modo, é a Palavra de Deus a nós:
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por
intermédio dele e, sem ele, nada do que foi feito existiria…
E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, pleno de graça e de
verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai. […]
Ninguém jamais viu a Deus. O Deus unigênito, que está ao lado do Pai, foi
quem o revelou (Jo 1.1-3,14,18).
Ele é a Palavra de Deus para os “últimos dias”, a qual conclui a
palavra dos profetas do Antigo Testamento (Hb 1.1,2). Ele é o fim
dos atos salvadores divinos na história de Israel (Rm 1.1-4) e,
assim, cumpre toda a profecia (At 13.32,33). O real significado da
profecia sempre está na pessoa e obra de Jesus Cristo (1Pe 1.1012).
O testemunho apostólico somente reafirmou o que Cristo mesmo
disse quando afirmou ser o conteúdo do Antigo Testamento (Lc
24.27,44; Jo 5.39). Com base nisso, ele abriu as mentes dos
discípulos para compreenderem o Antigo Testamento (Lc 24.45).
A relação do Antigo Testamento com Cristo
Algumas avaliações do Novo Testamento
GUIA DE ESTUDO
1. Por que o teólogo bíblico precisa ser cristão?
2. Como você pode explicar algumas das diferenças no modo
de os teólogos bíblicos abordarem sua tarefa?
3. O que o teísmo cristão ensina sobre como o pecador pode
vir a conhecer a verdade?
4. Consulte as passagens referidas na última seção deste
capítulo. Que tipo de relação entre o Antigo e o Novo
Testamentos elas indicam?
LEITURA COMPLEMENTAR
CALVIN, John. Institutes. livro 1. caps. 1-7.
______ [João Calvino]. As institutas. Tradução de Waldyr Carvalho
Luz (São Paulo: Cultura Cristã, 2006). 4 vols. Tradução de:
Institutes.
______. A instituição da religião cristã. Tradução de Carlos Eduardo
Oliveira; José Carlos Estevão (São Paulo: Unesp, 2008). 2 vols.
Tradução de: Institutes.
GK. esp. cap. 9.
WENHAM, John. Christ and the Bible (Downers Grove: InterVarsity,
1984). esp. a introdução.
E nós o conhecemos por meio das
Escrituras
De acordo com Jesus, o Antigo Testamento é a Palavra de Deus, as
Escrituras que não podem ser anuladas. Jesus também afirma que ele
mesmo é o tema do Antigo Testamento. Seus ensinos indicam
constantemente o Antigo Testamento como aquilo que ele está cumprindo.
Desse modo, o Antigo Testamento não existe de modo independente, pois
ele é incompleto sem sua conclusão e seu cumprimento na pessoa e na
obra de Cristo. Não se pode entender corretamente nenhuma parte do
Antigo Testamento sem Jesus. Todo o seu conteúdo se refere a Cristo. A
revelação de Deus nas Escrituras é progressiva, desenvolvendo-se em
estágios desde as promessas originais feitas a Israel até o significado mais
pleno dessas promessas revelado em Cristo. Embora compreendamos o
Novo Testamento à luz do que vem antes dele no Antigo Testamento, é a
revelação mais plena e a palavra final de Deus em Cristo que dá
significado a todas as coisas. Assim, Cristo, e, portanto, o Novo
Testamento, interpreta o Antigo Testamento.
O ANTIGO TESTAMENTO É A PALAVRA DE DEUS
Jesus e os apóstolos estavam convictos da autoridade suprema do
Antigo Testamento. Eles o honravam como o meio de Deus falar ao
seu povo. Para eles, o Antigo Testamento é o registro fiel do que
Deus dissera por intermédio de seus servos, os profetas. Desse
modo, Jesus jamais expressou nenhuma dúvida quanto à
veracidade da história do Antigo Testamento. Na verdade, os
acontecimentos da história de Israel eram considerados parte da
história única em que o próprio Jesus desempenhava o papel
decisivo. A interpretação neotestamentária da pessoa e da obra de
Jesus de Nazaré não faz sentido algum se as declarações históricas
do Antigo Testamento não tiverem consistência.
Além disso, Jesus considerava o Antigo Testamento a autoridade
no que diz respeito à verdade de Deus. As disputas teológicas eram
decididas com base no que estava escrito, e os erros eram
considerados consequência da recusa do que está nas Escrituras.
Quando os fariseus puseram Jesus à prova a respeito da questão
do divórcio, ele os remeteu às Escrituras, isto é, ao Antigo
Testamento:
… Não lestes que desde o princípio o Criador os fez homem e mulher, e
ordenou: Por isso o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher; e
serão os dois uma só carne? (Mt 19.4,5).
Em uma polêmica com os judeus a respeito de sua afirmação de
ser o Filho de Deus, Jesus mencionou uma passagem das
Escrituras e acrescentou: “… e a Escritura não pode ser anulada”
(Jo 10.35). Os saduceus receberam o mesmo tratamento a respeito
da questão da ressurreição:
… Acaso não errais por não conhecer as Escrituras nem o poder de Deus?
(Mc 12.24).
Na ocasião em que foi tentado pelo Diabo, Jesus refutou cada
uma das tentações com a expressão revestida de autoridade “Está
escrito”, seguida de uma citação do Antigo Testamento (Mt 4.1-11;
Lc 4.1-13). Na situação desse tremendo conflito entre o Filho de
Deus e o príncipe das trevas, Jesus sabia que a palavra do Antigo
Testamento era a sua arma mais eficaz, porque ela tem a autoridade
e o poder do próprio Deus.
Jesus ensinava:
O que o Antigo Testamento diz é o que Deus diz.
O ANTIGO TESTAMENTO É A PALAVRA DE DEUS
SOBRE CRISTO
Para a nossa compreensão do Antigo Testamento, é fundamental
sabermos que Jesus, os apóstolos e todos os autores
neotestamentários o consideravam de algum modo um livro acerca
de Jesus Cristo. Uma série de passagens importantes indicam isso,
embora não estejamos restritos a alguns textos específicos como
prova. O testemunho irresistível do Novo Testamento é que Jesus
cumpre o Antigo Testamento — outro modo de dizer que o Antigo
Testamento diz respeito a Jesus. Para citar alguns exemplos:
Então ele lhes disse: Ó tolos, que demorais a crer no coração em tudo o
que os profetas disseram! Acaso o Cristo não tinha de sofrer essas coisas
e entrar na sua glória? E, começando por Moisés e todos os profetas,
explicou-lhes o que constava a seu respeito em todas as Escrituras (Lc
24.25-27).
Depois lhes disse: São estas as palavras que vos falei, estando ainda
convosco: Era necessário que se cumprisse tudo o que estava escrito
sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então lhes abriu
o entendimento para compreenderem as Escrituras (Lc 24.44,45).
Vós examinais as Escrituras, pois julgais ter nelas a vida eterna; e são elas
que dão testemunho de mim; mas não quereis vir a mim para terdes vida!
(Jo 5.39,40).
Jesus ensinava:
O Antigo Testamento é a Palavra de Deus acerca de Cristo.
O NOVO TESTAMENTO INTERPRETA O ANTIGO
Essas afirmações nos mostram que o Antigo Testamento não existe
de modo independente. Sem dúvida, podemos obter nele o
conhecimento do âmbito histórico de uma longa série de
acontecimentos concatenados. Podemos até obter alguma
compreensão teológica das promessas de Deus a seu povo, não
cumpridas até então. Contudo, é impossível entender apenas pelo
Antigo Testamento o significado pleno dos atos e das promessas de
Deus nele registrados. Ainda assim, uma série de fatores parece
trabalhar contra a relação de Cristo com o Antigo Testamento;
fatores esses que o cristão percebe e que o afetam. Não somente
existe uma lacuna de cerca de três séculos entre os testamentos, o
que gera ruptura na continuidade histórica, mas também a língua
hebraica do Antigo Testamento dá lugar ao grego do Novo.
Ao longo dos anos, acadêmicos cristãos fomentaram
especializações em estudos do Antigo Testamento ou do Novo. A
tendência tem sido estudar o Antigo Testamento nele e por ele
mesmo. Mas essa não é uma perspectiva cristã da matéria. Cada
vez mais cristãos têm escrito livros sobre o Antigo Testamento que
raramente mencionam a existência do Novo Testamento. Passou a
ser uma característica comum dos currículos de faculdades de
teologia e de seminários bíblicos o estudo do Antigo Testamento
completamente dissociado do Novo Testamento. Uma consequência
é que o modelo de pregação e ensino a partir do Antigo Testamento
muitas vezes deixa muito a desejar. Parece haver um fracasso em
permitir que o Novo Testamento determine como relacionarmos o
Antigo Testamento a Cristo.
Como cristãos, temos de voltar aos princípios de interpretação do
Antigo Testamento ditados pelo Novo Testamento. Quando Jesus
diz que ele é quem dá significado ao Antigo Testamento, também
está afirmando que precisamos do Antigo Testamento para entender
o que ele, Jesus, diz acerca de si mesmo. Jesus nos leva de volta
ao Antigo Testamento para o examinarmos com o olhar cristão
quando nos ensina que todas as Escrituras nos guiam para ele.
Ao fazer teologia bíblica como cristãos, não começamos em
Gênesis 1 e avançamos até descobrir para onde tudo está nos
levando. Em vez disso, primeiro vamos a Cristo, e ele nos dirige no
estudo do Antigo Testamento à luz do evangelho. O evangelho
interpreta o Antigo Testamento mostrando-nos o seu alvo e o seu
significado. O Antigo Testamento aumenta o nosso entendimento do
evangelho mostrando o que Cristo cumpre.
Os dois diagramas a seguir ilustram as diferenças entre as
abordagens.
Abordagens não cristãs do Antigo Testamento
A entrada se dá em qualquer ponto (A). Uma vez que nenhum pressuposto do
Novo Testamento é considerado, mesmo a identificação da natureza
progressiva da teologia veterotestamentária dificilmente conduzirá ao Novo
Testamento como meta do Antigo.
Abordagem cristã do Antigo Testamento
A entrada se dá pelo evangelho (A), que nos remete ao Antigo Testamento
(B). Com o conhecimento prévio de que o Antigo Testamento é um livro
acerca de Cristo (C), acompanhamos a sua revelação progressiva até chegar
ao seu cumprimento no evangelho (D).
O ANTIGO TESTAMENTO É A PALAVRA REVELADA
PROGRESSIVAMENTE
O evangelho não incute necessariamente em nós a necessidade de
voltar e nos ocupar de todos os acontecimentos do Antigo
Testamento em ordem cronológica. Podemos voltar a algum aspecto
de profecia ou, digamos, à história de Davi. Com o tempo, porém,
vamos perceber que a natureza do evangelho de ser a conclusão de
uma longa sequência de acontecimentos específicos exige que
observemos com seriedade o processo histórico completo do Antigo
Testamento.
Assim que iniciamos o estudo do Antigo Testamento fica claro
que ele se constrói dentro de um quadro histórico que não é difícil
de identificar. Além disso, há muitas evidências de que os autores
do Antigo Testamento percebiam uma unidade nessa história. O
Antigo Testamento narra uma história única, coesa e coerente
centrada na linhagem de determinadas pessoas. Desse modo, o
relato de cada estágio sucessivo da história de Israel se baseia no
que aconteceu antes.
Na progressão da história unificada do Antigo Testamento, ocorre
a progressão de uma teologia unificada. Trata-se da revelação
progressiva de Deus e de seus propósitos para a salvação de seu
povo. Nossa tarefa na parte principal deste estudo será examinar a
natureza dessa revelação progressiva. O Novo Testamento nos
fornece muitos indicadores dessa progressão unificada da
revelação. Dois acontecimentos fundamentais, acima de todos, são
considerados a preparação para a vinda de Jesus. São eles as
promessas da aliança com Abraão, Isaque e Jacó, e o reino de
Davi. Três pessoas, Abraão, Davi e Jesus, unem os propósitos e
atos da salvação de Deus numa única grande obra de salvação. A
história inteira de Israel inclui-se, portanto, na revelação redentora
de Deus, cujo ponto culminante é Jesus Cristo.
Alguns exemplos dessa perspectiva neotestamentária do Antigo
Testamento nos são suficientes. A promessa do anjo a Maria a
respeito de Jesus é:
Ele será grande e se chamará Filho do Altíssimo; o Senhor Deus lhe dará o
trono de Davi, seu pai; ele reinará eternamente sobre a descendência de
Jacó… (Lc 1.32,33).
Tanto Pedro (At 2.30,31) quanto Paulo (At 13.16-33; Gl 3.15-29)
afirmam que aquilo que foi prometido a Abraão, bem como a Davi,
tem sua concretização em Cristo. A Epístola aos Hebreus inteira é
um comentário sobre a relação de Cristo com o Antigo Testamento,
o que se reflete nas palavras iniciais da epístola:
No passado, por meio dos profetas, Deus falou aos pais muitas vezes e de
muitas maneiras; nestes últimos dias, porém, ele nos falou pelo Filho, a
quem designou herdeiro de todas as coisas e por meio de quem também
fez o universo (Hb 1.1,2).
Essas declarações nos preparam para o estudo da teologia do
Antigo Testamento como uma revelação progressiva e redentora. É
revelação porque Deus se dá a conhecer no Antigo Testamento. É
redentora porque Deus se revela no ato de nos redimir. É
progressiva porque Deus se faz conhecer a si e a seus propósitos
em estágios, até que a luz plena seja revelada em Jesus Cristo.
O Antigo Testamento
revela progressivamente os planos redentores de Deus, que
são cumpridos por Jesus Cristo.
GUIA DE ESTUDO
1. Qual era a atitude de Jesus em relação à autoridade do
Antigo Testamento?
2. Em que sentido o Antigo Testamento é um livro sobre Jesus
Cristo?
3. O que determina a abordagem cristã do Antigo Testamento e
em que ela difere das abordagens não cristãs?
4. Que evidências o Novo Testamento apresenta da natureza
progressiva da revelação do Antigo Testamento? Pense
nessa pergunta tendo em mente as passagens a seguir:
a. Mateus 1.17;
b. Mateus 3.17—4.4, comparada com Êxodo 4.23 e Oseias
11.1;
c. Lucas 1.46-55;
d. João 3.14,15;
e. Atos 2.16-39;
f. Atos 7.2-56;
g. Atos 13.16-43.
LEITURA COMPLEMENTAR
PACKER, J. I. Fundamentalism and the Word of God (London:
InterVarsity, 1958). cap. 3.
WENHAM, John. Christ and the Bible (Downers Grove: InterVarsity,
1984). cap. 1.
A Bíblia é a palavra divina e humana
Deus fala por meio de uma palavra que é tanto divina quanto humana.
Vemos isso na Palavra de Deus, Jesus Cristo, que é Deus e homem. Não
honramos a natureza divina de Cristo minimizando sua humanidade, nem
honramos a sua humanidade ignorando sua divindade. O fato de a Bíblia
encontrar seu significado no Verbo divino que se tornou carne nos ajuda a
entender a natureza dela de ser palavra divina e humana. A Palavra de
Deus chega à humanidade por intermédio de seres humanos e em meio à
história humana. Alguns métodos de interpretação negligenciam essas
verdades. Entre eles estão a interpretação literalista e a alegórica. A
literalista minimiza o lugar da revelação como o intérprete da história, e a
alegórica remove a história como cenário da revelação. A Bíblia contém
uma estrutura de tipologia em que a história é essencial na revelação
progressiva de Deus.
DEUS AGE ENTRE NÓS PELA SUA PALAVRA
Vamos fazer aqui uma revisão de alguns pontos fundamentais
tratados até agora. Antes da Queda, a humanidade percebia a
verdade acerca de Deus pela natureza e pela consciência, mas
sempre precisou da palavra sobrenatural, a palavra que vem
diretamente de Deus, e não pela natureza. Sem a palavra
sobrenatural, nem mesmo a humanidade inocente, sem pecado,
conseguiria interpretar corretamente o universo. A revelação natural
sempre precisou da revelação sobrenatural. O pecado original
resultou na supressão da verdade de Deus na natureza e na
consciência, bem como na rebeldia contra toda palavra sobrenatural
de Deus. Desde o pecado original de Adão e Eva, toda a
humanidade esteve envolvida no pecado e é caracterizada pelo
pecado.
Os atos salvadores de Deus implicam uma nova revelação
sobrenatural de Deus dada progressivamente através de toda a
história da redenção. Essa mensagem foi preservada para nós na
Palavra das Escrituras divinamente inspirada. O significado pleno da
palavra redentora, que começou com o primeiro anúncio da vontade
de Deus de tratar do pecado, não foi revelado até a vinda de Jesus
Cristo.
A relação de Jesus Cristo com a palavra de Deus nas Escrituras
é que ele a resume, cumpre e interpreta. Desse modo, a Palavra de
Deus é Jesus Cristo. Toda palavra nas Escrituras aponta para Jesus
e adquire sentido nele. Além disso, João 1.1-3 e Colossenses 1.16
nos dizem que Jesus Cristo é a eterna Palavra de Deus, pela qual o
universo foi criado. Essas duas passagens do Novo Testamento
indicam que a obra salvadora de Jesus no mundo não foi um plano
posterior por causa do pecado, mas era o propósito eterno de Deus.
Era o seu plano antes da criação e desde toda a eternidade. Com
base nesse plano, Deus criou todas as coisas. Se pudéssemos
imaginar Deus traçando os planos para o universo antes de o criar e
se pudéssemos examinar esses planos, não veríamos Adão e Eva
no jardim do Éden, mas, sim, Jesus Cristo no evangelho.
Vale a pena repetir a importância disso: Jesus Cristo, em sua
vida, morte e ressurreição, é o ponto de referência para a
compreensão de toda a realidade. Esse fato tem de ser aplicado ao
nosso fazer da teologia bíblica. O evangelho é o ponto de referência
fixo para entender o significado de toda a extensão da revelação
bíblica. Desse modo, para fazer teologia bíblica, temos de começar
com uma base dogmática, um pressuposto ou conjunto de
pressupostos que nos vêm da revelação.
Devemos nos lembrar constantemente de que os pressupostos
provenientes da revelação não podem ser provados nem
autenticados pelo que está fora da revelação. Por meio da
revelação, Deus nos dá sua interpretação de todos os fatos
existentes; portanto, a revelação está acima de qualquer outro fato.
O pressuposto de que Jesus Cristo é a Palavra de Deus nos é dado
somente pela Bíblia. E podemos confiar porque a Bíblia é o
testemunho inspirado de Deus da Palavra viva, Jesus Cristo. Não se
pode provar isso por evidências empíricas, pois não há verdade
maior que possa comprová-lo.
Se Cristo é a autoevidente Palavra de Deus, por que tanta gente
o rejeita? A resposta está no pecado original, a rejeição original de
Adão à palavra de Deus em que toda a raça humana está envolvida.
Assim como Adão rejeitou toda palavra sobrenatural de Deus
mediante a qual a existência humana e o mundo poderiam ser
corretamente entendidos, também os filhos de Adão nascem
rebeldes e suprimem de seu interior a verdade de Deus, rejeitando o
mundo sobrenatural de fora deles. Somente a graça de Deus na
obra salvadora de Cristo pode restaurar a relação correta entre
Deus e o homem, levando-nos assim a aceitar a verdade. Por meio
do evangelho, Deus nos aceita como filhos seus. Por meio da obra
do Espírito Santo, que o evangelho conquista para nós, podemos
aceitar Cristo como salvador e conhecer Deus como Pai. O Espírito
vence a nossa vontade rebelde e retira do nosso coração o ódio a
Deus que nós mesmos incutimos.
Deus escolheu Jesus Cristo,
a Palavra, como meio de falar conosco e agir entre nós.
JESUS É A PALAVRA DE DEUS DIVINA E HUMANA
A pessoa e a obra de Jesus são inseparavelmente ligadas, porque
ele é a Palavra de Deus. Ele é o Verbo encarnado, isto é, que veio
em carne humana. Contudo, essa Palavra que assume uma
natureza completamente humana (Jo 1.14) era Deus desde o início
(Jo 1.1). Ao se tornar homem, Deus não perdeu parte de sua
natureza divina para acomodá-la à natureza humana. Tampouco foi
removida característica humana alguma para que Deus “se
encaixasse”. Jesus é plenamente Deus e plenamente homem,
embora seja uma só pessoa, o Deus-homem. Em Jesus Cristo,
Deus se comunicou conosco por meio de uma Palavra, que é ao
mesmo tempo divina e humana. Como veremos, isso tem
implicações importantes para o modo que fazemos teologia.
1.
Jesus é Deus
Ele vem do Pai, com quem é um só. Ter visto Jesus é ter visto o Pai.
Deus, que estabeleceu tudo o que existe, e o único que pode
interpretar todas as coisas, tornou-se homem. Em Jesus, temos a
verdade absoluta de Deus. Tudo o que nos é revelado em Jesus é a
verdade, e ele é a nossa fonte suprema da verdade.
2.
Jesus é homem
Ele se comunica conosco por sua humanidade. Ele viveu na história
humana como um judeu da Palestina no primeiro século. Jesus
falava e agia e também, devemos supor, pensava como um judeu
do primeiro século. Ele era verdadeira e plenamente humano.
Experimentou toda a variedade de emoções humanas, sofrimento e
tentações. A importante exceção é que ele não foi afetado pelo
pecado original e não cometeu pecado nenhum. Desse modo, na
sua humanidade, ele era o Filho de Deus verdadeiramente amado e
viveu todos os aspectos de sua vida em um relacionamento perfeito
com Deus Pai.
Para nós, humanos, mesmo quando regenerados, é impossível
saber como Jesus pode ser tanto plenamente Deus quanto
plenamente homem. Temos de nos contentar em aceitar que ele é, e
não procurar soluções lógicas. É um mistério que se destrói quando
tentamos compreendê-lo pela razão humana. O teólogo aceita que
Jesus é o Deus-homem sem entender como pode ser isso.
Falsas soluções para o problema sempre reduzem ou a
divindade de Cristo ou a sua humanidade para poder acomodar uma
à outra. Surge assim a argumentação de que, se ele é homem, não
pode ser Deus. Talvez fosse o melhor dos homens, mas não Deus.
Essa era a solução de muitos judeus dos dias de Jesus. Outros
dizem que, se ele é Deus, não pode ser homem, e a sua
humanidade é ilusória. Essa era a solução de muitos gregos. Alguns
propuseram que Jesus era tanto Deus como homem, com exceção
do fato de que o seu espírito humano foi substituído pelo Espírito
divino. Outros alegavam que ele necessariamente teria de ser duas
pessoas, para que fosse tanto Deus quanto homem.
Essas falsas soluções nos advertem de que temos sempre de
considerar tanto a natureza divina quanto a humana de Cristo. Não
honramos a sua natureza divina ignorando a sua natureza humana,
e vice-versa. Ainda mais importante, entendemos que a relação
Deus/homem em uma só pessoa, Jesus Cristo, nos abre o caminho
para conhecer um pouco da relação que temos com Deus mediante
a obra redentora de Cristo. Portanto, a correta relação entre Deus e
o homem de modo algum reduz ou compromete a natureza de cada
um. Deus sempre permanece o Senhor totalmente soberano, criador
e redentor, e o homem sempre permanece a criatura à imagem de
Deus e totalmente responsável.
Jesus Cristo
é revelado como a união do verdadeiro Deus e do verdadeiro
homem em uma só pessoa.
A BÍBLIA É A PALAVRA DE DEUS DIVINA E
HUMANA
A parte específica da história humana da qual a Bíblia nasceu, e que
nela está registrada, inclui a história de Jesus de Nazaré. Como
qualquer outro personagem histórico da Bíblia, Jesus faz parte da
história da redenção. Mas ele também é parte singular dessa
história. Como já vimos, a história bíblica toda encontra o seu
propósito e significado nele. Podemos afirmar com segurança que a
Bíblia inteira, incluindo o Antigo Testamento, é o testemunho que
Deus dá de Cristo.
Se, como observamos antes, Jesus, o Verbo, é a Palavra divina e
humana, não deveria nos surpreender descobrirmos que a Bíblia é a
Palavra divina e humana. A palavra profética do Antigo Testamento
encontrou seu cumprimento e significado na Palavra encarnada
divina e humana. Mas o próprio testemunho profético é um
testemunho de que a Palavra divina veio por meio de profetas
humanos, de modo que aquilo que o profeta de Deus dizia como um
oráculo do Senhor era o que o próprio Deus dizia.
O fato de que a Bíblia é o testemunho divinamente inspirado da
palavra de Deus, tal como veio por meio dos profetas e por meio de
Jesus Cristo, significa que a própria Bíblia é a Palavra de Deus.
Contudo, ela é a palavra dada por intermédio de seres humanos em
sua própria história e cultura. Deus não suspendeu a humanidade
dos autores bíblicos assim como não suspendeu a humanidade de
Jesus. A Bíblia carrega todas as marcas de seus autores. A língua,
as formas de pensamento, os estilos e formas literárias, bem como
a cultura, tudo isso moldou a maneira efetiva pela qual as
mensagens foram transmitidas.
A encarnação de Cristo ocorreu pela ação especial do Espírito
Santo, que produziu a concepção no ventre da virgem Maria. Com
esse meio, Deus rompeu a ligação natural com a humanidade
pecaminosa e assegurou que a humanidade de Jesus fosse
exatamente o tipo necessário para a obra de salvação: perfeita. Do
mesmo modo, Deus agiu por seu Espírito para inspirar os autores
bíblicos a fim de que a humanidade da Bíblia fosse exatamente o
que precisava ser para comunicar a verdade de Deus sem erro.
Quando falamos sobre a infalibilidade da Bíblia, queremos dizer que
ela comunica exatamente o que Deus pretendeu comunicar. Deus
não permite que a pecaminosidade humana interfira em sua
comunicação da verdade à humanidade.
Ao assinalar os paralelos entre a Palavra encarnada (o Verbo
que se tornou humano) e a Palavra escriturada (escrita em um livro),
temos de ter o cuidado de observar algumas diferenças importantes.
Jesus, como a Palavra, é Deus e homem. Portanto, ele tem o
mesmo poder e autoridade que Deus, e nós o adoramos como
Deus. A Bíblia, como a Palavra, não é Deus e não pode ser adorada
como Deus. Suas qualidades divinas não lhe são inerentes, mas
derivadas de dois fatos. Primeiro, a Bíblia foi inspirada pelo Espírito
Santo, e, segundo, ela é o registro inspirado da Palavra viva, que
em um momento do tempo se tornou homem.
A Bíblia
é a união da palavra verdadeiramente divina com a palavra
verdadeiramente humana em um só livro.
JESUS É A REVELAÇÃO MAIS PLENA E FINAL DE
DEUS
A importância e o significado de Jesus não eram autoevidentes para
as pessoas que o conheciam. A carne e o sangue, isto é, a
compreensão humana, não podiam revelar a Pedro que Jesus era o
Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt 16.15-17). Somente Deus podia
revelar esse fato. Isso é um ponto importante para nós. Ninguém é
capaz de entender Cristo sem a Palavra de Deus e o Espírito Santo.
Mesmo os discípulos precisaram do derramamento do Espírito
Santo no Pentecostes para finalmente compreenderem o significado
da vinda de Cristo. Em outras palavras, os fatos históricos não
interpretam a si mesmos. Na história secular, os historiadores
podem deduzir muitas coisas sobre, por exemplo, as causas da
Segunda Guerra Mundial. Mas nós somente podemos conhecer o
significado último dessa expressão catastrófica da insensatez
humana à medida que ele nos é revelado pela Palavra de Deus.
Os simples fatos da história bíblica não interpretam a si mesmos.
Juntos, eles constituem o meio da revelação progressiva de Deus
acerca de si mesmo e de seu reino. A forma mais simples de
explicar a revelação progressiva é que a revelação de Deus não foi
dada de uma só vez no início, mas foi sendo feita em estágios até
que a luz plena da verdade fosse revelada em Jesus Cristo. O
centro dessa revelação são as promessas de Deus e o seu
cumprimento.
Vamos imaginar que Deus revelasse todos os fatos sobre Jesus
(como os encontramos nos quatro Evangelhos) e o significado deles
a Abraão, cerca de dois mil anos antes do acontecimento. Nesse
caso, a revelação divina teria interpretado a história de Jesus antes
que esta ocorresse. Pelo que Jesus diz, chega a parecer que foi
isso que aconteceu:
Abraão, vosso pai, regozijou-se por ver o meu dia; ele o viu e alegrou-se
(Jo 8.56).
Contudo, as evidências na Bíblia não permitem essa
interpretação do modo que a revelação ocorreu. Abraão de fato
recebeu a promessa de determinados fatos a respeito de seus
descendentes e da terra de Canaã. Mas não há nenhuma indicação
de que Abraão recebeu alguma informação específica acerca de
Jesus. Essa é uma perspectiva falsa da revelação.
Agora suponhamos que Deus tenha dado a Abraão as
promessas fundamentais e que acrescentou mais revelações em
vários estágios ao longo da história do Antigo Testamento.
Suponhamos que todos os fatos sobre Jesus e o significado deles já
fossem conhecidos na época do profeta Malaquias. Mais uma vez, a
história de Jesus teria sido interpretada antes do fato. Nesse caso, o
real significado das promessas a Abraão teria sido plenamente
manifestado antes de chegarmos aos próprios acontecimentos. Os
acontecimentos não teriam sido nada mais que um cumprimento
literal das promessas do Antigo Testamento. Não que um
cumprimento literal exija que todos os fatos sejam dados de
antemão. Mas, de novo, descobrimos que isso não corresponde ao
modo que a Bíblia é, e temos aqui mais uma perspectiva falsa da
revelação.
Perspectiva falsa sobre a revelação (1)
Toda a verdade acerca de Cristo é dada a Abraão (A).
O restante da história veterotestamentária (B) apenas liga as promessas a
seu cumprimento completamente literal (C). O próprio Cristo não é a
revelação.
Isso é claramente falso.
Contrariamente a esses dois modelos, descobrimos que Deus,
na realidade, reserva a sua mais especial e importante revelação
até a ocasião do cumprimento. Jesus não simplesmente cumpre as
promessas; antes, ele é a revelação mais plena e definitiva daquilo
que é referido pelas promessas. Isso significa que a forma e o
conteúdo do cumprimento excedem em muito a forma e o conteúdo
das promessas em si. O próprio cumprimento das promessas do
Antigo Testamento é ele mesmo a mais importante de todas as
revelações. Um aspecto dessa revelação final é deixar claro que
certamente ela satisfaz as expectativas. Não se trata de um fato
evidente por si mesmo. A revelação deve nos mostrar isso. Jesus
ter cumprido as promessas veterotestamentárias não é algo
autoevidente. Os judeus que esperavam um cumprimento literal das
promessas do Antigo Testamento não conseguiram reconhecer
Jesus como esse cumprimento. Eles precisavam ter entendido
melhor as Escrituras, mas mesmo isso não teria sido suficiente.
Foram necessários a própria palavra de Jesus a respeito de si e o
testemunho do Espírito Santo por intermédio dos apóstolos para
mostrar que todas as promessas do Antigo Testamento se
cumpriram na ressurreição de Jesus.
Perspectiva falsa sobre a revelação (2)
As promessas feitas a Abraão (A) se cumprem progressivamente (B).
No fim do período veterotestamentário, a revelação plena de Cristo já foi dada
(C).
O Novo Testamento tão somente relata o cumprimento literal do Antigo (D).
Revelação bíblica
As promessas feitas a Abraão (A) cumpriram-se progressivamente (B), mas
sem chegar a uma conclusão no Antigo Testamento. Cristo vem como a
revelação final e mais plena de Deus (C), cumprindo e interpretando tudo o
que aconteceu antes.
Nos dois primeiros modelos de revelação, o Antigo Testamento
tem prioridade sobre o Novo e o interpreta. O evento do evangelho é
simplesmente a ocorrência na história de algo há muito tempo
revelado por completo. No entanto, de acordo com o Novo
Testamento, Jesus é a Palavra que explica todas as outras palavras.
Ele vem para realizar o que fora prometido no Antigo Testamento e,
ao fazer isso, mostra que as promessas eram apenas sombras do
cumprimento. Portanto, não era nada evidente como qualquer
promessa seria cumprida. Isso não deve nos surpreender, pois na
encarnação Deus acomodou sua verdade numa forma que os seres
humanos podiam compreender. Do mesmo modo, a natureza da
revelação como promessas elementares, que são progressivamente
construídas sobre outras revelações, foi uma adequação ao estado
da humanidade.
Temos de concluir que um método de interpretação que exija o
cumprimento literal das promessas do Antigo Testamento, de modo
que haja correspondência exata entre o prometido e o que por fim
acontece, não se harmoniza com as evidências da Bíblia. É claro
que muitos aspectos de cumprimento no Novo Testamento
correspondem exatamente à promessa. Contudo, essa
correspondência exata de alguns aspectos não estabelece nenhum
princípio de interpretação literal. Antes, ela torna mais claro o
princípio diferente de que Deus se acomoda, se ajusta à história
humana, ao se revelar. Se Deus decide revelar seus propósitos
progressivamente, podemos ter certeza de que ele tem uma razão e
faz isso para o nosso bem.
LITERALISMO, ALEGORIA E TIPOLOGIA
O literalismo acarreta o gravíssimo erro de não dar ouvidos àquilo
que o Novo Testamento diz sobre o cumprimento. Ele parte do
pressuposto de que o cumprimento deve corresponder exatamente
à forma da promessa. Na verdade, o literalismo pressupõe que o
significado da história é evidente por si mesmo. Essa hipótese vai
contra tudo o que dissemos sobre a necessidade da revelação para
a interpretação correta de todo fato.
Se o literalismo pressupõe que a história é evidente por si, a
alegoria, por sua vez, pressupõe que a história não tem valor como
história. A alegoria surge quando se identifica um suposto
significado oculto em um relato que seria histórico na superfície,
mas que, na verdade, não teria nenhum valor como história. No
caso da Bíblia, considerava-se que a história do Antigo Testamento
não teria nenhuma serventia para o cristão. Por influência da cultura
grega, alguns pensadores interpretavam o evangelho da perspectiva
de ideais atemporais ou da salvação da alma, independentemente
do corpo, mediante um processo de iluminação. Uma vez que,
desse modo, o evangelho era separado dos fatos históricos de
Jesus de Nazaré, sem dúvida deixava de ser o evangelho
verdadeiro e, evidentemente, deixava de ter qualquer utilidade para
os fatos históricos do Antigo Testamento. Com isso, o Antigo
Testamento podia ser completamente descartado ou podia ser
alegorizado. Os alegoristas não estavam nem um pouco
interessados nos fatos históricos, mas apenas no suposto
significado oculto por trás desses fatos. A interpretação alegórica é
totalmente subjetiva, uma vez que é uma questão de preferência
individual aceitar determinada interpretação como a verdadeira. E
não há nenhum termo objetivo com que se possa testar essa
interpretação.
Se descartarmos o literalismo e a alegoria, existe algum outro
meio de expressar a relação do Antigo Testamento com o Novo?
Certamente existe. A revelação progressiva estabelece o princípio
da tipologia. Embora a relação subjacente permaneça a mesma, a
forma em que a revelação se dá passa por algum desenvolvimento
ou expansão até alcançar o cumprimento. Assim, por exemplo,
Abraão foi escolhido para ser o pai do povo de Deus. Ele recebeu
promessas a respeito de seus descendentes naturais e da terra que
herdariam. O título “o povo de Deus” expressa a relação subjacente.
Outras revelações posteriores mostram que os descendentes de
Abraão vêm por meio de Jacó (Israel), e não de Esaú (Edom). À
medida que a revelação progride, ficamos sabendo que o povo de
Deus é um remanescente restaurado de Israel, um povo renovado
pelo Espírito de Deus. Ao longo dessas etapas, o tipo vai sendo
esclarecido progressivamente. O cumprimento de todas as etapas é
chamado de antítipo. O Novo Testamento nos diz que o
descendente de Abraão para o qual tudo isso aponta é Jesus Cristo.
A igreja também é o antítipo, mas somente porque está em Cristo.
A tipologia, portanto, leva em consideração que Deus usou uma
parte específica da história humana para se revelar a si mesmo e
seus propósitos à humanidade. Isso, porém, foi um processo, de
modo que os tipos históricos são revelações incompletas e
dependem de seu antítipo para ter seu real significado. A tipologia
rejeita o princípio do literalismo; o significado da história, longe de
ser autoevidente, depende da revelação. Ela rejeita também o
princípio da alegoria; a história, longe de não ter significado, é
controlada e interpretada por Deus na revelação. A tipologia
pressupõe que a história toda é a história de Deus e que ele usou
uma parte específica da história juntamente com a sua palavra para
se revelar à humanidade. O Novo Testamento reconhece o princípio
da tipologia no fato de Cristo cumprir as promessas do Antigo
Testamento de modos diferentes dos termos próprios das
promessas. A tipologia também é comprovada à medida que o
literalismo é rejeitado com base na ideia de que a revelação do
Antigo Testamento é apenas uma sombra da realidade concreta
revelada em Cristo (Cl 2.17; Hb 10.1).
O literalismo
afirma que as promessas históricas se encaminham para
cumprimentos históricos que correspondem exatamente a
essas promessas.
A alegoria
afirma que as promessas e os fatos históricos só têm
importância para os significados ocultos que subjazem a eles.
A tipologia
afirma que as promessas históricas são os primeiros estágios
de verdades reveladas progressivamente. O cumprimento
histórico corresponde às promessas e as aperfeiçoa.
LITERAL OU LITERALISTA
Nossa análise da interpretação literal pode causar alguma confusão
entre os que têm conhecimento da história da interpretação bíblica.
Os reformadores protestantes do século 16 consideravam que
estavam se afastando das interpretações alegóricas da Idade Média
para recuperar a interpretação literal correta. O que eles queriam
dizer com literal é muito diferente do que hoje muitas vezes se tem
em mente no debate.
Na análise que acabei de fazer, empreguei os termos “literal” e
“literalista” para designar um método de interpretar as promessas do
Antigo Testamento. De acordo com esse método, se Deus prometeu
a Abraão muitos descendentes que teriam a posse da terra de
Canaã, será exatamente assim que o cumprimento final se dará. Se
os profetas se referem ao dia da salvação de Israel como o retorno
dos exilados para a Palestina, a reconstrução do templo e a
restauração de Jerusalém, o cumprimento será exatamente esse.
Nesses termos, as promessas ainda aguardam o cumprimento, e
existe o problema de onde situar Cristo, uma vez que nessas
promessas ele literalmente não tem espaço.
As raízes da interpretação evangélica estão na Reforma, que
empregava as palavras “literal” ou “natural” de outro modo. O
significado literal ou natural do texto para os reformadores é o que o
texto pretendia comunicar a seus leitores originais. Tratava-se,
portanto, da rejeição da interpretação alegórica, que considerava
esse significado irrelevante. Ainda mais digno de nota, porém, é que
os reformadores consideravam que o significado literal não se
esgotava enquanto não chegasse a seu cumprimento em Cristo.
Portanto, eles reconheciam que o sentido literal no âmbito do Antigo
Testamento aponta para um acontecimento futuro com um
significado mais pleno. Diferentemente do que ocorre na alegoria, o
vínculo entre os dois é uma questão de revelação na própria Bíblia.
Além disso, diferentemente da alegoria, a revelação do Antigo
Testamento era o meio de pôr as pessoas daquele período em
contato com a realidade posterior de Cristo. Com seu enfoque de
significado literal do Antigo Testamento, os reformadores
estabeleceram a tipologia como a base da interpretação evangélica.
GUIA DE ESTUDO
1. Agora é o momento de você refletir a respeito de como estão
se formando os seus próprios pressupostos. Você pode
explicar por que temos de confiar na revelação de Deus nas
Escrituras para saber qual é, em última instância, a verdade?
2. De que modo Jesus como a Palavra divina e humana nos
ajuda a entender a Bíblia como a Palavra divina e humana?
3. Qual é o erro de presumir que a Bíblia deve ser entendida de
modo literalista?
4. De que modo a revelação progressiva na história molda a
nossa perspectiva da interpretação da Bíblia?
LEITURA COMPLEMENTAR
BRUCE, F. F. The time is fulfilled (Grand Rapids: Eerdmans, 1978).
______. This is that (Exeter: Paternoster, 1968).
GOLDSWORTHY, Graeme. Gospel and Wisdom (Exeter: Paternoster,
1987). esp. caps. 11 e 12.
Começamos e terminamos com Cristo
A teologia bíblica nos capacita a descobrir como qualquer texto da Bíblia se
relaciona conosco. Tendo em vista que Cristo é o ponto de referência fixo
para a teologia, nosso interesse é em como o texto se relaciona com Cristo
e como nós estamos relacionados com Cristo. As duas questões nos
dirigem para o modo que Cristo entendia o evangelho. Ele o enxergava
como o cumprimento do Antigo Testamento e a chegada do reino de Deus,
que exige nossa submissão. Esse evangelho nos indica os aspectos da
Bíblia que a teologia bíblica observa constantemente. São eles a literatura,
ou as palavras do texto; a história, ou a narrativa bíblica; e a revelação
transmitida por esses aspectos. A teologia bíblica começa com a palavra
acerca de Cristo e procura entender de que modo o testemunho do Novo
Testamento se relaciona com tudo o que Deus revelou no Antigo
Testamento. Cristo nos oferece o padrão subjacente da teologia bíblica
porque ele revela o interesse central da Bíblia na relação de Deus com a
sua criação e, especialmente, com a humanidade.
CRISTO É A VERDADE
Os tópicos tratados nos capítulos 2 e 6 indicam o método que
devemos adotar ao fazer teologia bíblica. Vamos deixar de lado no
momento todas as considerações sobre o estudo teológico formal
que nos pressionam a nos preocuparmos com os programas de
estudo, os exames e os diplomas. Até aqui procurei dar respostas
bíblicas à indagação sobre por que devemos estudar teologia
bíblica. Essas respostas têm pouca relação com obter títulos
acadêmicos; antes, dizem respeito à questão mais essencial de
como lemos a Bíblia. Como cristãos, devemos estar interessados na
interpretação correta da Bíblia para saber e entender o que Deus
está nos dizendo por meio de sua Palavra. Sem alguma
compreensão do plano geral ou da estrutura da Bíblia, é difícil
relacionar corretamente suas várias partes a nós.
Para saber como determinada parte da Bíblia diz respeito a nós,
temos de responder antes a duas perguntas: Como o texto em
questão se relaciona com Cristo? e Como estamos relacionados
com Cristo?. Tendo em vista que Cristo é a verdade, a palavra mais
plena e definitiva de Deus à humanidade, todas as outras palavras
da Bíblia adquirem o significado final por meio dele. O mesmo Cristo
nos dá o nosso significado e define o sentido de nossa existência da
perspectiva de nossa relação com ele.
Outro modo de dizer isso é que Jesus Cristo é o único mediador
entre Deus e o homem (1Tm 2.5). A palavra de Deus a nós na Bíblia
é mediada por Jesus Cristo. Não há nenhuma palavra direta do Pai
a mim ou a você. Todas as palavras do Pai chegam a nós por
intermédio da pessoa e da obra de Jesus. Até as palavras do Antigo
Testamento são mediadas por Cristo, uma vez que só entendemos o
que Deus nos está dizendo com elas quando as vemos cumpridas
em Cristo. Somado a isso há o fato de que a relação de Jesus com
o Pai é a relação com o Pai que compartilhamos com ele; somos
coerdeiros com Cristo (Rm 8.17). Todos os fatos no universo,
incluindo os fatos da Bíblia, têm de ser interpretados à luz da
revelação de Deus em Jesus Cristo. Consulte de novo o diagrama
do teísmo cristão na página 49 e agora aplique-o à relação que cada
texto da Bíblia tem conosco como cristãos.
Jesus Cristo
é a ligação entre todas as partes da Bíblia e nós.
COMEÇAMOS COM O EVANGELHO
O evangelho é o poder de Deus para a salvação (Rm 1.16). Por ele
somos trazidos das trevas para a luz. Deus nos resgata de um
estado em que nossa mente está obscurecida, o que nos impede de
conhecer a verdade, e nos faz conhecer a verdade como ela se
encontra em Cristo. Somente por esse meio podemos
verdadeiramente nos tornar teólogos.
Podemos examinar a Palavra de Deus para conhecer o conteúdo
do evangelho de Cristo e as indicações de sua relação com todas as
outras partes da Bíblia. Fazemos isso em resposta ao senhorio de
Cristo, reconhecendo que ele determina as condições para
entendermos a Bíblia. O que, então, está no centro do ensino de
Jesus? Dificilmente haveria melhor resposta do que considerar o
resumo do evangelho segundo o próprio Jesus em Marcos 1.15: “…
Completou-se [cumpriu-se] o tempo, e o reino de Deus está
próximo. Arrependei-vos e crede no evangelho”. É importante
perceber que Jesus não veio porque o tempo havia se cumprido; ao
contrário, ele cumpriu o tempo ao vir. O cumprimento não é uma
referência à história em geral, mas ao modo que Jesus cumpre
todas as expectativas do Antigo Testamento no tempo designado
por Deus.
Sobre o conteúdo de sua mensagem, Jesus nos diz que o tema
central é a chegada do reino de Deus. O quanto o reino está
próximo e o que a chegada dele significa são o tema das narrativas
dos Evangelhos e do Novo Testamento como um todo. Jesus ter
anunciado o reino sem explicar o que ele quis dizer com isso dá a
entender que ele falava de uma ideia já existente na mente dos
judeus. É muito provável que o Antigo Testamento nos ajude a
entender qual era essa ideia. Mas Jesus já mostra o significado do
reino quando diz que exige arrependimento e fé. Arrepender-se é
virar as costas para o nosso desejo de ser independente de Deus.
Desejar ser independente de Deus, aliás, é lealdade ao reino de
Satanás. Arrepender-se é voltar-se para Deus com submissão ao
seu governo soberano. Essa submissão implica fé como confiança
segura na Palavra do próprio Rei. A Palavra anuncia uma
mensagem do amor de Deus pelos pecadores rebeldes, o que se
manifesta em atos de redenção imerecidos. Deus age efetivamente
para restabelecer sua amizade com aqueles que a ele se opõem e o
odeiam.
O fato de Deus ter planejado um reino de pecadores redimidos
indica outro tema muito importante para a teologia bíblica: a aliança.
Tenho muito mais que dizer sobre esse tema. Por ora, vamos
apenas observar que “aliança” é um conceito bíblico que se refere
essencialmente ao compromisso de Deus com o seu povo e que
Jesus é apresentado como a renovação da aliança do Antigo
Testamento mediante o evento do evangelho. Começamos com
Cristo porque somos redimidos segundo a nova aliança. Todas as
outras menções de aliança na Bíblia devem ser entendidas em
relação à nova aliança em Cristo.
O evangelho
é a palavra acerca de Jesus Cristo e do que ele fez por nós
para restabelecer uma relação sem pendências entre Deus e o
homem.
O PRIMEIRO COMPONENTE
A teologia bíblica tem como objeto aquilo que Deus nos dá a
conhecer na Bíblia e o modo que ele o faz conhecido. Já
observamos que a teologia bíblica tem três componentes distintos,
mas estreitamente relacionados. Agora é hora de estabelecê-los
como os pontos de apoio para uma teologia bíblica. Eles são, na
verdade, os três principais aspectos da Bíblia em si: a literatura, o
registro histórico e a teologia ou a revelação nela contida.
Em primeiro lugar, vamos estudar a literatura. Começamos com
as palavras da Bíblia sobre Cristo, as quais nos chegam
particularmente como o evangelho. Por mais que essas mensagens
sejam parafraseadas livremente, atualizadas ou interpretadas pela
pessoa que as transmitem para nós, somente entendemos o que
significam quando entendemos como a Bíblia as apresenta. No
primeiro nível, o problema de entender a Bíblia é o mesmo que
entender qualquer literatura. O modo que as palavras são
empregadas é uma questão de primordial importância. Jesus usava
as palavras de várias maneiras, e o registro bíblico no todo também
usa as palavras de diversos modos.
Mencionei que a encarnação significa que Deus se revelou por
intermédio de Jesus, a Palavra, que é a um só tempo divina e
humana. Isso exige que levemos em consideração a humanidade de
Jesus como a forma “visível” da Palavra. A encarnação também
exige que consideremos atentamente a humanidade do registro
bíblico. Parte de nossa exegese histórico-gramatical (veja p. 34-5) é
perceber que narrativa, parábola, hino, preceito legal e visão
apocalíptica, para mencionar apenas alguns gêneros, todos usam
palavras de diferentes maneiras para comunicar a verdade de Deus.
Essas questões da exegese da literatura jamais podem ser
separadas do interesse pelos outros dois aspectos da Bíblia. Os três
caminham lado a lado e são inseparáveis ao longo de todo o
trabalho da teologia bíblica. As palavras invariavelmente nos
indicam os fatos históricos que constituem a estrutura da revelação
bíblica.
Entender a Bíblia
significa entender as palavras que os autores bíblicos
empregaram da maneira que eles pretenderam que fossem
entendidas.
O SEGUNDO COMPONENTE
Nem todos os textos da Bíblia falam diretamente da história de
Israel e da igreja primitiva. No entanto, em geral, a Bíblia trata de
uma sucessão específica de acontecimentos históricos. Embora os
historiadores críticos (com base em pressupostos humanistas)
possam questionar se a história bíblica é narrada do modo que
realmente ocorreu, não há nenhuma dúvida de que a Bíblia de fato
apresenta essa narrativa como uma série de acontecimentos
históricos relacionados de importância central para a mensagem
bíblica. Para começar, precisamos de um esboço da história que
destaque os principais acontecimentos da narrativa bíblica.
A história bíblica não se atém a todas as regras que os
historiadores seculares impõem, e isso às vezes gera tensão entre o
que a Bíblia diz e o que os historiadores modernos reconhecem.
Nesse ponto, nossos pressupostos sobre a revelação são
importantes. Obviamente, acontecimentos como a Criação e a
Queda não são passíveis de investigação histórica, mas os
aceitamos como verdadeiros com base na revelação de Deus.
Alguns historiadores cristãos não reconhecem isso e por isso acham
que devem ser céticos em relação aos acontecimentos bíblicos sem
comprovação de evidências exteriores à Bíblia. O que eu disse no
capítulo 2 é relevante aqui. Não só o significado dos acontecimentos
históricos nos chega pela revelação de Deus, mas também os
próprios fatos, sobretudo quando estão além dos meios normais de
investigação histórica, podem ser revelados por Deus.
Entender a Bíblia
significa entender a narrativa histórica na qual a mensagem da
Bíblia se revela.
O TERCEIRO COMPONENTE
Do mesmo modo que é impossível falar da literatura da Bíblia
dissociada da história na Bíblia, também é impossível falar da
literatura e da história bíblicas dissociadas da revelação da Bíblia.
Uma vez que é indissociável da revelação, a história bíblica se
estende para além dos limites da história secular nos dois sentidos.
Ela considera a história como acontecimentos com significado e
interligados no tempo, os quais emergem da eternidade passada e
vão além de nosso tempo para um futuro em que novamente
imergem na eternidade. A revelação pode escrever uma história
futura porque o revelador é o Senhor da história, que tem total
controle dos acontecimentos e está dirigindo tudo quanto existe para
o seu destino final.
Portanto, as palavras, a história e a revelação são os aspectos
fundamentais da Bíblia que podem ser claramente distinguidos, mas
não separados. Uma vez que a Bíblia como a Palavra de Deus
obtém sua natureza de Jesus Cristo, a Palavra de Deus, podemos
enxergar nele as mesmas relações. As palavras de Jesus e o
registro inspirado a seu respeito são indissociáveis da pessoa
histórica e de seus atos. Todos se combinam e assim constituem a
revelação de Deus.
Entender a Bíblia
significa entender de que modo as palavras e a história são
usadas para revelar a verdade acerca de Deus e de sua
atividade redentora.
CRISTO COMO PADRÃO DA TEOLOGIA BÍBLICA
Uma vez que Cristo é a síntese de toda a revelação bíblica, o que é
revelado dele rege o nosso modo de fazer teologia bíblica. Jesus de
Nazaré é a mais plena autorrevelação de Deus à humanidade. Ele
traz plena luz ao que, desde o início, foi apresentado no Antigo
Testamento como sombra. Embora Cristo seja o cumprimento e a
realidade concreta, ele não pode ser entendido isoladamente das
promessas e sombras do Antigo Testamento. De nosso ponto de
partida com Cristo, nós nos vemos caminhando para trás e para
frente entre os dois Testamentos. Nossa compreensão do evangelho
é aprimorada com a compreensão de suas raízes
veterotestamentárias, ao mesmo tempo que o evangelho nos mostra
o verdadeiro significado do Antigo Testamento.
É difícil representar essa inter-relação entre os dois Testamentos
na presente elaboração de uma teologia bíblica. Não obstante,
temos de procurar fazer isso realçando Cristo tanto como nosso
ponto de partida quanto como o alvo ao qual nos dirigimos. Cristo é
o ponto em que começamos porque ele nos mostra a que de fato diz
respeito a mensagem revelada do Antigo Testamento.
Com base no evangelho, podemos dizer que uma teologia bíblica
se concentra em determinados elementos fundamentais da
mensagem da Bíblia. A relação de Deus com a sua criação em geral
e com a humanidade em particular é um desses elementos. O
evangelho nos mostra o que era para ser essa relação. Mostra que,
embora a humanidade tenha se rebelado contra essa relação,
deteriorando-a, Deus revelou o seu meio para restaurá-la.
Jesus Cristo
mostra que a teologia bíblica diz respeito a Deus inaugurar seu
reino, no qual todas as relações são restauradas à perfeição.
A ESCOLHA DE UM TEMA CENTRAL
Há uma grande diversidade na Bíblia. Os muitos autores pertencem
a ambientes culturais variados. Eles dão ênfase a aspectos
diferentes do que Deus está fazendo e de como está fazendo. As
formas de expressarem a verdade em palavras são diversas.
Contudo, o pressuposto claro ao longo das Escrituras é que se trata
do testemunho de uma obra singular realizada por um único Deus.
Com base no que Jesus e os apóstolos ensinaram, reconhecemos
que a diversidade de expressão na Bíblia existe dentro de um todo
coeso.
O problema para uma teologia bíblica, sobretudo se ela pretende
ser introdutória, como é o caso desta, é qual princípio de unidade
pode ser enfocado para apresentar as relações essenciais de todas
as partes da Bíblia. Tendo em vista que a Bíblia não se apresenta
como um acervo de ideias abstratas ou pensamentos filosóficos,
mas, antes, enfatiza os atos de Deus na criação e na história, a
teologia bíblica deve evitar o que é abstrato e se concentrar nos
próprios fatos e na interpretação deles conforme registrados na
Bíblia.
Na próxima seção do livro, vamos examinar a progressão
histórica da revelação de Deus com ênfase especial na relação de
aliança e em como ela se enquadra no governo de Deus sobre sua
criação, no que vem a ser chamado de o reino de Deus. Não vamos
nos ocupar de aspectos técnicos a respeito do que é a aliança, mas,
sim, da noção de aliança como compromisso de Deus para com a
sua criação em geral e a humanidade em particular, mediante a
criação e a redenção. Uma vez que a aliança se faz evidente pela
primeira vez no compromisso de Deus com a sua criação logo no
início e que a aliança de redenção é o compromisso divino de
renovar todas as coisas em uma nova criação, escolhi os temas
interligados da aliança e da nova criação como elemento unificador
na mensagem bíblica. O tempo e o espaço de que dispomos não
nos permitem investigar em pormenores todos os temas diferentes
que podem ser considerados a base da unidade bíblica. A maioria
deles aparecerá de um jeito ou de outro em nosso exame da
teologia bíblica, mas precisamos nos concentrar em um só para
realçar o fato da unidade.
A teologia bíblica
precisa destacar algum tema, ou temas que constituam a base
para o entendimento da mensagem única e unificada da Bíblia.
GUIA DE ESTUDO
1. Quais são os motivos para considerar Jesus Cristo o ponto
de partida para fazer teologia bíblica?
2. Como você define a relação entre a literatura, a história e a
teologia da Bíblia?
3. De que modo Cristo é o padrão da teologia bíblica?
4. A teologia bíblica reconhece tanto a unidade quanto a
progressão da mensagem bíblica. Você pode sugerir uma
estrutura para uma teologia bíblica que use como tema
central “o povo de Deus”?
LEITURA COMPLEMENTAR
BT. cap. 2.
GK. caps. 3 e 4.
YOUNGBLOOD, Ronald. The heart of the Old Testament (Grand
Rapids: Baker, 1971).
TERCEIRA PARTE
TEOLOGIA BÍBLICA — O QUÊ?
Até aqui perguntamos por que e como fazer teologia bíblica. Agora
podemos perguntar qual é o conteúdo da teologia bíblica. Nesta parte nos
propomos delinear alguns dos temas principais da revelação que se
desenvolvem progressivamente na Bíblia até terem sua expressão mais
plena na pessoa e na obra de Jesus Cristo.
Eu sou o Primeiro e o Último
… Sou o primeiro e o último. Eu sou o que vive; fui morto, mas agora estou
aqui, vivo para todo sempre… (Ap 1.17,18).
O EVANGELHO DE JESUS CRISTO
A principal mensagem da Bíblia acerca de Jesus pode facilmente se
confundir com toda sorte de assuntos relacionados a ela.
Percebemos isso no modo que as pessoas definem ou pregam o
evangelho. Contudo, é importante manter o evangelho em si
claramente distinto de nossa resposta a ele ou das consequências
dele em nossa vida e no mundo. Se a nossa resposta apropriada ao
evangelho é a fé, não devemos tornar a fé parte do próprio
evangelho. Seria absurdo chamar as pessoas a terem fé na fé!
Embora o novo nascimento tenha uma relação estreita com a fé em
Cristo, é um erro falar do novo nascimento como se ele mesmo
fosse o evangelho. A fé no novo nascimento em si não nos salva.
É importante, portanto, entender o que o evangelho é, para
incluirmos aquilo em que se deve crer, e o que o evangelho não é,
para não exigirmos que as pessoas creiam em mais do que o
necessário para a salvação. A Bíblia contém uma série de
declarações do evangelho, das quais uma das mais claras está em
Romanos 1.1-4. Com ela aprendemos quatro informações
1.importantes sobre o evangelho: O evangelho de Deus,
2. que ele antes havia prometido pelos seus profetas […]
3. acerca de seu Filho, que […] nasceu da descendência de
Davi […]
4. e com poder foi declarado Filho de Deus […] pela
ressurreição […]
Em primeiro lugar, trata-se do evangelho de Deus. Ele é o seu
autor e quem o põe em ação. O evangelho realiza o que Deus quer
que realize e do modo que ele determina. Trata dos problemas que
Deus percebe e expõe. Não trata principalmente de nossas
necessidades como as percebemos — como posso viver uma vida
melhor, superar meus problemas emocionais, dar sentido a minha
existência —, embora essas necessidades sejam contempladas. O
evangelho é o meio de Deus lidar com seu “problema” de como ele,
um Deus santo e justo, pode justificar e aceitar o pecador. Somente
a sabedoria de Deus é suficientemente grandiosa para conceber um
plano capaz de realizar isso.
Em segundo lugar, trata-se do evangelho do Antigo Testamento.
Uma parte importante da teologia bíblica é entender como as
promessas feitas no Antigo Testamento são efetivamente cumpridas
no Novo. Em outras palavras, o uso que nós cristãos fazemos do
Antigo Testamento é orientado pelo modo que enxergamos a
mensagem veterotestamentária referente a Cristo e, por intermédio
dele, a nós. Porque Jesus é a nossa autoridade final e definitiva,
nosso interesse essencial é em como ele e os apóstolos pregavam
o evangelho usando o Antigo Testamento como as Escrituras que
eles seguiam.
Em terceiro lugar, há o tema claro do evangelho. Ele diz respeito
ao Filho, de modo que não é a respeito do Pai nem do Espírito,
tampouco do crente. O Filho é identificado claramente. Ele não é só
Deus Filho, a segunda pessoa da Trindade eterna. Ele é Jesus de
Nazaré, descendente de Davi, o rei de Israel. Isso define os limites
do evangelho em relação ao Jesus histórico e seu nascimento em
uma família importante, sua vida, morte, ressurreição e ascensão.
Para pregar o evangelho, temos de falar sobre essas coisas e o
significado delas para a nossa salvação.
Em quarto lugar está o fato central do evangelho, que é a
ressurreição de Jesus dentre os mortos. Paulo diz que a
ressurreição identifica Jesus como o Filho de Deus. A ressurreição
não é percebida claramente no Antigo Testamento por razões que
observaremos mais adiante. Todavia, há alguma menção do Filho
de Deus como título do povo de Deus. Agora temos de perguntar
como a ressurreição demonstra que Jesus é esse Filho de Deus.
VERDADE FUNDAMENTAL, MAS QUE NÃO É
EVANGELHO
Outros aspectos importantes da obra de Deus que em si não são o
evangelho estão associados ao evento do evangelho. Se cremos no
evangelho, provavelmente também creiamos nesses aspectos, mas
eles não são o foco de nossa confiança como é a obra salvadora de
Jesus. Não os pregamos aos não crentes como centro de nossa
mensagem.
Primeiro, há a obra distinta de Deus Pai. A Bíblia nos diz que
Deus não é dividido; ele é um. Assim, Pai, Filho e Espírito Santo
estão envolvidos em todos os aspectos da obra de Deus. Mas a
natureza trina do Deus único implica que cada uma das três
pessoas tem papéis distintos, mesmo que as outras duas estejam
envolvidas. O Pai, ao que tudo indica, é a pessoa que elege, gera e
envia o Filho ao mundo. Pregar a obra do Pai, mesmo que seja “…
Deus amou tanto o mundo…”, de João 3.16, não é pregar o
evangelho, a não ser que apresentemos os fatos sobre a pessoa e a
obra do Filho.
Em segundo lugar, há a obra distinta do Espírito Santo. Ele
concede a fé e o novo nascimento, dá testemunho de Cristo ao
nosso coração, habita os que são de Deus e os santifica. Todas
essas obras de Deus são boas e necessárias e não existem sem o
evangelho. Contudo, temos de distingui-las do evangelho. Elas são
as consequências, ou frutos, da obra do evangelho de Jesus.
Em terceiro lugar, assinalamos que o que eu faço ou você faz em
resposta ao evangelho não é em si o evangelho. Não se pode dizer
que arrependimento e fé são o evangelho. Arrependimento e fé são
as respostas que o Espírito Santo nos capacita a ter em relação ao
evangelho. Se você disser aos não crentes que eles devem confiar
em Cristo, crer nas boas-novas e confessar seus pecados, essas
coisas são certamente verdadeiras, mas elas não são o evangelho.
Temos de lhes dizer no que devem crer e confiar a respeito de
Cristo, o que são as boas-novas para que eles creiam nelas e por
que os pecados têm de ser confessados.
O Novo Testamento ressalta a pessoa histórica de Cristo e o que
ele fez para nos permitir, mediante a fé, ser amigos de Deus. O
Novo Testamento também o destaca como aquele que sintetiza
todas as promessas e expectativas do Antigo Testamento e que as
leva ao devido apogeu e cumprimento. Aqui existe uma ordem de
prioridade que temos de levar em conta para entender a Bíblia
corretamente. É o evento do evangelho que produz fé no povo de
Deus, e o evangelho motivará, dirigirá, modelará e capacitará a vida
da comunidade cristã. Por isso, começamos pelo evangelho e
caminhamos para o entendimento da vida cristã e do alvo final para
o qual nos dirigimos.
Novamente, começamos pelo evangelho e voltamos ao Antigo
Testamento para entender o que está por trás da pessoa e da obra
de Cristo. O Antigo Testamento não é completamente suplantado
pelo evangelho, pois isso o tornaria irrelevante para nós. Ele nos
ajuda a entender o evangelho nos mostrando as origens e o
significado dos vários conceitos e palavras especiais empregados
para falar de Cristo e de suas obras no Novo Testamento. Contudo,
também reconhecemos que Cristo é a palavra mais plena e final de
Deus à humanidade. Como tal, Cristo nos revela o significado final
do Antigo Testamento. E não só isso, como veremos à medida que
prosseguirmos.
OS QUATRO EVANGELHOS COMO TESTEMUNHOS
DO EVANGELHO
Os quatro Evangelhos são formas literárias distintas assim
chamados porque o conteúdo principal deles é o evangelho. Como
seus respectivos autores apresentaram o evangelho? Darei atenção
especial à obra de dois volumes de Lucas, constituída por seu
Evangelho e pelo livro de Atos dos Apóstolos. Antes, porém, vamos
observar a introdução dos outros três Evangelhos. Cada autor tem
um enfoque distinto, mas todos têm algo em comum: eles
estabelecem uma ligação imediata entre a sua mensagem e a do
Antigo Testamento. Mateus apresenta o vínculo familiar histórico de
Jesus até Abraão e assim relaciona a história de Israel ao
evangelho. Marcos entende que o evangelho de Jesus Cristo tem
como base uma mensagem profética do Antigo Testamento. João
recorda as palavras iniciais de Gênesis e assim aponta para Jesus
de Nazaré como o Criador, que agora veio em carne.
Quando Mateus inicia seu Evangelho com a árvore genealógica
de Jesus, passando por três grupos de quatorze gerações, ele não
está simplesmente apresentando um registro de linhagem humana.
Os três grupos vão de Abraão a Davi, de Davi ao Exílio e do Exílio a
Cristo. O significado teológico desses marcos da história de Israel
subjaz à interpretação de Cristo no Evangelho de Mateus. Abraão e
Davi são os principais recebedores das promessas de Deus,
enquanto o Exílio mostra o fracasso de Israel em receber as
bênçãos dessas promessas. Jesus Cristo é apresentado nesse
Evangelho como aquele por meio de quem as promessas se
cumprem.
Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão (Mt 1.1).
Princípio do evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Conforme está
escrito no profeta Isaías… (Mc 1.1,2).
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus
[…] Todas as coisas foram feitas por intermédio dele […] E o Verbo se fez
carne e habitou entre nós… (Jo 1.1,3,14).
Marcos começa com algumas profecias da última parte da
história de Israel. Estas dizem respeito ao anúncio dos atos finais de
Deus para a salvação de seu povo. Marcos liga essas profecias a
João Batista, que prepara o caminho para Jesus, e assim apresenta
o seu Evangelho como um relato do que Jesus fez para cumprir as
expectativas do Antigo Testamento.
Quando João relembra a Criação, não tem tanto em mente o
início do universo, mas, sim, que Deus o criou pela sua palavra. A
palavra de criação é a palavra pela qual ele se revela e redime o
seu povo. Um dos temas fundamentais de João é a vida. A
humanidade recebeu a vida de Deus na Criação, mas perdeu-a pela
desobediência na Queda. João desenvolve em seu Evangelho
muitos temas do Antigo Testamento, a fim de mostrar que os que
creem em Jesus Cristo têm a vida restaurada (Jo 20.31).
O TESTEMUNHO DE LUCAS-ATOS
Lucas inicia o seu Evangelho dirigindo-se a certo Teófilo. A
introdução de Atos, também dirigida a Teófilo, mostra que seu
objetivo é ser uma sequência do Evangelho, que Lucas define como
um relato do que Jesus começou a fazer e a ensinar. Tendo em vista
que o Evangelho nos leva até a ascensão de Jesus ao céu,
podemos concluir que Atos trata do que Jesus continuou fazendo
por meio do Espírito Santo.
Tema do Antigo Testamento
Lucas
O profeta Elias voltará para preparar o João Batista cumpre o papel de Elias
caminho do Salvador (Ml 4.5,6).
(Lc 1.17).
Deus prometeu a Davi que os seus Jesus é esse descendente e cumpre o
descendentes sempre teriam o trono papel de linhagem de Davi (Lc 1.27(2Sm 7.12-14).
32).
Deus prometeu a Abraão que os seus Maria entende o nascimento de Jesus
descendentes seriam o povo de Deus como cumprimento das promessas a
(Gn 17.1-8).
Abraão (Lc 1.54,55).
As promessas da aliança de Deus a Zacarias entende o nascimento de
Abraão e a Davi (Gn 17; 2Sm 7).
João Batista à luz das promessas da
aliança (Lc 1.70-75).
A salvação de Israel terá efeitos para Simeão entende que Jesus é o
as nações (Is 42.6; 52.10).
portador dessa salvação (Lc 2.29-32).
O povo de Deus é chamado de o filho Jesus é chamado em seu batismo de
de Deus (Êx 4.22).
o Filho de Deus (Lc 3.22-28).
Adão e Israel fracassam quando Jesus vence a tentação de Satanás
tentados (Gn 3; Dt 8).
(Lc 4.1-12).
O Messias prometido pelo profeta (Is Jesus cumpre a promessa (Lc 4.1661).
21).
Nosso presente interesse nessa obra de duas partes é sua
ênfase no Antigo Testamento e sua relação com a pessoa e a obra
de Jesus. Nos quatro primeiros capítulos, percebemos que Lucas
recorda uma série de temas do Antigo Testamento, entre eles, os
mencionados no diagrama acima.
Esse senso de cumprimento do Antigo Testamento é mais forte
nos sermões de Jesus posteriores a sua ressurreição. Os dois
discípulos da estrada de Emaús pensavam que a morte de Jesus
significava o fim de todas as suas esperanças. Jesus os repreende,
porque deviam ter entendido melhor o evangelho pelo Antigo
Testamento. A morte de Cristo (Messias) é claramente parte da
mensagem dos profetas.
… Ó tolos, que demorais a crer no coração em tudo o que os profetas
disseram! Acaso o Cristo não tinha de sofrer essas coisas e entrar na sua
glória? (Lc 24.25,26).
Isso levou ao que seriam duas das instruções mais importantes que
Jesus já deu: E, começando por Moisés e todos os profetas,
explicou-lhes o que constava a seu respeito em todas as Escrituras
(Lc 24.27).
Depois lhes disse: São estas as palavras que vos falei, estando ainda
convosco: Era necessário que se cumprisse tudo o que estava escrito
sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então lhes abriu
o entendimento para compreenderem as Escrituras (Lc 24.44,45).
Podemos apenas supor que Lucas não entra em detalhes aqui
sobre o próprio método de Jesus interpretar o Antigo Testamento
porque isso será amplamente demonstrado nos sermões dos
apóstolos registrados em Atos.
Atos apresenta essa mesma forte ênfase na relação do
evangelho com a mensagem do Antigo Testamento. Em diversas
ocasiões, Lucas registra, e supostamente resume, um discurso ou
sermão sobre o evangelho. Encontramos esses sermões em Atos
2.14-39; 3.13-26; 4.10-12; 5.30-32; 10.36-43; 13.16-41. Podemos
somar a esses o discurso de Paulo aos atenienses, em Atos 17.2231. Todos eles apresentam alguns elementos comuns indicativos do
conteúdo do evangelho pregado pelos apóstolos. O cumprimento do
Antigo Testamento é um desses elementos, constantemente
mencionado. Se, como em geral se acredita, Lucas era um não
judeu escrevendo a outros não judeus, é mais notável que ele não
considera as origens veterotestamentárias do evangelho de
interesse apenas de judeus. Pelo contrário, ele se refere
constantemente ao evangelho apostólico como o evangelho que é
pregado a partir do Antigo Testamento, sem o qual é inexplicável.
Os primeiros sermões registrados tanto de Pedro como de Paulo
são mais ou menos detalhados, e o conteúdo do Antigo Testamento
pode ser facilmente observado neles.
Evangelho
1. O Antigo Testamento é cumprido
Pedro (Atos 2)
Paulo (Atos 13)
versículos 16-21, versículos
25-31, 34-36
23,32-39
16-
2. na pessoa e na obra de Jesus de versículo 22
Nazaré,
versículos 23-26
3. que morreu
versículo 23
versículos 27-29
4. e ressuscitou
versículos 24,32
versículos
30,31,34-37
5. e agora está exaltado.
versículos 33,36
versículo 34
6. Por meio dele, há perdão dos versículo 38
pecados.
versículos 38,39
7. Portanto…
versículos 40,41
versículos 38-40
Já foi dito o suficiente para indicar a perspectiva do Novo
Testamento sobre a pessoa de Cristo. Seria absolutamente
impossível proclamar Jesus Cristo como o Salvador sem mencionar
sempre os fundamentos que foram lançados na história da obra
salvadora de Deus no Antigo Testamento. Alfa (A) e ômega (Ω) são
a primeira e a última letras do alfabeto grego. Quando é dito que
Jesus é o A e o Ω, o primeiro e o último, o início e o fim (Ap 22.13),
isso certamente significa que ele é Deus (veja Ap 1.8,17,18).
Entretanto, isso também nos indica a realidade do que viemos
examinando neste capítulo: Jesus é o nosso ponto de partida para
todo verdadeiro conhecimento e, portanto, para a teologia. Ele é o
alvo para o qual nos dirigimos. Percebemos isso em nossa
existência cristã, pois começamos a vida de filhos de Deus quando
somos unidos a Cristo pela fé em sua obra salvadora, e o nosso
destino é ser enfim transformados conforme sua imagem.
Agora que observamos alguns temas do Antigo Testamento que
são retomados no Novo Testamento, somos compelidos a examinar
todo o alicerce veterotestamentário do evangelho. Com efeito, existe
um sentido real em que o evangelho não pode ser o evangelho sem
o Antigo Testamento. Ao caminharmos de volta para o início da
narrativa bíblica, e conforme a seguirmos até chegar novamente ao
evangelho, faremos isso com a perspectiva cristã de que a
progressão de acontecimentos somente encontrará o seu
verdadeiro significado em Cristo. Nunca é demais repetir isso. O
Antigo Testamento é uma narrativa sem final. Tanto o judaísmo
quanto o islamismo providenciaram seus respectivos finais para a
narrativa, os quais nós, como cristãos, não podemos reconhecer
como válidos. Jesus Cristo é o objetivo do Antigo Testamento e lhe
dá seu verdadeiro significado. Qualquer entendimento do Antigo
Testamento ou comentário sobre ele que não deixe isso claro é, na
melhor das hipóteses, incompleto e, na pior, não cristão.
Alguns temas do Antigo Testamento aplicados pelo Novo Testamento a
Cristo
Criador
Filho de Abraão
Nova aliança
Palavra
Filho de Davi
Salvação
Sabedoria
Profeta
Servo de Deus
Filho de Deus
Sacerdote
O Ungido
Adão
Rei
Redenção
Israel
Luz das nações
Pastor
GUIA DE ESTUDO
1. Que elementos do evangelho são
1Coríntios 15.1-11 e 2Timóteo 2.8?
mencionados
em
2. Usando os esboços de sermões em Atos 3.13-26; 4.10-12;
5.30-32; 10.36-43, faça um quadro do conteúdo deles
semelhante ao das páginas 87-8.
3. Além do evangelho, o que mais pode conter um sermão
evangelístico? Por quê?
4. Há maior ênfase no Novo Testamento em entender Cristo
pelo Antigo Testamento ou em entender o Antigo Testamento
por Cristo? Exponha os motivos de sua resposta.
LEITURA COMPLEMENTAR
CHAPMAN, J. C. Know and tell the gospel (London: Hodder &
Stoughton, 1985).
GREEN, Michael. Evangelism in the early church (London: Hodder &
Stoughton, 1970). esp. cap. 3.
______. Evangelizacão na igreja primitiva. 2. ed. Tradução de Hans
Udo Fuchs (São Paulo: Vida Nova, 1989). Tradução de:
Evangelism in the early Church.
IBD. Verbete “Gospels”.
ROBINSON, Donald. Faith’s framework (Exeter: Paternoster, 1985).
Criação pela Palavra
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por
intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito existiria (Jo 1.1-3).
… porque nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra […] tudo
foi criado por ele e para ele (Cl 1.16).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM GÊNESIS 1
E2
No princípio, Deus criou tudo o que existe. Criou Adão e Eva e os colocou
no Jardim do Éden. Deus lhes falou e deu determinadas tarefas no mundo.
Por alimento, ele lhes permitiu que comessem dos frutos de todas as
árvores do jardim, exceto de uma. Ele os advertiu de que morreriam se
comessem o fruto dessa única árvore.
DEUS CRIA POR SUA PALAVRA
O evangelho de Jesus Cristo nos revela Deus. O evangelho só tem
significado se o Deus que o concebeu for o Senhor e Criador
soberano do universo. Pelo evangelho sabemos o propósito da
criação e o significado do universo. Os relatos da Criação em
Gênesis 1 e 2 nos contam sobre o início de todas as coisas, além de
nos informar sobre a relação entre elas. Como essas coisas deviam
se relacionar está intimamente ligado ao propósito delas. Essas
relações, que mais tarde foram perturbadas pelo pecado, estão no
centro do evangelho, com o qual Deus está restaurando todas as
coisas de volta às relações corretas.
Os relatos bíblicos da Criação são um tormento para a
mentalidade moderna, uma vez que não tratam das questões para
as quais desejamos respostas. Como posso saber se existe um
Deus? De onde veio Deus? O que havia antes do início, e podemos
mesmo considerar um início? Como Deus pode criar do nada? Qual
é o significado da eternidade? Entre outras perguntas. Temos de
nos satisfazer em procurar entender o que a Bíblia está nos
dizendo. Nossa fonte principal é Gênesis 1 e 2, embora muitas
outras passagens da Bíblia tratem do tema da Criação.
O que a Bíblia quer dizer quando afirma que Deus criou por sua
palavra? O Novo Testamento menciona isso várias vezes: João 1.3;
Colossenses 1.16; Hebreus 11.3; 2Pedro 3.5-7. Esses textos são
importantes para a nossa compreensão do ensino do Antigo
Testamento. Contudo, ainda é importante examinarmos os textos do
Antigo Testamento em seus respectivos contextos israelitas
originais. Não sabemos quem pela primeira vez teve a revelação de
Deus a respeito da Criação. Muito se discute acerca de quando a
passagem de Gênesis 1 e 2 foi escrita na forma em que a temos
hoje. Mesmo que esses textos sejam de Moisés, de acordo com as
atribuições mais conservadoras, ainda assim eles ainda ingressam
na corrente do pensamento israelita percorrendo um longo caminho
no curso da história bíblica. Menciono isso não para incitar dúvidas
sobre a fidedignidade desses relatos, mas, pelo contrário, para
chamar a atenção para a consciência, em Israel, da soberania
absoluta de Deus e de sua palavra. Soberania significa exercer o
poder de rei. Empregamos essa palavra em relação a Deus para
dizer que não há absolutamente nada que ele não controle. A
criação é uma demonstração dessa soberania.
Deus não teve início, mas o universo teve. Portanto, este foi
criado a partir do nada, um fato muitas vezes referido pela
expressão latina ex nihilo (do nada). A grandiosidade de Deus se
manifesta no fato de ele simplesmente dizer “Haja…” para que as
coisas passem a existir. Nada o compeliu a criar, pois não havia
nada nem ninguém para o obrigar. Nem tampouco ele foi compelido
por algo em si mesmo, como solidão, por exemplo. A soberania de
Deus na criação significa sua liberdade absoluta. Soberania e
liberdade absolutas são atributos além da nossa compreensão, pois
jamais as poderemos experimentar. Não obstante, temos de aceitálas como fatos a respeito de Deus e aprender a identificá-las em
suas obras e em suas palavras.
Outro efeito da Criação pela palavra de Deus é deixar claro que
ele decidiu relacionar todas as coisas pela sua palavra. Não há
como enfatizar demasiadamente essa verdade. A supremacia da
palavra de Deus no mundo remonta à Criação. Todas as criaturas
têm de se curvar à palavra do Criador. O governo de Deus sobre a
criação mediante sua palavra indica a real distinção entre Deus e
sua criação. Algumas ideias modernas com intenso apelo para as
religiões orientais ensinam que não existe nenhuma distinção real
entre Deus e a criação. Considera-se que Deus é tudo, e tudo é
Deus. Contudo, a Bíblia ensina que Deus se distingue e está além
de tudo quanto foi criado e existe no universo. A palavra usada para
definir essa distinção é transcendência. Essa nova moda baseada
no hinduísmo e conhecida como meditação transcendental é, na
verdade, uma negação de que existe um ser transcendente ou
Deus.
Deus, o Senhor,
decide se relacionar com a sua criação por meio de sua
palavra.
A PALAVRA E A ORDEM ESTABELECIDA
Por que Gênesis 1 relata que a criação ocorreu em seis dias? A
essa pergunta foram dadas diferentes respostas, que variam de
“porque foi assim literalmente que aconteceu” até “porque se trata
de um arranjo artificial para ajudar na memorização dos detalhes”. É
verdade que a palavra hebraica para “dia” (yom) é empregada em
todo o Antigo Testamento designando o dia normal tal como o
conhecemos. Mas também é verdade que é usada para designar
períodos de tempo mais longos não especificados. Não cabe aqui
entrar nessa discussão, sobretudo no que diz respeito ao debate
Criação versus evolução.
Entretanto, podem-se tecer dois comentários. Primeiro, a
passagem é única e, por isso, apresenta algumas dificuldades de
interpretação. As possibilidades são muito mais numerosas do que
uma simples opção entre a história estritamente literalista (que
normalmente se entende como a Criação levada a efeito em seis
períodos de 24 horas) e um mito não histórico (que em geral é tido
como não tendo nenhuma relação com o fato histórico). É claro que
os textos do Novo Testamento citados no início deste capítulo (Jo
1.3; Hb 11.3; 2Pe 3.5-7) entendem a Criação como um
acontecimento histórico.
Segundo, quando nos vemos diante de ambiguidades como
essas, isto é, quando pode haver mais de uma possibilidade de
entender uma passagem da Bíblia, o evangelho deve nos orientar,
uma vez que ele é a palavra mais plena e definitiva de Deus ao
homem. Pelo evangelho fica claro que Deus criou todas as coisas
para uma finalidade e que ele exerce o seu governo sobre a criação
mediante a sua palavra. Não está totalmente claro no evangelho
que a Criação tenha ocorrido em seis períodos de 24 horas, nem
tampouco que ela não tenha ocorrido assim. A questão não é se a
Bíblia diz a verdade, mas como ela a diz.
Dos dois relatos da Criação (Gn 1 e 2) podemos extrair uma série
de verdades essenciais para a mensagem bíblica. A Criação não diz
respeito apenas aos primórdios, mas também ao propósito e às
relações. Os dois relatos fornecem perspectivas diferentes sobre a
única realidade, que é uma criação em que existe perfeita harmonia.
Com harmonia queremos dizer ausência de conflito entre os vários
elementos da criação. Os relatos bíblicos desafiam constantemente
nossa tendência de presumir que o significado de determinadas
qualidades, como harmonia, bondade, entre outras, são evidentes
por si. Os relatos de Gênesis mostram que a criação tem uma
estrutura, a qual é descrita, em primeiro lugar, no que se refere aos
elementos principais do universo e suas relações (Gn 1) e, em
segundo lugar, no que se refere aos seres humanos e suas relações
(Gn 2). No primeiro relato, lemos a confirmação progressiva de
Deus sobre a bondade da criação (Gn 1.10,12,18,21,25). Por fim,
Deus declara que “… tudo quanto fizera…” era “muito bom” (Gn
1.31). Não há indicação alguma de qualquer padrão autoevidente de
bondade ou harmonia fora de Deus ao qual ele tenha conformado a
sua criação. Deus, a fonte tanto de uma quanto de outra, é quem as
define apresentando uma organização que é a expressão de sua
bondade e harmonia.
Desse modo, a boa ordem do universo é boa porque Deus
declara que é. Ordem significa que existe uma função certa para
cada coisa e uma relação correta de cada uma com todas as outras.
Ordem também significa hierarquia. O Criador é Senhor sobre tudo
e exerce esse senhorio pela sua palavra. Depois de Deus vem a
humanidade, que recebe um senhorio secundário sobre o restante
da criação. Desse modo, bondade e harmonia são características
que só podem ser definidas por Deus, uma vez que ele estabeleceu
relações entre ele mesmo e tudo quanto criou.
Posteriormente, quando Israel veio a entender a bondade à luz
da revelação de Deus de sua graça salvadora, as narrativas da
Criação lembrariam a nação de que Deus é a única fonte de
bondade e o único que a define. Essa revelação também seria um
testemunho de que as rupturas nas relações, tão evidentes na
história bíblica, não são originais na ordem das coisas nem
tampouco caracterizam o Deus que criou boas todas as coisas.
Deus não apenas cria o universo, mas também o rege. Essa
providência, ou o governo contínuo do universo pelo Criador, vem a
ser um aspecto proeminente da compreensão bíblica do propósito
supremo de Deus, que nada, nem mesmo o pecado, pode frustrar.
Ao estabelecer as relações de todas as coisas na criação e designar
suas respectivas funções, Deus sustenta a ordem. O sol, a lua e as
estrelas regulam o dia e a noite e as estações do ano (Gn 1.14-19).
As plantas e os animais se reproduzem de acordo com a sua
espécie (Gn 1.11-13,24,25). A existência humana de algum modo
reflete a imagem de Deus e se caracteriza pelo domínio sobre o
restante da criação (Gn 1.26-30). A vida humana é definida pela
liberdade que Deus lhe deu e por limites e sanções. Somente um
Deus constantemente comprometido em governar o universo pode
advertir contra a rejeição de seu governo dizendo: “… no dia em que
dela comeres, com certeza morrerás” (Gn 2.15-17).
Por sua palavra,
Deus criou todas as coisas e estabeleceu relações ordenadas
entre elas.
Por sua palavra,
Deus continua sustentando a ordem no universo.
DEUS AMA SUA CRIAÇÃO
Os relatos da Criação não defendem a existência de Deus nem
procuram explicar como ele pode existir eternamente. Ser o único
que existe eternamente significa que apenas ele pode nos dizer que
ele, de fato, existe. É por isso que a sua Palavra não pode ser
testada nem provada; ela tem de ser a autoevidente Palavra de
Deus. Do mesmo modo, a criação é a autoevidente criação dele. A
Palavra de Deus e a criação confirmam do único modo possível que
Deus existe. Ora, com base nisso você pode supor que, quando um
não cristão perguntar: “Como posso saber que Deus existe?”, tudo o
que você precisa responder é: “A Palavra e a criação dele provam
isso”. É uma resposta correta, mas não vai convencer o não cristão,
por motivos que temos de deixar para o capítulo seguinte.
O Criador evidente por si mesmo, portanto, criou todas as coisas
e estabeleceu entre elas uma ordem fixa de relações que ele
afirmou ser muito boa. Como entender o sentido das palavras “…
era muito bom…”? São palavras escritas em Israel e para Israel,
que pertence a um mundo que continua existindo e ouvindo sobre o
amor de Deus depois que o pecado entrou no mundo. Nesse
contexto mais amplo, o ato livre de Criação e a aprovação de Deus
expressa pelas palavras “muito bom” indicam um compromisso
amoroso e imensamente forte da parte de Deus para com tudo o
que ele criou. No contexto imediato de Gênesis 1, as palavras não
necessariamente significam o compromisso amoroso e a intenção
de continuidade, mas elas são coerentes com esses fatos, visto que
surgem mais tarde nos registros bíblicos. Tudo o que a Bíblia diz
sobre o compromisso de Deus com a sua criação e com o seu povo
procede da comunicação inicial: “No princípio, Deus criou os céus e
a terra”.
Não é preciso muita imaginação para perceber que o Deus que
cria também é o Deus que governa. Reino de Deus é um nome que
não é usado na Bíblia até muito tempo depois, mas a ideia desse
reino nos vem à mente de imediato quando pensamos na Criação.
Esse ato livre de Deus e o seu governo contínuo sobre tudo o que
ele criou, a sua soberania, comprovam o elemento fundamental da
teologia bíblica que mencionei anteriormente neste capítulo: Deus é
distinto de sua criação. Jamais devemos nos considerar, nem a
natureza, parte de Deus. Nem Deus tampouco faz parte da
“natureza” ou de seus processos. Portanto, ele não está sujeito às
regularidades observadas na ordem das coisas, que chamamos de
leis da natureza. É essa distinção entre o Criador e a criação, sobre
a qual ele tem pleno controle, que subjaz aos milagres.
Como podemos falar do reino de Deus conforme ele foi revelado
até este ponto nas Escrituras? O reino de Deus envolve as relações
que ele estabeleceu entre si e tudo o que há na criação. Em outras
palavras, Deus cria as regras para tudo quanto existe. Os dois
relatos da Criação apresentam a humanidade como o centro da
atenção de Deus e o alvo de uma relação singular com ele. Por isso,
o foco do reino de Deus está na relação entre Deus e o seu povo. O
homem é sujeito a Deus, enquanto o restante da criação é sujeito ao
homem e existe para o benefício dele. O reino significa Deus
governando sobre o seu povo no universo material. Esse
entendimento elementar do reino jamais se altera nas Escrituras.
A bondade da criação:
No universo que criou para o seu povo, Deus reina sobre esse
povo com o compromisso constante e amoroso com toda a
criação. Isso é o reino de Deus.
HOMEM CRIADO À IMAGEM DE DEUS
O Antigo Testamento se refere apenas três vezes à criação do
homem segundo a imagem de Deus: Gênesis 1.26,27 e 9.6.
Nenhuma delas nos diz o que isso significa. A primeira liga a
imagem (hebraico: tselem) à semelhança (hebraico: demuth) e, em
seguida, ao domínio do homem sobre a criação. A segunda liga a
imagem de Deus à criação do ser humano como homem e mulher.
Em nenhum dos casos podemos afirmar que há intenção de definir
o que significa ser criado à imagem de Deus. A terceira referência
indica a criação à imagem de Deus como a razão para que o
homicídio seja um crime punível com a pena capital.
Se são tão poucas as referências à criação à imagem de Deus,
poderíamos pensar que não se trata de uma ideia muito importante.
O mais seguro, porém, é concluir que o significado de ser criado à
imagem de Deus é exposto de outras formas nas Escrituras. Ao se
referir ao homem, a Bíblia mostra que ele tem dignidade especial
diante de Deus. A imagem de Deus é um modo de se referir a essa
dignidade. Podemos dizer sem dúvida que a imagem indica a
singularidade dos seres humanos, que consiste no mínimo em uma
relação especial com Deus. Ser conforme a semelhança de Deus
(Gn 1.26) é outro modo de afirmar ser à imagem de Deus e não se
refere a nenhum atributo distinto da imagem. O domínio não é a
definição da imagem, mas, provavelmente, uma consequência dela.
Se a sexualidade humana (Gn 1.27) está relacionada à imagem,
deve estar em um nível não compartilhado pelas outras criaturas,
que também têm sexualidade física.
Portanto, a imagem divina no homem demonstra que pertence à
sua dignidade ser o seguinte, depois de Deus, na ordem das coisas
(Sl 8.5). Embora Deus tenha o compromisso com toda a sua criação
de mantê-la e preservar-lhe a boa ordem, a humanidade é o foco
especial de seu cuidado. A criação existe para o nosso benefício. A
humanidade é a representante de toda a criação, de modo que
Deus lida com a criação com base em como ele lida com os seres
humanos. Somente o homem é tratado como um ser que conhece
Deus e foi criado para viver intencionalmente para Deus. Quando o
homem caiu por causa do pecado, a criação caiu com ele. Para
restaurar toda a criação, Deus age por intermédio de seu Filho, que
se fez homem para restaurar o homem. A criação inteira aguarda
ansiosamente que o povo redimido de Deus seja enfim revelado
como filhos de Deus aperfeiçoados, pois nesse momento a criação
será libertada de seu próprio cativeiro (Rm 8.19-23). Essa visão
geral do homem como o objeto da redenção de Deus e de seu amor
aliancístico confirma o significado central dado ao homem em
Gênesis 1 e 2.
A imagem de Deus no homem:
A humanidade foi criada em uma relação única com Deus.
Deus também trata com o homem pessoalmente como a
criação mais elevada e o foco de seu propósito.
O HOMEM, UMA CRIATURA QUE É GOVERNADA
O homem moderno acredita que ele próprio está no comando. Ele
estabelece o seu próprio ritmo, cria as suas próprias regras e não
agradece a ninguém, senão a si mesmo, o progresso e os bens da
vida. A doutrina bíblica da Criação contradiz tudo isso. Tudo o que
somos e temos é dádiva de Deus. A singularidade da raça humana
não está em ter se desenvolvido mais ou sobrevivido melhor, mas
em ter sido criada à imagem de Deus. A raça humana é a criatura
de Deus, e não se pode mudar esse fato o negando ou ignorando.
Como criaturas de Deus, somos completamente dependentes dele
para tudo. Dependemos do governo e da providência constantes de
Deus na natureza não só para a produção de alimentos e outros
bens, mas também para cada momento de nossa existência.
Inspiramos mais um pouco de ar, nosso coração bate mais uma vez,
temos consciência de mais um momento de nossa existência tão
somente porque Deus continua sustentando a própria substância da
criação. Não há nenhuma lei da natureza autossustentável. Se Deus
retirasse por um átimo de segundo a sua palavra poderosa, o
universo deixaria de existir nesse mesmo átimo de segundo. É por
isso que o homem não vive só de pão, mas de toda palavra que
procede da boca de Deus (Dt 8.3; veja também Sl 104.24-30).
Desse modo, Cristo, como a Palavra de Deus criadora, sustenta “…
todas as coisas pela palavra do seu poder…” (Hb 1.3) e “… nele
tudo subsiste” (Cl 1.17).
Mas o que é o homem? Continuamos fazendo essa pergunta
assim como o salmista fez no salmo 8. As pessoas respondem a ela
de várias formas. O evolucionista ateu considera o homem o mais
complexo desenvolvimento de forma de vida graças a uma
combinação de tempo e acaso. O teísta ou cristão evolucionista
enxerga o homem como o resultado do tempo mais a intervenção
contínua de Deus no processo evolutivo. Outros se concentram na
descrição de algum aspecto do ser humano, como a sua estrutura
física, seus processos psicológicos ou suas relações sociais.
Os relatos da Criação, porém, nos ensinam que nenhuma
tentativa de definir os seres humanos é adequada se não incluir ao
menos o reconhecimento de nossa criação à imagem de Deus.
Ainda que hesitemos em definir o que isso significa, a realidade da
imagem de Deus nos diz que a humanidade não existe
verdadeiramente sem uma relação especial com Deus. Todas as
tentativas de definir o que significa ser humano necessariamente
fracassam quando deixam Deus de fora. Além do mais, faz parte da
relação entre Deus e o homem ser este informado de quais são as
suas funções (Gn 1.26-28). A sexualidade humana tem de ser
entendida na perspectiva dessa relação, assim como entendemos o
domínio que exercemos sobre a criação. A busca humana de
conhecimento e tecnologia, e, na verdade, todo o nosso
desenvolvimento cultural, são tarefas que Deus atribuiu a nós.
O homem é singularmente responsável diante de Deus. Ser
responsável significa prestar contas a alguém daquilo que fazemos.
Enfraquecemos o significado da palavra ao fazê-la se referir a uma
qualidade que os indivíduos têm em graus variados. Contudo, a
pessoa que talvez definamos como irresponsável e outra que
consideremos responsável devem igualmente prestar contas a
Deus. Somos responsáveis perante Deus, quer gostemos disso,
quer não, e não temos nenhuma escolha nesse assunto.
No âmago da responsabilidade humana está a liberdade. As
narrativas da Criação definem o significado de liberdade. Em
Gênesis 1.28, está implícito que fomos criados para fazer escolhas
reais entre opções reais, ainda que essa liberdade esteja ligada à
ordem de sermos frutíferos e sujeitarmos a terra. Sem a liberdade
de fazer escolhas reais, seria impossível dominar. Reconhecendo
isso, a maioria das versões da Bíblia traduz Gênesis 2.16 por
permissão para “… comer livremente…” de todas as árvores do
jardim. Não há “livremente” no texto hebraico, que, na verdade,
emprega aqui a mesma construção usada no versículo 17, “… com
certeza morrerás”. No contexto, vemos que Adão e Eva têm
liberdade para escolher o que comer de todas as árvores, mas eles
não têm nenhuma liberdade quanto às consequências de comerem
da única árvore proibida.
Assim, com a liberdade e a responsabilidade vem um teste de
obediência na proibição imposta de comer da árvore do
conhecimento do bem e do mal. Nada no texto dá a entender que o
fruto dessa árvore (que em momento nenhum é chamada de
macieira!) tenha algum atributo mágico que produza o conhecimento
do bem e do mal em qualquer um que o comer. Isso estaria
completamente em desacordo com a natureza da literatura bíblica.
É mais provável que Deus tenha designado a árvore como proibida
como um meio de mostrar a diferença entre o bem e o mal. A
escolha para Adão e Eva não era entre a ignorância e o
conhecimento do bem e do mal, mas entre permanecerem bons ou
se tornarem maus. A natureza do teste era tal que, qualquer que
fosse a escolha que fizessem, eles conheceriam tanto o bem como
o mal. Eles eram seres morais que conheceriam o bem e o mal pela
resposta pessoal deles a Deus. Deus não é uma força ou alguma
outra energia impessoal. Por mais difícil que nos seja conceber
Deus como pessoa sem ao mesmo tempo reduzi-lo a um ser sobrehumano, a Bíblia se refere a ele de modo sistemático com termos
pertinentes a uma pessoa. Ele é a origem de nossa pessoalidade.
O governo de Deus
e a imagem de Deus na humanidade significam que somos
singularmente responsáveis diante de Deus por tudo o que
fazemos.
O MODELO DO REINO
A Geração, ou Criação, dos céus e da terra, de todo o universo e
tudo o que nele há, concentra-se no povo de Deus no lugar onde foi
colocado para viver sob a orientação e o governo amorosos de
Deus. Adão e Eva vivendo diante de Deus no jardim do Éden nos
mostram o modelo do reino de Deus. Todas as relações essenciais
que estruturam o universo são estabelecidas nesses relatos da
Criação. Nestes últimos tempos, em que os avanços da ciência e
tecnologia têm sido imensos, não podemos confiar em novos
princípios como se os princípios bíblicos estivessem desatualizados.
A ciência pode nos capacitar a enxergar mais detalhes de apenas
algumas relações estabelecidas na criação.
Quando deu nome aos animais, Adão iniciou o processo de
observação, classificação e descrição que está no centro do
conhecimento científico. Entretanto, ele jamais poderia deduzir a
sua própria relação com Deus ou mesmo com o mundo tão somente
pela observação. Antes, foi a palavra de Deus que veio a Adão para
lhe dizer de que modo ele se relacionava com Deus e com o mundo.
É a palavra de Deus que informa ao homem que este deve ser
cientista e cuidador amoroso do mundo, e não um mágico e
explorador do mundo motivado pelo poder. A Criação indica que a
verdadeira ciência ou conhecimento precisa da revelação da palavra
de Deus para ter direção e não entrar no domínio da superstição e
magia. A Criação nos lembra de que teorias modernas que
enxergam como resultado do acaso a vida, a pessoalidade, o amor
e o valor moral há muito tempo abandonaram o domínio da
verdadeira ciência.
O modelo do reino de Deus é este: Deus constitui uma criação
perfeita, que ele ama e governa. A maior honra é dada à
humanidade como única parte da criação feita à imagem de Deus. O
reino quer dizer que tudo na criação se relaciona perfeitamente, isto
é, como Deus pretende que se relacione, com todo o resto e com o
próprio Deus.
O reino de Deus na criação
era tudo o que existe: Deus, humanidade e o restante da
criação, todos se relacionando perfeitamente uns com os outros
como Deus planejou.
CRIAÇÃO (GERAÇÃO) DO REINO DE DEUS
RESUMO
O resultado da Criação é o reino, com Deus, a
humanidade e tudo o mais que fora criado
relacionando-se perfeitamente.
TEMAS PRINCIPAIS
Soberania de Deus
Criação ex nihilo (do nada) pela palavra de Deus
Ordem e bondade na criação
Imagem de Deus no homem
Responsabilidade do homem perante Deus
ALGUMAS
CHAVE
PALAVRAS- Criação/Geração
Soberania
Imagem
Reino
O CAMINHO ADIANTE
Adão — Último Adão, 1Coríntios 15.45
Criação — nova criação, 2Coríntios 5.17
Céus e terra — novos céus e nova terra, Isaías
65.17; 2Pedro 3.13; Apocalipse 21.1
Observação: o diagrama acima representa o reino constituído por Deus, o
povo de Deus e o restante da criação, todos se relacionando como Deus
planejou. No fim de cada capítulo subsequente, esse diagrama será ampliado
de acordo com a revelação do reino em cada estágio na história da salvação.
Assim, observaremos o progresso contínuo da criação até a nova criação em
Cristo. O diagrama representa o ideal que é revelado. Contudo, por causa do
pecado, a experiência histórica nunca corresponde a esse ideal enquanto não
alcançarmos a pessoa de Cristo.
GUIA DE ESTUDO
1. Leia Gênesis 1 e 2. Faça uma lista dos aspectos que lhe
pareceram mais importantes no ensino desses capítulos.
2. Deus criou por sua palavra. Ele falou ao homem antes do
homem lhe falar ou entender a si mesmo. Como isso nos
ajuda a entender a autoridade da Palavra de Deus para nós
hoje?
3. Liste alguns motivos por que os cristãos não devem
negligenciar o ensino bíblico de que Deus é o Criador de
todas as coisas.
LEITURA COMPLEMENTAR
BONHOEFFER, Dietrich. Creation and Fall (London: SCM, 1959). caps.
1 e 2.
BT. cap. 3.
HAYWARD, Alan. Creation and evolution (London: Triangle, 1985).
HOUSTON, James. I believe in the Creator (London: Hodder &
Stoughton, 1979).
TILL, Howard J. Van. The fourth day (Grand Rapids: Eerdmans,
1986).
YOUNG, E. J. In the beginning (Edinburgh: Banner of Truth, 1976).
A Queda
Então o Diabo lhe disse: Se tu és o Filho de Deus, ordena que esta pedra
se transforme em pão. Jesus lhe respondeu: Está escrito: Nem só de pão o
homem viverá (Lc 4.3,4).
Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das
nossas fraquezas, mas alguém que, à nossa semelhança, foi tentado em
todas as coisas, porém sem pecado (Hb 4.15).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM GÊNESIS 3
A serpente persuadiu Eva a desobedecer a Deus e comer o fruto proibido.
Ela deu do fruto a Adão, que também comeu. Então Deus lhes falou em
julgamento e os expulsou do jardim para um mundo que também recebera
o mesmo julgamento e castigo.
TENTAÇÃO
O texto de Gênesis 3 também nos deixa com muitas perguntas não
respondidas. Por que uma serpente foi a tentadora da humanidade?
Onde o mal começou? No livro de Apocalipse a serpente é
identificada como o Diabo (Ap 12.9; 20.2), mas isso não nos informa
a origem do mal, e não há certeza de que a Bíblia chegue a dar
alguma pista para esse problema. Alguns propõem que Isaías
14.12-15 trata da revolta de Satanás contra Deus nos lugares
celestiais antes de atacar no Éden, mas a passagem está
efetivamente se referindo a um antigo rei da Babilônia (v. 4).
Nenhum texto bíblico nos informa por que Satanás se tornou mau
nem por que a serpente o representa no jardim do Éden. Entretanto,
a Bíblia não admite o dualismo do bem e do mal, em que as forças
do bem estão eternamente em conflito com as forças do mal.
O diálogo entre a serpente e a mulher retrata brilhantemente o
processo pelo qual a raça humana se tornou rebelde contra a
autoridade do Criador. As opiniões diferem muito quanto à natureza
exata desse relato. Alguns o consideram história absolutamente
literal, outros o veem como um relato simbólico de algo que
realmente aconteceu na história, ainda outros o consideram uma
espécie de mito ou alegoria do sempre presente problema do mal
em nossa condição humana. A narrativa da tentação, assim como
os relatos da Criação, é um texto literário incomum e único na Bíblia.
Quando a tratamos isoladamente, não é nada claro como devemos
entender essa passagem. É por isso que o evangelho e a
mensagem total da Bíblia devem nos guiar quando lidamos com ela.
Determinados elementos do ensino do Novo Testamento
consideram que a pessoa e a obra de Jesus Cristo respondem à
tentação e à Queda da humanidade conforme o registro de Gênesis
3. Nessa perspectiva, o evangelho só faz sentido se de fato houve a
tentação e a Queda reais, que alteraram radicalmente o curso da
natureza humana e a história da humanidade daí em diante. Temos
de afirmar que houve de fato um homem, Adão, por meio de quem o
pecado e a morte entraram no mundo, como Paulo diz em Romanos
5.12.
Vamos agora voltar à serpente e à mulher. A criatura astuciosa
começa fazendo uma pergunta religiosa: “… Foi assim que Deus
disse…?”. Até esse instante, não havia ocorrido à mulher a
possibilidade de discutir Deus e a verdade de sua palavra. Os seres
humanos existiam na criação de Deus e confiavam na palavra de
Deus para a interpretação verdadeira da realidade. No capítulo 3,
analisei essa questão relacionada a como podemos conhecer a
verdade; por isso, não vou repetir a discussão aqui. No entanto, é
importante reconhecer que, se Deus é o criador de tudo, ele
também é a fonte de toda a verdade. Não há verdade fora da sua
verdade, que ele nos comunica pela sua palavra. Deus é a
autoridade final e absoluta, e, visto que decidiu se comunicar pela
sua palavra, essa palavra tem autoridade absoluta e final. A
pergunta religiosa tem muito potencial para o mal, porque lança
dúvida sobre a autoridade da palavra de Deus.
Desse modo, a serpente faz a primeira pergunta: “… Foi assim
que Deus disse: Não comereis de nenhuma árvore do jardim?”. A
serpente sabia, e Eva também sabia, que Deus não dissera isso de
jeito nenhum. Apenas o fruto de uma única árvore era proibido. Eva
corrige a declaração da serpente, mas, ao fazê-lo, permite que a
palavra de Deus se torne para ela algo a ser questionado. Estavam
sendo lançadas dúvidas sobre as credenciais da palavra. Estava se
formando a hipótese de que a palavra não apenas podia ser
analisada e avaliada, mas provavelmente também devesse ser
analisada e avaliada. Mas com que base Eva poderia avaliar a
palavra de Deus? Qualquer padrão para pôr à prova a verdade da
palavra de Deus teria de ser a palavra de uma autoridade ainda
maior que Deus, o que é impossível.
A próxima afirmação da serpente efetivamente contradiz a
palavra de Deus: “… Com certeza, não morrereis”. A oposição à
autoridade de Deus agora é direta. Deus não disse a verdade
quando advertiu: “… no dia em que dela comeres, com certeza
morrerás” (Gn 2.17). Isso era, segundo a acusação da serpente,
uma mentira deliberada: “Na verdade, Deus sabe que no dia em que
comerdes desse fruto, vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus,
conhecendo o bem e o mal” (Gn 3.5). Desse modo, Deus é acusado
de ser motivado pelo egoísmo. Isso significa que ele não é amoroso
nem digno de confiança.
A tentação:
A insinuação de Satanás de que a palavra de Deus não poderia
ser invocada como a autoridade absoluta e a fonte de verdade
para a humanidade.
QUEDA
De novo se percebe a astúcia da serpente porque ela apresenta as
suas mentiras no contexto da verdade. Comer o fruto proibido
significava de fato que os seres humanos passariam a conhecer o
bem e o mal (Gn 3.22). O processo pelo qual eles alcançaram isso
incluiu a rebeldia contra a verdade e a sua fonte. Ao invés de
conhecer o bem e o mal rejeitando o mal e permanecendo bons,
eles preferiram rejeitar o bem e se tornarem maus. A principal
consequência disso é que Deus deixou de ser considerado o
autoevidente Criador e Senhor. A palavra dele não é mais
reconhecida como verdade autoevidente, e sim reduzida à condição
da palavra da criatura. Tanto Deus quanto a sua palavra são
considerados autoridades menores que devem ser testadas
constantemente por autoridades mais elevadas. Mais uma vez, a
astúcia da serpente: ela não propõe que os seres humanos
transfiram a lealdade a Deus para ela, mas apenas que eles
mesmos devem examinar e avaliar a reivindicação de Deus de que
ele é a verdade. A consequência final foi a mesma, como se eles
tivessem investido Satanás com a autoridade de Senhor; contudo,
isso ocorreu sem que os seres humanos percebessem. O casal se
rebelou contra Deus não por fazer conscientemente de Satanás a
nova autoridade definitiva, mas por terem eles mesmos assumido
essa função. Desse momento em diante, a verdade de qualquer
proposição passaria a ser testada pelo que estava nos próprios
seres humanos. Nesse sentido, eles se tornaram como Deus.
Assim, a mulher fez o inconcebível. Decidiu que não se pode
confiar em Deus. Tomou do fruto proibido, comeu e em seguida o
deu ao homem, que também dele comeu. Embora não tenhamos
como saber por qual processo, esse ato de desobediência fez eles
terem consciência da própria nudez.
A primeira reação dos dois foi cobrir a nudez (Gn 3.7). Por quê?
Seguindo a sabedoria mundana de hoje, pessoas expressam a
rebeldia contra Deus exibindo a própria nudez e ostentando a
sexualidade. A fornicação e o adultério não eram problema para
Adão e Eva, uma vez que eles eram parceiros sexuais legítimos.
Ainda assim, a sensação de vergonha é mencionada como o
primeiro efeito do pecado contra Deus. A vergonha se manifesta
novamente quando Adão alega que sua nudez é causa de medo
diante de Deus (Gn 3.10). Seria esse o primeiro sinal de distúrbio da
consciência, o conflito entre a harmonia da imagem de Deus e a
discórdia do pecado? Será que a rebeldia contra o Criador significa
negação da condição de criatura, em que a sexualidade é o
lembrete de que não temos capacidade de criar, mas somente de
procriar? Do mesmo modo que a presença de Deus no jardim expõe
exatamente o que eles negaram, isto é, sua existência e seu ser
limitados, também a sexualidade os faz lembrar de sua
interdependência e contesta suas presunções de independência e
de serem como Deus. Desajeitadamente, eles tentam se cobrir, mas
aprendem que é muito difícil abafar a consciência. Nem é possível
ludibriar os olhos do Criador, capazes de enxergar tudo.
A Queda foi um gigante salto para cima terrivelmente malogrado,
simplesmente porque não podia dar certo. Descontente com sua
condição humana, o casal foi atrás de divindade. Ao cobiçarem um
trono que não lhes pertencia, os dois perderam os privilégios que já
tinham. Eles se degradaram tentando se tornar o que nunca
poderiam ser. A consequência não foi a “condição humana” para a
qual a humanidade sempre apela a fim de desculpar seus pecados
menores, mas, sim, uma condição menos do que humana, porque
não mais consiste essencialmente em uma relação com Deus
caracterizada por amor e confiança.
A Queda:
Rebelião de toda a raça humana contra Deus mediante o ato
histórico de nossos primeiros pais. A desobediência deles foi
uma tentativa fracassada de se tornarem como Deus.
JUÍZO
Quando confrontado por Deus, o homem culpa a mulher, e esta, por
sua vez, culpa a serpente (Gn 3.12,13). Desse modo, ambos culpam
a Deus. Adão acusa a mulher, que Deus lhe deu como companheira
e por quem Deus é, portanto, responsável. Eva culpa a serpente,
que é uma criatura de Deus e por quem Deus também é
responsável. No entanto, os seres humanos é que são responsáveis
pelo que fizeram. O primeiro e mais danoso crime deles foi rejeitar a
autoridade da palavra de Deus.
A passagem de Gênesis 3.14-24 trata do juízo de Deus sobre a
desobediência da humanidade. Alguns aspectos desse relato, em
razão da própria natureza da narrativa, são difíceis de entender. Por
exemplo, o que significou amaldiçoar a serpente? Deus não
questiona a serpente. Como propõe um comentarista, talvez isso
ocorra porque, como animal, ela não pode ter responsabilidade
nenhuma pelo pecado, enquanto Satanás não tem nenhuma
esperança de perdão. A serpente é amaldiçoada, mas não se pode
sugerir que a tentação no Éden foi o pecado original de Satanás,
que trouxe sobre ele o juízo de Deus. É possível que a forma da
serpente — rente ao chão, sem pés e rastejante no pó — simbolize
a maldição sobre a criação. O texto diz que ela será maldita “mais
que toda besta e mais que todos os animais do campo” (v. 14,
ARC), isto é, ela é mais amaldiçoada do que todas as outras
criaturas. Todas de algum modo seriam amaldiçoadas, mas a
serpente, como agente de Satanás, manifestaria a maldição com
mais intensidade.
O texto de Gênesis 3.15 às vezes é chamado de o
protoevangelho, a primeira alusão ao evangelho. Isso porque a
inimizade entre a descendência da serpente e a descendência da
mulher prenuncia o conflito entre Cristo e Satanás. O Novo
Testamento dá apenas uma base sumária para isso quando afirma
que Deus esmagará Satanás sob os pés dos cristãos (Rm 16.20). É
possível que o fato de o Filho de Deus ter nascido de uma mulher
também relembre essa predição (Gl 4.4). A palavra de maldição
sobre a serpente implica graça para a raça humana e recuperação
da Queda.
O juízo sobre a mulher (Gn 3.16) introduz a dor como uma
realidade do mundo caído. Não é simplesmente que a dor física
passa a ser nossa sina, mas também que há uma perturbação na
relação humana mais íntima, a do casamento entre um homem e
uma mulher. Paixão e poder passam a caracterizar os instintos do
homem caído, e o prazer das relações sexuais será acompanhado
de dor e tristeza.
O castigo de Deus sobre o homem é o mais abrangente (Gn
3.17-24). Na criação, ele (e Eva) havia recebido o domínio sobre
toda a terra e todas as outras criaturas. Agora esse domínio é
contestado em todos os lugares pela própria terra. O rebelde contra
o governo legítimo recebe um pouco de seu próprio veneno e sofre
a rebeldia contra o seu governo legítimo. A maldição sobre o solo é
na verdade uma maldição sobre Adão. O rei da terra agora não tem
no solo um servo obediente. A liberdade de comer do fruto de todas
as árvores do jardim é substituída pela luta para fazer a terra
produzir o necessário pão de cada dia. Onde as plantas alimentícias
crescem com dificuldade vicejam ervas daninhas. O fim do homem é
alimentar a terra voltando ao pó do qual veio.
Por fim, os seres humanos perdem o paraíso. O quadro da
Queda e do juízo se completa quando a raça humana é expulsa do
lugar onde a vida é vida de verdade. Daí em diante o que os seres
humanos chamam de vida é a existência em meio à morte. A
narrativa não recorre à distinção entre morte física e morte
espiritual. Se Deus diz: “… no dia em que dela comerdes, com
certeza morrerás”, então, o que se descreve aqui é a morte. Viver é
viver em comunhão com Deus. Quando a rebeldia destrói essa
comunhão, a sentença de morte é executada. No entanto, não é
destruição imediata. A raça humana, apesar de morta, continua,
multiplica-se e prossegue, de algum modo, portando a imagem de
Deus. A graça de Deus permite que a raça morta exista para que
um propósito maior se cumpra nela. Enquanto isso, cada indivíduo
da raça de Adão aguarda a experiência inevitável e definitiva da
morte. Essa continuação da raça, em vez da destruição imediata,
prenuncia o fato extraordinário de que, pela bondade de Deus, a
humanidade está aqui para ficar.
O juízo:
O pecado original da humanidade trouxe a sentença de morte.
A comunhão com Deus foi destruída, o domínio humano
encontra oposição e os seres humanos enfrentam a morte
inevitável. Contudo, juntamente com o juízo, a graça de Deus
opera para o bem da raça humana.
CONFLITO HUMANO
A narrativa não nos diz como Adão e Eva perceberam seu estado
após a Queda. Fora do Éden, temos apenas duas declarações
atribuídas a Eva, que são expressões de fé (Gn 4.1,25). O texto de
Gênesis 4 ilustra a pecaminosidade humana e qual é sua
consequência lógica nas relações entre as pessoas. Caim não
aceita o veredito de Deus, que rejeitou a sua oferta e aceitou a de
seu irmão. Ele reage com ira direcionada contra Abel e o mata.
Desse modo, demonstra-se que o conflito humano é a consequência
da quebra da comunhão com Deus. Quando uma pessoa se ira
contra outra, a ira contra a graça de Deus é demonstrada. A
aceitação da oferta de Abel não é explicada, e qualquer tentativa de
fazer isso incorre no risco de obscurecer a soberania da graça:
Deus tem misericórdia de quem ele quer ter misericórdia. O fato de
Abel ter feito sua oferta “pela fé” (Hb 11.4) não exclui a realidade da
graça.
A graça demonstrada a Abel representa a bondade de Deus que
será demonstrada a homens e mulheres ao longo dos séculos. Ela
provocou a ira de Caim e assim evidenciou seu efeito de causar
uma distinção real entre os que a recebem e os que não a recebem.
Essa distinção é parte essencial e constante da revelação em toda a
história bíblica. No entanto, a soberania da graça não deve ser
interpretada equivocadamente como um fatalismo cruel. O primeiro
homicida recebe um juízo semelhante ao juízo sobre Adão (Gn
4.11,12). A terra se opõe a ele, que é expulso de seu território
familiar. A misericórdia também se faz presente, pois Deus lhe põe
uma marca a fim de o proteger da vingança dos homens (Gn 4.15),
ainda que ele tenha perdido todo o direito a essa proteção. Existe a
graça que age para os impenitentes a fim de preservar a raça
humana.
Os descendentes de Caim são marcados por um afastamento
ainda maior de Deus. Caim construiu uma cidade para tentar, ao
que parece, obter segurança daqueles que o matariam. As cidades
figuram com destaque na Bíblia como expressão da perversidade
humana. Babel, Sodoma e Gomorra, as cidades do Egito e de
Canaã e, por fim, Babilônia e Roma, todas representam a
concentração da impiedade humana. Não é a sociedade humana
em si que é errada, mas o uso que dela é feito para fugir das
implicações do direito divino de dominar. Há uma cidade de Deus —
Jerusalém, ou Sião —, mas ela vem a ser a cidade onde o Filho de
Deus é condenado à morte. Somente a Jerusalém celestial, cujo
construtor e criador é Deus, proporciona à sociedade humana uma
relação perfeita com o governo de Deus.
Os descendentes de Caim se notabilizaram pela domesticação
de animais, pela música e pela arte em geral, bem como pela
violência (Gn 4.17-24). Nisso se evidencia a bondade de Deus, ou
graça comum, contínua em um mundo de gente ímpia, junto com as
demonstrações cada vez maiores de maldade. A sociedade, a
domesticação de animais e as artes não são inerentemente más,
porém todas têm um grande potencial para o mal, como mostram
alguns de nossos problemas sociais e ambientais modernos. Pela
graça de Deus, a sociedade humana continua, mas ela traz em seu
seio as sementes da autodestruição no colapso das relações
humanas. Essa graça é a dádiva da preservação da raça durante
um tempo, mas não é a graça que age para redimir um povo e lhe
restaurar a amizade com Deus.
As relações humanas
se rompem como um efeito direto da ruptura da relação entre
Deus e a humanidade. Todo conflito humano reflete nosso
conflito com Deus.
A MALDADE DA HUMANIDADE
A passagem de Gênesis 6 retrata o auge da maldade humana. Os
filhos de Deus começaram a se casar com as filhas dos homens, e
isso acarreta o juízo de Deus (Gn 6.1-4). Esse breve trecho é difícil
tanto de traduzir (compare o versículo 3 da RSV [e da A21] com o
da NIV [e da NVI], por exemplo) quanto de interpretar (Quem são os
filhos de Deus e quem são as filhas dos homens?). Os 120 anos
concedidos aos homens talvez signifiquem uma redução na
longevidade até então enorme — os 969 anos de Matusalém ou os
777 anos de Lameque —, ou podem se referir ao tempo que restava
antes da destruição da sociedade pelo Dilúvio.
As coisas estavam bem ruins para a humanidade quando lemos
que “pesou” no coração de Deus ele ter criado as pessoas na terra
(Gn 6.5-7). Isso dá a entender que, qualquer que tenha sido o
problema envolvido no casamento entre os filhos de Deus e as filhas
dos homens, para Deus isso foi a gota d’água da maldade cada vez
maior no mundo. O juízo que se seguiu na forma do Dilúvio também
é difícil de entender. Não estou me referindo aqui aos problemas
históricos muitas vezes levantados, como, por exemplo, qual foi a
extensão do Dilúvio e que registros geológicos ele deixou. Antes, a
dificuldade é saber qual é o significado teológico do Dilúvio. A morte
já era realidade como castigo sobre o pecado. Deus evidentemente
não usa o Dilúvio para mostrar que está retirando a sua graça, pois
Noé encontrou graça diante dele tanto para a preservação da raça
quanto para a salvação de um povo para Deus. O Dilúvio tampouco
resolve o problema da maldade dos homens, como a história
subsequente da raça humana mostrará.
Quando a Bíblia registra morte e destruição pelas mãos de Deus,
muitas pessoas reagem com um sentimento de indignação moral.
Esses juízos têm de ser entendidos pelo que são, porque a Bíblia os
apresenta coerentemente como a expressão da justiça de Deus. O
juízo é sempre merecido por quem o sofre. O juízo de Deus no
Dilúvio foi expressão de sua justiça, na qual se vê a graça agindo
para resgatar um grupo de pessoas que, embora não merecessem,
foram escolhidas. O Dilúvio não purgou a terra da maldade, e não
podemos pensar que era esse o seu propósito. Ele foi um dos
muitos juízos que ocorreram na história humana prenunciando o
destino final da humanidade rebelde. Diante desses juízos se pode
entender a natureza da salvação. Em toda a Bíblia, a salvação e o
juízo são aspectos inseparáveis e complementares da ação de Deus
de trazer o seu reino.
O juízo de Deus
continuou sendo executado depois da primeira sentença de
morte e da expulsão do Éden. Os juízos na história bíblica
prenunciam o juízo final e evidenciam a situação da qual Deus
nos salva.
QUEDA (DEGENERAÇÃO) DA CRIAÇÃO
RESUMO
A rebeldia da humanidade contra Deus resulta
na Queda de toda a ordem criada de seu lugar
no reino de Deus.
TEMAS PRINCIPAIS
Tentação
Desobediência
A humanidade se torna autocentrada, e não
centrada em Deus
Juízo e morte
Perturbação de todas as relações na criação
Graça de Deus
ALGUMAS
CHAVE
PALAVRAS- Queda
Juízo
Morte
Graça
O CAMINHO ADIANTE
Tentação de Adão — tentação de Israel —
tentação de Cristo, Lucas 4.1-12
Serpente — Satanás, Apocalipse 12.9
Éden
perdido
—
Éden
recuperado,
Deuteronômio 8.7-9;
Ezequiel 47.1-12; Apocalipse 22.1-6
Juízo — juízo final, Mateus 7.15-23; Apocalipse
20.11-15
O REINO E A QUEDA
O propósito supremo de Deus para o seu reino é que ele não
retirará o seu amor do universo caído. Entretanto, o pecado da
humanidade resultou na confusão de todas as relações entre Deus
e a criação, e entre toda as criaturas. Deus ainda é soberano, e
mesmo a rebeldia humana jamais frustrará o seu propósito.
Contudo, esse governo soberano de Deus no universo caído precisa
ser distinguido do reino de Deus. O reino é o governo de Deus sobre
o seu povo em um domínio em que todas as relações são perfeitas.
O universo caído é exatamente o oposto do reino. Somente pela
salvação o reino será restaurado, pois a salvação é Deus trazendo
todas as coisas de volta às suas relações corretas. É trabalho da
teologia bíblica descrever como a Bíblia revela essa restauração
ocorrendo.
A rebeldia da humanidade
perturbou todas as relações do reino. Deus, a humanidade e o
restante da criação não se relacionam mais do modo perfeito
que Deus planejou.
GUIA DE ESTUDO
1. Leia Gênesis 3 e observe os estágios pelos quais a serpente
instiga os seres humanos a se rebelarem contra Deus.
2. De que maneira nossa condição humana se perdeu na
Queda?
3. Como a Queda afetou a harmonia das relações que existia
desde a Criação?
4. Como a graça de Deus se mostra concomitante ao juízo
divino?
LEITURA COMPLEMENTAR
BONHOEFFER, Dietrich. Creation and Fall (London: SCM, 1959). caps.
3 e 4.
BT. cap. 3.
ROBERTSON, O. Palmer. The Christ of the covenants (Phillipsburg:
Presbyterian & Reformed, 1980).
______. O Cristo dos pactos. 2. ed. Tradução de Américo Justiniano
Ribeiro (São Paulo: Cultura Cristã, 2011). Tradução de: The
Christ of the covenants.
YOUNG, E. J. Genesis 3 (London: Banner of Truth, 1966).
A primeira revelação da redenção
Pois a vinda do Filho do homem se dará à semelhança dos dias de Noé
(Mt 24.37).
… Por meio da fé, [Noé] condenou o mundo e tornou-se o herdeiro da
justiça segundo a fé (Hb 11.7).
ESBOÇO DA TEOLOGIA BÍBLICA EM GÊNESIS 4
—11
Caim e Abel nasceram de Adão e Eva, fora do Éden. Caim assassinou
Abel, e Eva deu à luz mais um filho, Sete. A raça humana acabou se
tornando tão má que Deus resolveu destruir todo ser vivente com um
dilúvio. Noé e sua família foram salvos construindo um grande barco por
ordem de Deus. A raça humana recomeçou por meio de Noé e seus três
filhos com suas famílias. Algum tempo depois do Dilúvio, a raça humana
ainda unificada empreendeu um ato ímpio para afirmar o seu poder na
construção de uma torre elevada. Deus frustrou esses planos dispersando
as pessoas e confundindo a língua delas.
O COMPROMISSO DE DEUS
O contexto da obra de Deus de resgatar pecadores é o seu
compromisso com sua criação. Não há nenhum indício nas
Escrituras de que Deus criou o universo como um experimento ou
com a intenção de descartá-lo depois de um tempo. Quando Deus
viu que tudo era muito bom (Gn 1.31), aprovou tudo o que havia
feito e colocou o seu amor sobre tudo. A força do compromisso de
Deus se torna mais clara à medida que a narrativa avança. A
rebelião da humanidade traz o juízo, mas não a destruição
instantânea. Deus preserva a ordem no universo e na sociedade
humana e, ao mesmo tempo, começa a revelar o seu propósito para
superar os efeitos do pecado humano.
A narrativa de Gênesis menciona que, no meio do jardim do
Éden, havia duas árvores: a árvore da vida e a árvore do
conhecimento do bem e do mal. Os seres humanos foram proibidos
apenas de comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do
mal. Temos de partir do pressuposto de que a árvore da vida estava
à disposição deles e que simbolizava a dádiva da vida eterna. Se
tivessem rejeitado o tentador, a obediência deles a Deus teria sido
simbolizada pelo fato de compartilharem da árvore da vida. Uma vez
que ficaram conhecendo o bem e o mal pela desobediência, eles
não podem desfrutar do fruto da árvore da vida e são expulsos do
jardim. Contudo, a árvore permanece e, apesar de não ser um tema
em destaque na Bíblia, ela reaparece como um símbolo da vida
eterna para os que foram redimidos (Ap 2.7). Deus pune os
pecadores negando-lhes a vida eterna. Nisso também se mostra a
misericórdia de Deus, porque o reino de Deus exige que toda
rebelião seja erradicada. O próprio ato de juízo é um sinal do
compromisso de Deus com a humanidade de que, apesar de ainda
não sabermos como, haverá uma raça de pessoas vivendo para
sempre como amigos de Deus.
Após a morte de Abel pelas mãos de Caim, Adão e Eva têm mais
um filho, a quem dão o nome de Sete (Gn 4.25). Eva reconhece que
Deus lhes deu mais um filho no lugar de Abel. Mas esse filho não é
simplesmente uma restituição por terem ficado com um filho a
menos. Antes, Sete passa a ocupar o lugar do justo Abel como um
testemunho da bondade de Deus agindo na raça humana. Sete é o
cabeça de uma nova linhagem de pessoas por meio da qual as
bênçãos de Deus virão ao mundo. Nesse tempo, as pessoas
começam a invocar o nome do Senhor (Gn 4.26). Tanto Caim como
Abel, a primeira geração de pessoas de fora do Éden, sacrificaram a
Deus, e isso mostrou que o juízo não tirou deles a percepção da
realidade de Deus e a necessidade de se relacionar com ele. Os
descendentes de Sete agora começam a adorar a Deus invocando o
seu nome. Invocar o nome de Deus significa expressar fé e
confiança no Deus que revelou o seu caráter. Na época dos
profetas, significa crer em Deus para a salvação (Jl 2.32).
Essa linhagem piedosa, mas ainda pecaminosa, dos
descendentes de Sete é descrita em Gênesis 5 como os
descendentes legítimos de Adão. Parece que o autor desse relato
escolheu e organizou esse material a fim de incutir em nós a
importância teológica dessa linhagem. De Adão até Noé há uma
conexão direta que passa por Sete, e toda essa linhagem contrasta
com a linhagem ímpia de Caim, em Gênesis 4.
O compromisso de Deus com a criação
se vê na preservação da humanidade e no estabelecimento de
uma linhagem de pessoas que são o alvo do amor redentor
especial de Deus.
NOÉ E A ALIANÇA
Duas palavras importantes são empregadas pela primeira vez na
narrativa de Noé (Gn 6—9). São elas graça e aliança. Embora a
humanidade, por causa de sua maldade, provoque a ira de Deus,
Noé encontra graça aos seus olhos (6.8). Ele era um homem justo e
íntegro, e andava com Deus. Em outras palavras, Noé vivia pela fé
na palavra de Deus qualquer que fosse o modo que esta chegasse
a ele. Quando a palavra lhe veio como uma ordem específica de
construir uma arca, Noé obedeceu mesmo não percebendo
claramente a razão para que essa embarcação enorme fosse
construída. Quando o motivo se tornou evidente, ele e sua família
foram salvos da devastação do Dilúvio. A graça não tem explicação
clara aqui. A expressão hebraica “Noé […] encontrou graça aos
olhos do SENHOR” não significa nada mais que “Deus gostou dele”.
Aqui, a ênfase da expressão está no que Deus faz pelo homem de
quem ele gosta. Ele o resgata. A justiça de Noé é simplesmente
mencionada ao lado da graça de Deus, sem nenhum comentário se
ela é a causa ou o efeito da atitude Deus para com ele. Depois vai
ficar muito mais claro que a graça de Deus é a causa de pessoas
pecaminosas se tornarem justas. A graça, portanto, é uma atitude
de Deus para o bem daqueles que não merecem o bem.
Ao orientar Noé sobre como sobreviver ao Dilúvio, Deus lhe diz:
“Mas estabelecerei contigo a minha aliança; tu entrarás na arca…”
(Gn 6.18). Essa é a primeira referência a aliança, palavra que se
tornará um termo bíblico fundamental empregado para expressar a
relação entre Deus e o seu povo. Na vida comum, aliança é uma
palavra que pode ser usada para designar um acordo ou contrato
entre pessoas, que é um compromisso obrigatório para todos os
participantes. Entretanto, só podemos compreender o significado da
aliança de Deus observando como ela opera e qual é seu efeito.
A primeira referência a aliança, portanto, significa o compromisso
de Deus de salvar Noé e sua família da destruição. Essa salvação
não significa em si a vida eterna, mas é preciso dizer que ela
certamente aponta para essa direção. A vida eterna como o Novo
Testamento a define está muito além do que uma pessoa do Antigo
Testamento podia vislumbrar. As expressões de salvação
veterotestamentárias estavam relacionadas aos acontecimentos
históricos desta vida, e seu progresso rumo ao pleno entendimento
neotestamentário de vida eterna é uma das coisas que o nosso
estudo da teologia bíblica vai expor. Temos razão para nos referir à
primeira afirmação da aliança como uma aliança de salvação, não
obstante o significado pleno de salvação ainda estivesse por ser
revelado.
Noé e sua família demonstram confiança na palavra de Deus
obedecendo. Eles existem em uma relação singular com Deus
juntamente com todos os animais a bordo de seu pequeno mundo
flutuante. Quando desembarcam em um mundo novo, Deus promete
que, embora a humanidade, incluindo Noé, ainda seja inclinada para
o mal, ele nunca mais destruirá o mundo com as águas de um
dilúvio (Gn 8.21). Deus ordena que Noé encha a terra e exerça
domínio, exatamente como ordenou a Adão (9.1-3). Em seguida,
vem a segunda referência à aliança (9.8-17), que é o compromisso
de Deus de nunca repetir o Dilúvio.
Nessas duas declarações da aliança, Deus dá o primeiro passo e
estabelece uma relação que funciona para o bem da criação. Ele a
chama de “minha aliança” em cada uma das vezes e, embora os
detalhes sejam diferentes, devemos dizer que são expressões
diferentes da única aliança. Além disso, agora está evidente que a
aliança é uma expressão da relação que sempre existiu, pois todas
as coisas foram criadas por Deus. Ele se recusa a permitir que a
rebeldia humana o desvie de seu propósito de criar um povo para
ser o seu povo em um universo perfeito.
O compromisso de Deus com a criação
se manifesta na aliança com Noé. O resgate de Noé e de sua
família prenuncia a restauração da raça humana. Isso leva à
promessa de que a terra também será preservada.
A DIVISÃO DA HUMANIDADE
Noé e sua família deixam a segurança da arca e se tornam o novo
começo da raça humana (Gn 9.19). A narrativa relata como Noé um
dia se deitou completamente embriagado e qual foi a reação de
seus filhos. A consequência disso foi uma nova divisão entre as
pessoas decorrente das bênçãos e maldições que Noé pronunciou
sobre seus filhos. Canaã, filho de Cam, é amaldiçoado, e Sem,
abençoado, enquanto Jafé compartilha das bênçãos de Sem (Gn
9.20-27). Essa passagem apresenta algumas dificuldades. O
significado claro do texto é que apenas Noé e sua família
sobreviveram ao Dilúvio, e todas as nações da terra descendem
deles. As genealogias (árvores genealógicas) de Gênesis 10 se
baseiam na palavra profética de Noé a respeito dos três filhos. Mas
por que o filho mais novo de Cam é escolhido para ser amaldiçoado
pelo pecado de seu pai? Que relação essas palavras têm com o
futuro das nações mencionadas? Podemos pelo menos dizer que a
bênção de Sem indica o lugar especial que ele e os seus
descendentes têm no propósito de Deus. Esse propósito está de
acordo com a aliança com Noé.
É difícil identificar todas as nações mencionadas nas
genealogias. A menção da linhagem de Sem por último indica o
significado especial que ela tem no propósito de Deus. Isso é
confirmado posteriormente na genealogia mais detalhada de Sem
até Abraão (Gn 11.10-32). Ser descendente natural de uma
linhagem escolhida se mescla com a graça soberana de Deus, que
pode transcender e de fato transcende todos os limites naturais ao
longo da história da redenção. O significado dessas divisões vai
ficando mais claro à medida que a história se desenvolve.
Independentemente de como funcionam essas identidades
nacionais (Gênesis 10 é vago a esse respeito), a subsequente
combinação da graça soberana com a eleição nacional envolve três
tipos de pessoas: o povo da aliança escolhido como nação, outras
pessoas de nações não eleitas, que surpreendentemente são
incluídas nas bênçãos da aliança nacional, e as nações que
permanecem fora da aliança. Como o evangelho qualifica essas
divisões veremos mais adiante.
Entre os quadros das nações e a genealogia detalhada de Sem
até Abraão encontramos mais uma passagem difícil: o relato da
Torre de Babel. Temos aí uma retrospectiva de um período anterior
à divisão das nações e seus idiomas. Como conciliar isso
historicamente com os fatos pós-diluvianos de Gênesis 9.18-28 não
está claro. A narrativa (11.1-9) indica que a raça humana tinha
planos de união e poder com base em interesse próprio. A unidade
em si não é ruim; na verdade, ela é uma marca do povo de Deus
quando este corresponde ao propósito divino. Contudo, unidade sob
o governo de Deus é uma coisa, e unidade como arrogante
independência de Deus é outra. Em Babel, vemos uma expressão
coletiva da tentativa original de Adão e Eva de tirar Deus de sua
posição legítima de Senhor do universo. Numa relação correta com
Deus, as pessoas precisam apenas da aprovação de Deus para se
realizarem. No entanto, os pecadores não se satisfazem de ser
conhecidos pelo nome de Deus e buscam sua própria reputação e
fama.
Para que essa rebeldia contra Deus não demonstrasse uma força
indivisa, Deus confunde a unidade que as pessoas desejavam
manter para seus fins maléficos. Não ficamos sabendo exatamente
como isso se deu, mas teologicamente é considerado mais uma
demonstração do juízo de Deus sobre toda a raça humana. Apesar
do desejo de unidade universal, o que houve foi a fragmentação
inevitável da sociedade em unidades menores, todas buscando sua
própria primazia. O pecado causa divisão na vida humana. A
confusão de línguas e a divisão das nações caracterizará a
humanidade pecadora até que o poder redentor de Deus una em
Cristo um povo tirado de todas as nações, tribos e línguas (Ap 7.9).
A aliança de Deus
distingue os que são escolhidos como objeto de bênção, os que
de algum modo vão compartilhar dessa bênção e os que estão
sob juízo.
AS DUAS LINHAGENS DA RAÇA HUMANA
Quando estudamos Gênesis 4—11, podemos observar que alguns
elementos fundamentais se destacam. Um deles é a divisão da
humanidade em pelo menos dois grupos principais que têm relação
bem diferente com Deus mediante a aliança divina. A aliança
permanece como a recusa de Deus de permitir que o pecado
destrua o seu propósito de criar para si um povo que tenha com ele
um relacionamento perfeito. Esse compromisso existia antes da
rebeldia de Adão e Eva, e a sua expressão como uma aliança de
redenção mostra que Deus é sempre fiel às suas promessas,
mesmo quando elas são dirigidas para um povo que rejeita o seu
amor. A graça de Deus é o seu compromisso amoroso incessante
com uma raça que agiu de um modo que não só não merece esse
amor, mas, na realidade, merece exatamente o oposto.
A humanidade sem Deus é representada na linhagem de Caim.
Digo representada porque temos de supor que até os descendentes
de Sete, exceto Noé, estão entre os ímpios da época do Dilúvio.
Essas genealogias a princípio se baseiam na descendência natural,
mas o real caráter delas é mostrar a distinção entre dois tipos de
pessoas: as que estão debaixo da graça e as que estão sob a
maldição. Nessa perspectiva, portanto, a linhagem ímpia de Caim
termina no Dilúvio. Mas não é tão fácil se livrar do pecado. A
linhagem piedosa de Sete, que chega a Noé, sobrevive com a
família de um só homem e acaba por se dividir novamente, de modo
que mais uma raça ímpia surge por meio de Canaã. A linhagem de
Sem dá continuidade à linhagem de Sete e chega a Terá, o pai de
Abraão. Shem é a palavra hebraica para designar “nome”, e a raça
ímpia busca o seu shem por seus próprios esforços (Gn 11.4), mas
acaba sendo frustrada pelo castigo de Deus. Isso contrasta com a
linhagem piedosa de Sem, a qual mostra que podemos obter um
nome tão somente como objetos da graça salvadora de Deus. A
única reputação que conta é ser conhecido como o povo de Deus,
povo que se chama pelo nome dele.
Esses primeiros capítulos da Bíblia demonstram que os planos
de Deus para o resgate da humanidade envolvem uma distinção
contínua entre os resgatados pela graça e os perdidos em
consequência do juízo sobre seus pecados. No Antigo Testamento,
o destino final das pessoas sob juízo nem sempre é claro; todavia,
existe uma distinção constante que nos remete para a doutrina
neotestamentária da eleição para a vida eterna. Assim, Abel, não
Caim, encontra favor de Deus. Noé e sua família são salvos,
enquanto o resto da raça humana perece. Jafé compartilha das
bênçãos de Sem, e Canaã é amaldiçoado. Por fim, entre a multidão
da humanidade sob juízo, um só homem é escolhido, Abraão, o
chefe de uma família mediante a qual o plano redentor de Deus se
realizará.
A distinção entre os escolhidos e os não escolhidos não se
baseia nem um pouco nas pessoas envolvidas. Isso não é tão óbvio
nos estágios iniciais da revelação bíblica, e alguns talvez se
inclinem a aventar que Abel, Sete, Noé, Sem e Abraão tinham
algumas virtudes de fé ou boas obras que justificassem sua escolha.
Esse tipo de visão solapa o significado da graça como fica claro no
uso bíblico mais amplo e é explicitamente negado em muitas partes
das Escrituras. Essa escolha, ou eleição, de Deus é entendida como
absolutamente incondicional. A razão de Deus escolher um e não
outro pertence somente a ele, pois nenhum rebelde contra o Senhor
Deus soberano merece ser escolhido nem jamais pode fazer algo
que convença Deus a escolhê-lo.
A aliança de Deus
se manifesta em sua efetivação em um plano de redenção. Isso
envolve a eleição de indivíduos representativos por cujo
intermédio o plano de Deus será levado a efeito. A eleição não
se baseia em qualidade alguma dos eleitos.
PRIMEIRAS PROMESSAS DE REGENERAÇÃO
RESUMO
Imediatamente depois da Queda, Deus inicia a
sua obra de restauração de toda a ordem criada
para a correta relação com ele. Ele age com
base em seu compromisso de aliança com a
criação e revela o seu reino pela eleição de
algumas pessoas por intermédio de quem ele
realizará os seus propósitos.
TEMAS PRINCIPAIS
O compromisso da aliança de Deus com o seu
povo apesar da rebeldia desse povo
Eleição com base na graça
Divisão da raça humana em eleitos e não eleitos
ALGUMAS
CHAVE
PALAVRAS- Aliança
Eleição
Vida
O CAMINHO ADIANTE
Noé — batismo cristão, 1Pedro 3.20,21
Eleição de Abraão — Eleição de Israel —
Eleição de Cristo — Eleição daqueles que
estão em Cristo, Efésios 1.3-10
GUIA DE ESTUDO
1. Prepare um esboço ou diagrama de Gênesis 4—11 que
apresente a história teológica (aliança) da humanidade de
Adão até Abraão.
2. Quais são os principais elementos concernentes à aliança
que aparecem em Gênesis 1—11? É realista falar de aliança
de Deus feita com a criação já bem no início?
3. De que modo a história de Noé e do Dilúvio ilustra que a
graça e a eleição não são condicionadas por qualquer
característica daqueles que são alvo delas?
4. Quais são as principais lições da história da Torre de Babel?
LEITURA COMPLEMENTAR
BT. caps. 4-6.
DUMBRELL, William J. Covenant and Creation (Exeter: Paternoster,
1984). cap. 1.
KIDNER, Derek. Genesis: an introduction and commentary. TOTC
(Downers Grove: InterVarsity, 1967).
______. Gênesis: introdução e comentário. Tradução de Odayr
Olivetti (São Paulo: Vida Nova, 1979). Tradução de: Genesis: an
introduction and commentary.
ROBERTSON, O. Palmer. The Christ of the covenants (Phillipsburg:
Presbyterian & Reformed, 1980). caps. 5-7.
______. O Cristo dos pactos. 2. ed. Tradução de Américo Justiniano
Ribeiro (São Paulo: Cultura Cristã, 2011). Tradução de: The
Christ of the covenants.
Abraão, nosso pai
Abraão, vosso pai, regozijou-se por ver o meu dia; ele o viu e alegrou-se
(Jo 8.56).
… antes que Abraão existisse, Eu Sou (Jo 8.58).
E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão e herdeiros
conforme a promessa (Gl 3.29).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM GÊNESIS 12
—50
Em algum momento do início do segundo milênio a.C., Deus chamou
Abraão para sair da Mesopotâmia e ir para Canaã. Ele prometeu dar essa
terra aos descendentes de Abraão e os abençoar como seu povo. Abraão
foi e muitos anos depois teve um filho, Isaque. Este, por sua vez, teve dois
filhos, Esaú e Jacó. As promessas de Deus foram estabelecidas com Jacó
e seus descendentes. Jacó teve doze filhos, e com o tempo todos eles
foram morar no Egito por causa da fome em Canaã.
ABRAÃO
Os onze primeiros capítulos de Gênesis condensam a história da
humanidade desde a Criação até o início do segundo milênio a.C.
em uma breve visão geral escrita de uma perspectiva teológica. O
restante de Gênesis, 39 capítulos ao todo, trata apenas de quatro
gerações de uma única família: Abraão, Isaque, Jacó e José. A
história deles também foi escrita com um significado teológico em
mente, mas o maior detalhamento é exigido em razão da singular
importância dessa família no plano de Deus para a raça humana. A
história mundial inteira está relacionada às promessas que Deus faz
a Abraão. O significado definitivo da história se encontra na pessoa
de Jesus de Nazaré, um descendente de Abraão.
Aos 75 anos de idade, Abrão (seu nome na época) saiu de Harã,
no norte da Mesopotâmia, e, em obediência a Deus, viajou para
Canaã acompanhado de seu sobrinho Ló, cada um com sua família.
O tema central que perpassa a narrativa é a promessa da aliança a
Abrão e como ela foi feita. Diversas vezes, a promessa é reiterada
em um contexto de acontecimentos que parecem ameaçá-la e
tornar seu cumprimento impossível. Desse modo, o patriarca
aprende que tem de viver pela fé nas promessas de Deus mesmo
quando parece que foram destruídas pelas circunstâncias. Em um
momento decisivo, Deus muda seu nome de Abrão (pai exaltado)
para Abraão (pai de uma multidão), a fim de simbolizar um aspecto
proeminente da aliança: Abraão seria o pai de muitas nações. Ao
mesmo tempo (Gn 17.1-14), Deus afirma que a aliança é assinada
com o sinal da circuncisão. Essa marca feita na carne de todo filho
hebreu do sexo masculino simboliza a relação especial que a
aliança estabelece entre Deus e o seu povo.
O contraste entre Abraão e o povo de Babel é imediatamente
óbvio. Babel manifesta o anseio por um grande nome sem Deus, e
isso se mostra infrutífero. Depois desse relato, é apresentada a
genealogia de Sem (“nome”) até Abraão. Deus promete
engrandecer o nome de Abraão (12.2), e assim vemos que o único
nome que importa vem pela bênção de Deus. A aliança é
apresentada a Abraão na forma de uma promessa em quatro partes
que permanecerá no centro da teologia bíblica:
1. Deus dará muitos descendentes a Abraão.
2. Eles possuirão a Terra Prometida.
3. Deus será o Deus deles.
4. Por meio deles, todas as nações do mundo serão
abençoadas.
A importância dos desafios ao cumprimento das promessas é
que estas indicam um cumprimento supremo que só pode ser obtido
pela obra sobrenatural de Deus. Não é nada que esteja no controle
do homem, nem é simplesmente uma questão de fatos naturais.
Desse modo, no momento de seu chamado para sair de Harã,
Abraão recebe a promessa da posse de Canaã por uma nação de
descendentes seus que conhecerão a bênção de Deus e serão o
veículo de bênção para todo o mundo (12.1-3). Em evidente
oposição a essas promessas, observamos que a Terra Prometida
está em posse dos cananeus, Abraão e Sara estão velhos, e esta,
pela insensatez do marido, quase é tomada como esposa pelo rei
do Egito. Quando Abraão e Ló se estabelecem em Canaã, logo
descobrem que precisam separar-se para evitar a superpopulação
de seus rebanhos e manadas. Ló escolhe o vale fértil do Jordão
para si, deixando que Abraão vá para outro lugar. Deus confirma
novamente a Abraão que ele e os seus descendentes tomarão
posse da terra (13.14-18). Durante 25 anos depois de Deus ter feito
essas promessas pela primeira vez, Abraão permanece sem filhos.
Em momentos críticos desse período, Deus lembra Abraão de suas
promessas, a fim de o suster diante das aparentemente impossíveis
chances de elas se concretizarem (15.4-6,13-21; 17.1-21; 18.16-19).
Alguns temas bíblicos importantes são entrelaçados com a
história de Abraão e da aliança. O primeiro é a graça. Como no caso
de Noé, não há nada de especial em Abraão que mereça a bondade
de Deus de chamá-lo para essas bênçãos. Tudo o que sabemos
sobre ele é que morava entre povos pagãos e atendeu com
obediência e fé ao chamado de Deus. Não sabemos nada sobre sua
fé e o conhecimento de Deus que tinha antes disso. Não há indício
nenhum de que Deus estivesse correspondendo à bondade de
Abraão. Muito pelo contrário, a narrativa é contundentemente franca
na descrição do patriarca com todos os seus defeitos e qualidades.
Ele se dispôs a mentir a respeito de sua esposa em duas ocasiões
distintas a fim de, pensava ele, preservar sua vida (12.11-20; 20.118). Pondo em risco com isso o seu casamento com Sara, ele
demonstra falta de fé nas promessas de Deus e efetivamente age
para minar as promessas de que Sara seria a mãe dos
descendentes prometidos. A narrativa deixa claro que não podemos
considerar merecida a bondade de Deus para com Abraão. Ao
contrário, o retrato bíblico da graça livre e soberana de Deus se
manifesta.
O segundo tema, que caminha junto com o da graça, é a eleição.
Sempre que Deus age para o bem do povo, está agindo
contrariamente àquilo que o povo, constituído de pecadores
rebeldes, merece. Essa ação é graça. Eleição significa que Deus
escolhe alguns, e não outros, como alvo de sua graça. É inútil
buscarmos uma razão ao questionarmos por que encontramos uma
linhagem piedosa e uma linhagem ímpia nos primeiros capítulos de
Gênesis, ou por que Noé, e não alguma outra pessoa, encontra
graça, ou por que Abraão, e não algum outro, foi escolhido como o
pai de uma raça abençoada. Mais tarde ficamos sabendo que a
eleição opera para a glória de Deus (Rm 9.19-24), pois ela
demonstra a soberania divina. A eleição é um princípio que se
manifesta em toda a história bíblica, e devemos tomar cuidado para
não entendê-la mal nem procurar remoldá-la pela lógica humana em
uma doutrina mais aceitável. Não podemos resolver esse mistério
recorrendo a soluções fáceis, como a ideia de que Deus antevê a fé
daqueles que ele posteriormente, e com base nisso, elege.
Tampouco podemos levantar objeções falsas à doutrina, talvez
aparentemente lógicas, tais como dizer que a eleição baseada na
graça livre de Deus nos reduz a robôs ou marionetes sem nenhuma
vontade nem poder de fazer escolhas.
O terceiro tema é a fé como o meio de restauração a Deus. A fé
de Abraão certamente não era perfeita, nem sempre foi forte e
algumas vezes beirou à incredulidade (Gn 15.2,3). No entanto, nos
momentos decisivos, ele crê na palavra de Deus e em suas
promessas. O segredo não é a força nem a perfeição da fé de
Abraão, mas a força e a perfeição do Deus em quem ele confia.
Abraão aprende que Deus é completamente confiável e fiel à sua
palavra. E, visto que Abraão não merece nada do que lhe foi
prometido, é preciso considerar isso uma dádiva pura e imerecida. É
por isso que ele é contado como justo diante de Deus tão somente
por crer (15.6).
À medida que a história bíblica revela o significado da graça, a
eleição e a fé também se revelam. A revelação progressiva exige
que sempre deixemos que as palavras posteriores e mais plenas de
Deus interpretem o significado das anteriores e menos explícitas.
Todos os temas fundamentais na história teológica de Gênesis
serão desenvolvidos ao longo de todo o Antigo Testamento e vão
encontrar seu cumprimento no evento do evangelho. Devo ressaltar
mais uma vez que, embora expressões anteriores nos ajudem a
entender as posteriores, é o cumprimento posterior que deve
interpretar o significado real das expressões anteriores. Isso
significa, obviamente, que as expressões anteriores indicam coisas
além delas mesmas, maiores do que o significado que seria
percebido pelos que receberam essas expressões anteriores.
A aliança com Abraão
inclui as promessas de Deus de que os seus descendentes se
tornarão uma grande nação, tomarão posse da Terra Prometida
e serão o povo de Deus. Por meio deles, todas as nações serão
abençoadas. A aliança expressa a graça de Deus na eleição, e
as suas bênçãos são recebidas pela fé.
ISAQUE
A história de Isaque começa quando Abraão tinha cem anos de
idade (Gn 21.5). Isso ressalta que o nascimento do filho se deve à
promessa de Deus, impossível de ser cumprida por meios
puramente naturais. Isaque é um presente da graça, e o seu
nascimento de pais tão velhos representa o elemento sobrenatural
no nascimento do povo da aliança. Contra todas as expectativas
naturais, Deus se mostra absolutamente fiel a suas promessas.
Abraão tenta contornar a dificuldade de estar velho e sem filhos
gerando filhos com a serva Hagar e outras mulheres. Contudo,
Isaque é o escolhido de Deus, e Abraão não pode mudar isso. O
desafio mais importante à confiança de Abraão no Deus da aliança
surge na exigência de que ele ofereça o menino como sacrifício. Se
Isaque morresse no sacrifício, como as promessas seriam
cumpridas nele? De fato, ele não morreu, e Deus proveu um
sacrifício substituto na forma de um carneiro preso em um arbusto.
A oferta de sacrifícios remonta a Caim e Abel, e a primeira menção
de um altar é na chegada de Abraão a Canaã (12.7). Pouco se diz
para explicar o significado dos sacrifícios como restauração da
comunhão com Deus. A narrativa de Isaque como oferta de
sacrifício implica o princípio do substituto, e esse princípio ficará
mais claro com o progresso da revelação.
O longo relato do servo de Abraão que vai em busca de uma
esposa para Isaque dentre a parentela na Mesopotâmia é
evidentemente necessário segundo os termos da aliança (24.1-7).
Isaque precisa aprender que as promessas feitas a seu pai agora
recaem sobre ele. Após a morte de Abraão, ocorre outra fome na
terra. Isaque é advertido a não deixar a Terra Prometida e tem
novamente a garantia de que os seus descendentes tomarão posse
dela (26.1-6). Naquela parte da terra há filisteus, e Isaque usa do
mesmo artifício ímpio que Abraão usou, negando que Rebeca é sua
esposa (26.7-16). A narrativa nos dá bem poucos detalhes da vida
de Isaque, e temos de inferir disso que sua principal importância se
vê na repetição das promessas da aliança a ele e no fato de ser ele
próprio a prova viva da fidelidade de Deus às promessas feitas a
Abraão.
Isaque
é apresentado como o descendente de Abraão por meio de
quem as promessas de Deus se realizarão. Seu nascimento
demonstra a fidelidade de Deus a essas promessas.
JACÓ
Rebeca, esposa de Isaque, é estéril até ele chegar aos sessenta
anos de idade (Gn 25.19-26). Assim, o nascimento de seus gêmeos
deve ser considerado um nascimento sobrenatural, do mesmo modo
que o de Isaque. Antes de nascerem, os dois lutavam no ventre da
mãe, e Deus disse a Rebeca que eles seriam pais de duas nações,
e o mais velho serviria ao mais novo. Esaú é o primeiro a nascer,
mas logo fica claro que o outro, Jacó, é o escolhido por Deus.
Novamente, a aliança da graça atua contra a escolha natural. É
verdade que Esaú desprezou o seu direito de primogenitura na
qualidade de o mais velho dos gêmeos, mas também é verdade que
Jacó não é de jeito nenhum uma pessoa boa. Gênesis 27 fala
detalhadamente da astúcia de Jacó para enganar o pai já fraco e
quase cego. Ele engana Isaque para que este lhe dê a bênção
pertencente ao primogênito.
Se há alguma dúvida de que Deus confirmará esse arranjo, ela
logo se dissipa. Isaque invoca a bênção da aliança de Abraão sobre
Jacó (28.3) e o envia para encontrar uma esposa entre os parentes
na Mesopotâmia. Na saída da Terra Prometida, Deus fala a Jacó em
um sonho e afirma que todas as promessas feitas a Abraão lhe
dizem respeito (28.13-15). Jacó chama aquele lugar de Betel — “…
casa de Deus…” (28.17). Ele então vai para Padã-Arã, na
Mesopotâmia, e encontra sua prima Raquel. Ele deseja casar-se
com Raquel e trabalha para o pai dela durante sete anos. Labão,
porém, lhe dá a filha mais velha, Leia, em vez de Raquel, e, por
isso, Jacó precisa trabalhar mais sete anos por Raquel. Essa
provação surge como mais um dos desafios ao cumprimento das
promessas da aliança, embora talvez pareça uma punição justa
para o homem que ludibriou o irmão para lhe tirar o direito de
primogenitura. Contudo, Deus está com Jacó, que finalmente deixa
de ser empregado de Labão e parte com as esposas e os filhos de
volta para Canaã. Fica bem claro que a eleição de Jacó é pela
graça, não por nenhum merecimento dele.
Ao voltar para Canaã, Jacó se prepara para o pior, já que teme a
ira de seu irmão Esaú. Ele tem como defesa somente as promessas
de Deus (32.9-12). Porém, não é Esaú que ele encontra primeiro, e
sim um homem cujo nome não se sabe e que por alguma razão
começa a lutar com ele (32.22-32). Jacó percebe que não se trata
de um homem comum, mas, sim, de um mensageiro de Deus. Esse
fato é envolto em certo mistério. Parece que o homem procura
impedir o retorno de Jacó para a terra da promessa; contudo,
quando ele põe fim à luta, Jacó se recusa a deixá-lo ir. Ele
reconhece a origem divina, talvez até a natureza divina, de seu
oponente. Tendo apenas as promessas de Deus por sustento, Jacó
exige uma bênção antes de deixar o homem partir. Jacó recebe a
bênção e, com ela, a mudança de nome para Israel, cujo significado
diz que ele lutou com Deus. Só podemos pensar que isso foi uma
espécie de experiência de conversão.
Desse momento em diante, Jacó passa a ser outro homem. Não
é mais o enganador astucioso, mas o patriarca piedoso. Como uma
possível confirmação disso, Esaú o recebe bem. Depois, Jacó se
muda para Betel (onde Deus lhe apareceu pela primeira vez em um
sonho), e ali o seu nome, Israel, é vinculado às promessas da
aliança. Por isso, Deus é conhecido como o Deus de Abraão, Isaque
e Jacó (35.9-15).
Até aqui, vimos que o princípio da eleição atua para destacar
determinadas famílias de uma família maior. Abraão é escolhido
como o pai do povo da aliança, e não Ló. Os descendentes de Ló,
originados de uma união incestuosa com suas duas filhas, são
Moabe e Ben-Ami. As nações que surgem disso, os moabitas e os
amonitas, são, portanto, parentes de Israel e foram protegidos dos
israelitas quando mais tarde estes avançaram para tomar posse da
Terra Prometida (Dt 2.9,19). Dos descendentes de Abraão, a aliança
diz respeito a Isaque, o filho de Sara, e não a Ismael, o filho de
Agar. Dos descendentes de Isaque, Jacó, e não Esaú, é quem
recebe as promessas da aliança. Esaú é Edom, e os seus
descendentes também são protegidos de Israel (Dt 2.4,5). De
diferentes maneiras, esses irmãos não eleitos, especialmente Edom,
entram vez ou outra em conflito com Israel.
Depois que chegamos a Jacó e sua família, o processo de
eleição se mantém fortemente com os seus descendentes. Israel é a
nação eleita, mas a revelação posterior vai mostrar que essa eleição
exterior prossegue lado a lado com a eleição interior para a vida
eterna. Nem todo o Israel é Israel, o apóstolo Paulo mais tarde
concluirá (Rm 9.6). O tratamento de Deus com a nação como um
todo terá de se diferenciar de seu tratamento com os indivíduos
quanto a sua salvação eterna. Esses dois aspectos da eleição
também vão se distinguir da eleição de determinados indivíduos
representativos, que são o alvo dos propósitos de Deus de um modo
especial.
Os princípios da aliança
continuam se manifestando em Jacó. Pela eleição da graça, ele
se torna o descendente de Abraão por meio de Isaque, a quem
se dirigem as promessas de Deus.
JOSÉ E OS FILHOS DE JACÓ
As excelentes verdades iniciadas com Abraão são confirmadas e
progridem a cada geração. O processo continua com José (Gn 37—
50). Ele é o décimo primeiro filho de Jacó e o primeiro nascido de
Raquel. Quando tinha dezessete anos, os seus irmãos o venderam,
por inveja, a comerciantes ismaelitas. Estes, por sua vez, venderamno a um alto funcionário do Egito. Por motivo de falsas acusações,
José é preso, mas é libertado um tempo depois porque interpretou
os sonhos do faraó. Aos trinta anos de idade, ele recebe um posto
elevado na administração do Egito. Quando seus irmãos vêm ao
Egito comprar trigo por causa da grave fome em Canaã, José acaba
deixando que eles o reconheçam, e todos se reconciliam.
Finalmente, os irmãos são persuadidos a trazer Jacó e as famílias
deles para se estabelecerem no Egito.
No fim da narrativa, as palavras de José nos ensinam o
significado do episódio: “Certamente planejastes o mal contra mim.
Porém Deus o transformou em bem, para fazer o que se vê neste
dia, ou seja, conservar muita gente com vida” (50.20). Podemos nos
perguntar por que Deus não salvou a vida deles mandando chuva e
produzindo boas colheitas em Canaã. Segundo tudo o que
aprendemos sobre a aliança, o Egito não era o lugar certo para o
povo de Deus se assentar. A intenção de Deus não era que essas
pessoas fossem servas de um rei estranho em uma terra
estrangeria. Só vamos ficar sabendo a razão disso à medida que a
narrativa se desenvolve.
Uma observação final de Gênesis. Depois do reencontro de José
com sua família, chegamos ao momento da morte de Jacó. Antes de
morrer, ele faz duas coisas significativas. Reconhece os dois filhos
de José, Efraim e Manassés, como seus próprios filhos (48.5). Isso
os torna cabeças das meias-tribos, que sempre são contadas entre
as tribos de Israel. Jacó deixa claro que essa adoção faz parte do
cumprimento da aliança (48.3-6). Ele também abençoa os dois
jovens, mas cruza as mãos, de modo que a sua destra da bênção
fique sobre a cabeça de Efraim, o mais novo (48.8-14). Depois
reúne os doze filhos e pronuncia bênçãos proféticas sobre cada um
deles. Dessas doze bênçãos, a que deve ser observada com mais
atenção é a dirigida a Judá, pois, ao abençoá-lo, Jacó assevera: “O
cetro não se afastará de Judá, nem o bastão de autoridade de entre
seus pés…” (49.10). De Judá (os judeus) viria Davi e a sua
linhagem real, que acabaria levando a Jesus de Nazaré.
Essa função de liderança da tribo de Judá será muito ressaltada
na revelação posterior. Como veremos no capítulo 17, a linhagem
real de Davi recebe as promessas divinas que concentram todos os
planos de Deus para seu povo no rei, como representante do povo
de Deus. Por essa razão é preciso distinguir os judeus (de Judá) de
Israel como um todo. Com essa distinção, podemos entender o que
Jesus quis dizer quando falou à mulher samaritana que “… a
salvação vem dos judeus” (Jo 4.22). A profecia de Jacó a respeito
de Judá também explica a história do reino dividido (após a morte
de Salomão), em que Judá, o reino do sul, é governado
ininterruptamente pela dinastia de Davi de, aproximadamente, 925
a.C. a 586 a.C., enquanto o reino do norte, Israel, teve cerca de
treze dinastias ao longo de um período de dois séculos (925 a.C. a
722 a.C.).
A estada no Egito,
de José, e depois de toda a família de Jacó, parece contradizer
as promessas da aliança de Deus. No entanto, vê-se que Deus
abençoou o seu povo no Egito, e as promessas da aliança são
transmitidas aos filhos de Jacó.
MAIS PROMESSAS DE REGENERAÇÃO
RESUMO
O compromisso da aliança de Deus tem sua
próxima expressão importante nas promessas
feitas a Abraão. A eleição e a graça são
evidenciadas pelo modo que as promessas são
feitas e mantidas diante de obstáculos
aparentemente intransponíveis. As promessas
afirmam que os descendentes de Abraão,
mediante Isaque e Jacó, tomarão posse da terra,
serão o povo especial de Deus e seus
instrumentos de bênção para todas as nações.
TEMAS PRINCIPAIS
Aliança com Abraão, Isaque e Jacó
Terra Prometida
Descendentes de Abraão como o povo de Deus
Bênção para as nações
ALGUMAS
CHAVE
PALAVRAS- Promessa
Fé
O CAMINHO ADIANTE
Promessa a Abraão — Cumprida em Cristo,
Gálatas 3
Fé de Abraão — Justificação pela fé, Romanos 4
GUIA DE ESTUDO
1. Começando por Gênesis 12.1-3, faça uma lista das
promessas da aliança feitas a Abraão e das ocasiões em
que essas promessas foram feitas.
2. Quais são as principais lições que Paulo enxerga no
relacionamento de Deus com Abraão (veja Gl 3 e Rm 4)?
3. Como se percebe a graça na história de Jacó e Esaú?
4. De que modo a experiência de José no Egito confirma a
aliança? E o que faz parecer que ela contradiz a aliança?
LEITURA COMPLEMENTAR
BT. cap. 7.
DUMBRELL, William J. Covenant and Creation (Exeter: Paternoster,
1984). cap. 2.
MCCOMISKEY, T. E. The covenants of promise (Grand Rapids: Baker,
1985).
ROBERTSON, O. Palmer. The Christ of the covenants (Phillipsburg:
Presbyterian & Reformed, 1980). caps. 8 e 9.
______. O Cristo dos pactos. 2. ed. Tradução de Américo Justiniano
Ribeiro (São Paulo: Cultura Cristã, 2011). Tradução de: The
Christ of the covenants.
Êxodo: modelo da redenção
José levantou-se durante a noite, tomou o menino [Jesus] e a mãe, e partiu
para o Egito; e permaneceu lá até a morte de Herodes, para que se
cumprisse o que o Senhor havia falado pelo profeta: Do Egito chamei o
meu Filho (Mt 2.14,15).
… Cristo, nosso cordeiro da Páscoa, já foi sacrificado (1Co 5.7).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM ÊXODO 1—
15
Com o tempo, os descendentes de Jacó que moravam no Egito se
multiplicaram e vieram a ser um número muito grande de pessoas. Os
egípcios não os tratavam mais com cordialidade e os escravizaram. Deus
designou Moisés para ser aquele que lideraria a saída de Israel do Egito
rumo à Terra Prometida de Canaã. Quando chegou o momento de Moisés
exigir a liberdade de seu povo, o faraó se recusou a deixá-los sair. Por
meio de Moisés, Deus enviou milagrosamente dez pragas que causaram
sofrimento, destruição e morte aos egípcios. Finalmente, o faraó deixou os
israelitas ir embora, mas os perseguiu e os encurralou na margem do mar
Vermelho (ou mar dos Juncos). Então Deus abriu um caminho no mar para
que Israel atravessasse em terra seca, mas fechou as águas sobre o
exército egípcio e o destruiu.
CATIVEIRO
Até aqui alguns temas teológicos bem claros emergiram, bem como
perguntas importantes que exigem respostas. Por que a terra
parecia sempre tão fora do alcance daqueles a quem ela havia sido
prometida quando ainda a habitavam? Por que entre os propósitos
de Deus estava a remoção completa do povo de sua terra para que
todos eles fossem morar no Egito? Parte da resposta à primeira
pergunta é que a fé nas promessas de Deus é uma perspectiva
importante apresentada nos primeiros estágios da revelação do
reino de Deus. As duas perguntas são respondidas pelo fato
histórico da estada de Israel no Egito e pela interpretação bíblica
desse fato.
As peregrinações seminômades de Abraão e seus descendentes
em Canaã não serviram plenamente aos propósitos da revelação de
Deus. Em todo o Antigo Testamento, a posse da terra é apresentada
como prenúncio da realidade futura do viver como povo de Deus no
reino de Deus. Mas esse prenúncio não apresentava nenhum
modelo detalhado e realista do caminho necessário para os filhos de
Deus entrarem no reino. Para isso, era preciso um acontecimento
claro e inconfundível de redenção de um poder de fora. Lembre-se
de que a humanidade toda não está mais no Éden desde a rebelião
de Adão e Eva. Qualquer revelação do reino de Deus no quadro
histórico do povo escolhido tem de levar em conta que até os eleitos
são pecadores necessitados de redenção. Essa verdade já havia
sido expressa no livramento de Noé da punição com água que veio
sobre o mundo inteiro. O Êxodo do Egito repete esse quadro com
ainda mais detalhes e clareza, de modo que a condição de
pecadores e a natureza da obra de Deus para lidar com essa
condição se mantêm como o modelo de redenção até a vinda de
Cristo.
No início do livro de Êxodo, constatamos que os descendentes
de Israel no Egito se multiplicaram, tornando-se uma grande
multidão. A terra é agora governada por um rei que não tem apreço
algum pelos serviços prestados por José. Antes, ele considera os
israelitas uma ameaça interna à segurança da nação e os torna
escravos do estado (Êx 1). Mais uma vez, a realidade das
promessas de Deus parece se tornar inalcançável. Certamente os
descendentes de Abraão agora são muitos, mas eles estão no lugar
errado e sob o governo errado. Aos olhos dos homens, o Deus de
Israel parece impotente para manter sua fidelidade para com seus
escolhidos e incapaz de impedir que deuses estrangeiros exerçam o
domínio sobre o seu povo.
O significado teológico do cativeiro no Egito reside em sua
oposição à aliança. O faraó é um ser semidivino e os egípcios
entendem o seu governo como um reflexo do poder dos deuses
egípcios. Mas o inimigo não está somente fora dos israelitas; está
também no íntimo deles, na sua própria condição espiritual. Nesse
estágio, não há qualquer indicativo de que o cativeiro se devia ao
pecado de Israel. Quando Deus disse a Abraão que o seu povo
seria oprimido, não fez qualquer menção de que isso seria um juízo
sobre o seu pecado (Gn 15.13-16). Somente em reflexões
posteriores a questão de Israel ter servido a deuses estrangeiros é
apontada (Js 24.14; Ez 23.19-21). Naquele contexto do Egito, a
condição de Israel é identificada primariamente como escravidão
política e social.
O cativeiro no Egito
expressa o desafio supremo às promessas da aliança. O povo
da aliança é apresentado em um estado de sujeição a poderes
estrangeiros em uma terra que não é a dele.
A ALIANÇA EM AÇÃO
A situação de Israel já bastante crítica se torna ainda pior quando o
faraó ordena que todos os recém-nascidos sejam afogados no Nilo.
A mãe de Moisés o esconde nos juncos do rio em um cesto
impermeabilizado, e uma princesa real o descobre e resgata. Ele é
dado a sua própria mãe para ser amamentado e, então, a princesa o
adota. Assim, Moisés é salvo da morte e recebe tanto uma
educação hebraica quanto uma educação egípcia em preparação
para o seu ministério. O significado teológico da libertação de
Moisés não está em um cuidado providencial geral dirigido a
crianças pequenas, mas na anulação de poderes contrários ao reino
de Deus, a fim de que não possam prejudicar o escolhido para
mediar o plano de salvação divino.
O próximo estágio na preparação de Moisés ocorre em Midiã, em
que, como adulto, ele se refugia após matar um egípcio. Enquanto
isso, no Egito, os israelitas estão clamando por ajuda. Deus os ouve
e lembra-se de sua aliança com seus pais (Êx 2.23-25). Isso não
implica que ele pudesse chegar a esquecer suas promessas, e sim
que está prestes a agir com base nessas promessas. A teologia do
livro de Êxodo é primariamente a teologia da aliança em ação.
O ministério de Moisés será o instrumento humano por meio do
qual Deus agirá para redimir o seu povo. É vital aqui que
entendamos o lugar concedido na revelação do Antigo Testamento a
certas figuras fundamentais, como Moisés. O significado delas para
nós não está primariamente no modo que se apresentam, como
exemplos de piedade e fé, mas, antes, no papel que desempenham
em revelar e prenunciar a natureza da obra de Cristo. Moisés é o
homem divinamente designado a quem Deus revela seus propósitos
e sua vontade para o seu povo.
Deus revela si mesmo a Moisés no monte Sinai (Horebe) do meio
da sarça ardente (3.1—4.17). Ele identifica a si mesmo como o
Deus dos patriarcas (3.6), o que significa que foi ele quem prometeu
que Israel seria um povo livre em sua própria terra. Deus anuncia
que está prestes a cumprir essa promessa libertando os israelitas do
Egito (3.7-9). Então, incumbe Moisés de confrontar o faraó e tirar os
israelitas do Egito. No entanto, será o poder de Deus que garantirá a
liberdade desse povo por meio de sinais e milagres.
A preocupação de Moisés é que os israelitas não acreditarão
nele quando voltar ao Egito e afirmar ser o escolhido de Deus (3.13;
4.1). Ele é tranquilizado com base em duas coisas. Em primeiro
lugar, identificará o Deus que falou a ele como “EU SOU” e como o
Deus de seus pais (3.14-16). Em segundo lugar, Moisés recebe
alguns sinais miraculosos, que ele conseguirá repetir para persuadir
os israelitas de sua missão (4.1-9). Esses dois temas, o do nome de
Deus e o dos sinais e maravilhas, estão fortemente entrelaçados no
acontecimento redentor pelo qual Israel é liberto. Mais um tema
importante e relacionado é o da identidade de Israel como o povo de
Deus. Pela primeira vez, Israel é chamado de o filho de Deus, um
nome não usado muitas vezes, mas ainda assim muito importante
(4.22,23). Ser o povo da aliança de Deus também significa ser
conhecido pelo seu nome (Dt 28.10). Séculos depois, quando a
nação é mantida em um segundo cativeiro, Deus promete a
redenção a “todo que é chamado pelo meu nome…” (Is 43.7).
Moisés volta ao Egito e convence o seu irmão, Arão, e todo o
povo de sua tarefa concedida por Deus (Êx 4.27-31). No entanto,
quando as suas primeiras demandas ao faraó são recebidas com
imposições de condições ainda mais difíceis sobre os cativos, o
povo se inquieta (5.21). Então Deus concede a Moisés uma das
grandes afirmações aliancísticas da Bíblia (6.1-8). Ao experimentar
a libertação inevitável da escravidão, o povo conhecerá a Deus de
um modo novo como o Senhor que é fiel à sua aliança. Isso será
indicado pelo nome o SENHOR ou YHWH.1 Esse nome, muitas vezes
pronunciado como Jeová ou Iavé, está provavelmente ligado ao
verbo hebraico “ser”, que fornece a identidade “EU SOU” em Êxodo
3.14. Em alguma fase de sua história, os israelitas deixaram de
pronunciar o nome santo YHWH e o substituíram pelo nome Adonai
(meu Senhor), e essa é a razão de a maioria das traduções em
nossa língua substitui o nome YHWH por SENHOR. O importante é que
YHWHN é o nome pessoal de Deus e está ligado ao seu caráter como
o Deus que estabelece o compromisso gracioso de si mesmo com
seu povo e revela o significado de sua fidelidade a essa aliança.
A aliança em ação
significa que Deus age para cumprir suas promessas, das quais
o cativeiro no Egito é uma negação. Israel é o filho de Deus e o
conhecerá pelo seu nome YHWH, que o identifica como o Deus
que é fiel à sua aliança.
SINAIS E MARAVILHAS
Na Bíblia, sinais podem ser ou não miraculosos. Contudo, quando a
palavra sinal está vinculada com a palavra maravilha, estamos
lidando com acontecimentos miraculosos que podem ser agrupados
em dois lugares principais. O primeiro é no relato da libertação de
Israel do Egito (Êx 7.3) ou em referências posteriores ao Êxodo (Dt
4.34; Ne 9.10; Jr 32.20,21). O segundo é no ministério de Jesus e
de seus apóstolos. Esse fato por si mesmo sugere que a expressão
sinais e maravilhas é um termo técnico para milagres que
acompanham e até mesmo constituem o evento redentor.
As dez pragas que Deus realiza por meio de Moisés são sinais e
maravilhas que têm significado salvífico para os israelitas e, ao
mesmo tempo, recaem como juízos sobre o Egito. Por meio disso,
Deus se revela a Israel e aos egípcios como YHWH (Êx 6.6,7; 7.5). O
caráter salvador-julgador das pragas inclui uma demonstração de
que os deuses do Egito são impotentes. Embora uma após outra as
pragas inflijam grande desconforto e sofrimento sobre os egípcios, o
faraó persistentemente se recusa a deixar sair os israelitas. Há um
aparente problema pelo fato de se dizer que Deus endurece o
coração do faraó (4.21; 7.3; 9.12; 10.1) e, ao mesmo tempo, que o
faraó endurece o seu próprio coração (8.15; 9.34). Observe como o
autor, em um só trecho, fala sobre três modos de endurecimento: o
faraó endureceu seu coração; o coração do faraó se endureceu; o
Senhor disse: “endureci o seu coração” (9.34—10.1). Alguém
poderia indagar quem endureceu o coração do faraó. Não há dúvida
alguma de que o endurecimento do faraó de seu próprio coração é
deliberado, e ele é julgado por isso. Contudo, Deus ainda é
soberano na questão, como o apóstolo Paulo mais tarde reconhece
ao analisar o fato no âmbito da eleição de Deus (Rm 9.14-18). Essa
perspectiva bíblica que afirma que a responsabilidade humana e a
soberania divina estão de algum modo entrelaçadas, sem o
comprometimento de nenhuma delas, é algo que precisamos
aceitar, embora esteja além de nossa capacidade de compreensão.
Sinais e maravilhas
são acontecimentos miraculosos que acompanham os atos
salvadores de Deus. Eles funcionam como juízos sobre o faraó,
pois o seu coração está endurecido contra a palavra de Deus.
Ao mesmo tempo, eles atuam para a salvação de Israel.
A PÁSCOA
Após nove pragas sucessivas, o faraó ainda resiste às demandas de
Moisés. Quando Deus anteriormente havia chamado Israel de seu
filho primogênito, ele ameaçou matar o primogênito do faraó caso
este não libertasse Israel (Êx 4.22,23). Nenhuma das pragas
anteriores havia realmente atingido os israelitas, que estavam
vivendo separadamente da grande maioria dos egípcios. Agora eles
e toda a nação egípcia sofrem o golpe final, pois todos os
primogênitos no Egito morrerão (11.4,5).
O envolvimento dos israelitas na décima praga é uma parte
importante da revelação divina do reino (12.1-13). A não ser que
eles creiam em Deus e sigam as suas instruções, todo primogênito
de Israel também morrerá. Em um dia específico, cada família
israelita deverá tomar para si um cordeiro macho de um ano de
idade e sem defeito. Quatro dias depois, o cordeiro será morto e
parte do sangue deverá ser colocado no batente de cada casa. A
carne será assada e então comida com ervas e pão sem fermento.
Cada pessoa deverá estar vestida e pronta para uma jornada.
Naquela noite, Deus diz, “… executarei juízo sobre todos os deuses
do Egito…” (v.12). Na casa em que o sangue for visto, o Senhor
passará adiante e nenhuma morte afligirá os que nela se abrigam.
Deus também instrui Moisés a estabelecer a festa da Páscoa
como um memorial perpétuo (12.14-20). Isso mostra quão
importante a Páscoa é no estabelecimento do padrão da obra
redentora de Deus, embora não seja dada praticamente nenhuma
razão teológica para a forma que ela adota. Podemos inferir
seguramente que os israelitas que creram e, portanto, obedeceram
foram de algum modo cobertos pelo sangue do cordeiro, para que
não sofressem juízo algum. O princípio da aliança opera por família,
de modo que a fé do chefe da família tem significado salvífico para
todos nela. Outros aspectos do simbolismo da Páscoa se tornam
mais claros à medida que o evento salvador avança para sua
conclusão na história de Israel.
A Páscoa
mostra que a redenção envolve não somente a libertação da
escravidão, mas também o derramamento de sangue como o
meio de escapar do juízo.
REDENÇÃO
As dez pragas causaram suficiente sofrimento para os egípcios,
mas Deus ainda terá de lidar com eles. A própria travessia do mar
que ele realizará para os israelitas significa desastre para os
exércitos do faraó. Mais uma vez, há um endurecimento do coração
do faraó, a fim de que o poder de Deus seja demonstrado (Êx
14.4,8). O mar também servirá para incutir nos israelitas que o
Êxodo do Egito não é uma caminhada comum de um lugar para
outro. Assim, em vez de conduzir o povo pelas estradas familiares
para fora do Egito, Deus os leva a um aparente beco sem saída
diante do mar de Juncos, onde o exército egípcio os encurrala
(13.17,18; 14.1-4).
Nessa situação desesperadora, a palavra de Deus por meio de
Moisés faz soar as boas notícias de salvação: “… Não temais.
Acalmai-vos e vede o livramento que o SENHOR vos trará hoje […] O
SENHOR guerreará por vós. Por isso, acalmai-vos” (14.13,14). E isso
é o que acontece. As águas são divididas e os israelitas caminham
para a liberdade, ao passo que as águas se fecham novamente
sobre os seus perseguidores.
Ao refletirmos sobre os elementos de redenção revelados no
acontecimento do Êxodo, conseguimos perceber por que Deus
levou José e seus irmãos ao Egito. A posse da Terra Prometida e a
liberdade para ser o povo de Deus não é simplesmente uma
questão de atravessar a fronteira para o reino de Deus, e muito
menos é algo em que nascemos. Os israelitas, mesmo como o povo
escolhido, são por natureza estranhos e estrangeiros para o reino
de Deus por serem filhos de Adão fora do Éden. Deus escolheu
revelar o seu propósito redentor no contexto da história de Israel.
Assim, o cativeiro no Egito e o Êxodo demonstram o cativeiro da
raça humana aos poderes do mal e a necessária obra poderosa do
próprio Deus para resgatar o seu povo dessa escravidão terrível.
Quando Deus, o guerreiro, luta pelo seu povo contra o inimigo, a
vitória é certa (14.14; 15.1-3).
Agora podemos resumir as dimensões de redenção que são
reveladas na história do Êxodo. A escravidão de Israel é uma
contradição às promessas da aliança feitas aos pais da nação:
Abraão, Isaque e Jacó. Com base nessas promessas, Deus anuncia
que mostrará a sua fidelidade tirando Israel de seu cativeiro (2.2325; 6.1-6). Ao fazer isso, ele está revelando o seu caráter como o
Deus que é absolutamente fiel ao seu compromisso da aliança. O
nome “O SENHOR” para sempre expressará a sua fidelidade da
aliança (3.13-15; 6.2-5). A redenção é o ato de juízo de Deus sobre
seus inimigos pelo qual ele recupera o seu povo perdido e o torna
seu no lugar que prepara para ele (6.6-8). Ela é, portanto, um ato
sobrenatural de salvação operado por Deus para um povo incapaz
de ajudar a si mesmo (3.19,20; 7.3-5; 10.1,2; 14.13,14). Entrelaçada
com esses acontecimentos está uma oferta sacrificial, a morte de
um cordeiro da Páscoa, que liberta Israel do juízo a fim de que
possa ir livremente.
O fim do Êxodo é liberdade, fé e celebração. Obviamente, a fé
estava ativa ao longo de todos os acontecimentos de Êxodo 1—14.
Mas de um modo especial, quando o povo é liberto, percebe o que
Deus fez e passa a temê-lo e a acreditar nele (14.31). Uma
admiração reverente para com Deus e confiança nele são evocadas
pelo próprio evento redentor. Em seguida, eles celebram! No cântico
de Moisés e do povo, vemos o ato espontâneo de adoração que se
torna uma espécie de modelo para a adoração dali em diante (15.118). Deus se revela pelas suas ações e por meio de sua palavra
sobre essas ações. A adoração precisa, portanto, centrar-se em
recontar o que Deus fez. O cântico de Moisés não é um regozijo
vingativo sobre os egípcios; antes, é um relato do que Deus fez para
mostrar a sua fidelidade da aliança (hebraico: hesed, Êx 15.13).2 O
outro ato de adoração já foi prescrito para eles na celebração da
refeição da Páscoa e na festa dos pães sem fermento. Nessa
refeição sagrada, eles não repetirão a redenção do Êxodo todo ano,
mas celebrarão o ato concluído e único de Deus em seu favor.
A redenção como uma libertação da escravidão ou de um estado
de infortúnio agora se torna um dos temas mais importantes na
Bíblia. A esse respeito, o livro de Rute fornece uma ilustração
quando Boaz age com bondade a fim de cumprir o dever de um
parente próximo para redimir a terra de Rute (Rt 4.1-11). A última
parte do livro de Isaías se refere frequentemente a Deus como o
redentor de Israel à luz da libertação iminente do povo de Deus de
seu cativeiro na Babilônia. Também veremos a repetição da ideia do
Êxodo como um padrão da redenção. Há o primeiro Êxodo do Egito,
um segundo que envolve a volta dos cativos da Babilônia no sexto
século a.C. e, então, o verdadeiro Êxodo, em que Jesus tira o seu
povo do cativeiro de pecado e morte.
O Êxodo é o fim do cativeiro, mas é somente o início da
liberdade. Deus tem ainda muito a fazer para mostrar ao seu povo o
que significa viver livremente como o seu povo.
A redenção
é o ato de Deus de libertar seu povo de um poder estrangeiro
ou estranho e de o conduzir à liberdade para que possa viver
como seu povo de acordo com as promessas da aliança.
REGENERAÇÃO DE UMA NAÇÃO
RESUMO
As promessas da aliança divinas aparentam não
ter qualquer solidez quando o povo escolhido se
vê escravo de um poder estrangeiro. Mas a
fidelidade de Deus é mostrada no ato redentor
pelo qual ele salva Israel de seu cativeiro. Sinais
e maravilhas demonstram que a entrada no reino
de Deus somente é possível por meio de uma
obra sobrenatural do próprio Deus.
TEMAS PRINCIPAIS
Cativeiro
Fidelidade da aliança de Deus
Nome de Deus
Sinais e maravilhas
Redenção sobrenatural
ALGUMAS
CHAVE
PALAVRAS- Aliança
Páscoa
Redenção
Salvação
O CAMINHO ADIANTE
Êxodo do Egito — Segundo êxodo do Cativeiro
Babilônico — Êxodo de Cristo
Páscoa — Cristo, nossa Páscoa, 1Coríntios 5.7
Israel é o filho de Deus, Êxodo 4.22,23;
Oseias 11.1 — Jesus é (Israel) o Filho
de Deus, Lucas 3.22-38; 4.3
GUIA DE ESTUDO
1. Quais são as características singulares da vida e do
ministério de Moisés em Êxodo 1—15?
2. Qual é o significado do cativeiro no Egito à luz da aliança?
3. Quais elementos fundamentais revelados na libertação de
Israel do Egito mostram o significado da redenção?
4. Qual é o significado do nome de Deus “O SENHOR” e como o
seu povo pode adorá-lo?
LEITURA COMPLEMENTAR
BT. cap. 8.
COLE, Alan. Exodus: an introduction and commentary, TOTC
(Downers Grove: InterVarsity, 1973).
______. Êxodo: introdução e comentário. Tradução de Carlos
Oswaldo Pinto (São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1980).
Tradução de: Exodus: an introduction and commentary.
GK. cap. 7.
1 O fato de as narrativas patriarcais em Gênesis muitas vezes se referirem
a Deus como Senhor poderia significar que o autor está identificando o Deus
de Abraão como o Deus que revelou o nome YHWH a Moisés, ou que o nome
era conhecido antes do acontecimento de Êxodo 6, mas o significado redentor
do nome não foi revelado antes disso.
2 A palavra hebraica hesed é traduzida de diversos modos. Em Êxodo
15.13, ela é traduzida por “amor firme” (RSV) e “amor fiel” (NIV). É uma
palavra que assume um significado técnico ao se referir a Deus, significando
seu compromisso infalível e amoroso com a aliança. É a palavra fundamental
no refrão de cada versículo do salmo 136, mas as referências à aliança não
estão claras nas versões em inglês.
Nova vida: dádiva e dever
Não penseis que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas
cumprir (Mt 5.17).
Desse modo, a lei se tornou nosso guia para nos conduzir a Cristo, a fim
de que pela fé fôssemos justificados. Mas, tendo chegado a fé, já não
estamos sujeitos a esse guia (Gl 3.24,25).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM ÊXODO 16—
40 E EM LEVÍTICO
Depois da libertação do Egito, Moisés conduziu os israelitas ao monte
Sinai. Foi quando Deus lhes deu sua lei e ordenou que a guardassem.
Num dado momento, Moisés realizou uma cerimônia de renovação da
aliança em que o acordo da aliança foi selado com sangue. No entanto,
enquanto Moisés estava afastado, no monte, o povo convenceu Arão a
fabricar um bezerro de ouro. Desse modo, os israelitas demonstraram sua
inclinação para abandonar a aliança e envolver-se na idolatria. Deus
também ordenou a construção do tabernáculo e deu todas as regras da
adoração sacrificial pela qual Israel podia se aproximar dele.
A NOVA VIDA
A fuga do Egito significa nova vida, o renascimento da nação de
Israel. A jornada do mar Vermelho até o Sinai fez o povo peregrinar
por terras inóspitas onde logo todos conheceram a fidelidade de
Deus em prover às suas necessidades, apesar de terem começado
a murmurar o seu descontentamento (Êx 16 e 17). O povo também
foi liberto do exército hostil dos amalequitas. Nesses breves
episódios se revela a qualidade da vida redimida que existe até hoje
para os cristãos e existirá até a volta de Cristo. A redenção, embora
real, em um sentido importante é incompleta. A nova vida se
caracteriza pela afirmação de Paulo: “…vivemos pela fé e não pelo
que vemos” (2Co 5.7). A experiência do Egito revelou a Israel a
necessidade de redenção para entrar no reino prometido de Deus.
Porém, assim como aconteceu com Abraão anteriormente, Israel
descobriu o aspecto de ainda não ter recebido o que fora prometido.
Desse modo, os israelitas tiveram de contemplar o futuro com
esperança e viver com fé nas promessas de Deus.
Israel está diante de Deus no monte Sinai. Ali as primeiras
palavras de Deus a Moisés, que atua como o mediador para o povo,
dizem respeito à aliança. Praticamente toda a teologia da redenção
e da nova vida está resumida em Êxodo 19.4-6: Deus julgou os
inimigos de seu povo e de seu reino (v. 4a). Ele redimiu o seu povo
e o reconciliou consigo (v. 4b). Se essas pessoas mostrarem que a
redenção delas não é meramente exterior, mas algo que vem do
coração, se obedecerem à palavra de Deus, elas serão sua
propriedade especial entre todos os povos sob o domínio soberano
dele (v. 5). Portanto, como povo, os israelitas viverão em uma
relação exclusiva com Deus, ao mesmo tempo que o representarão
para o mundo inteiro como sacerdotes (v. 6). A função sacerdotal
em um mundo que pertence a Deus dá mais sentido à promessa da
aliança original de que todas as nações da terra seriam abençoadas
por meio dos descendentes de Abraão (Gn 12.3). É função do
sacerdote aproximar-se de Deus em nome de outros e aproximar-se
do povo em nome de Deus. Por intermédio de seus próprios
representantes escolhidos, os sacerdotes levitas, Israel aprenderia
como, na condição de nação, poderia se aproximar de Deus
mediante um ministério sacerdotal. Depois também aprenderia que
as bênçãos da aliança transbordariam um dia para todo o mundo
por intermédio deles.
Israel é chamado de o filho de Deus. Esse termo é empregado
raramente no Antigo Testamento, mas a relação transparece por
meio desses acontecimentos. Somente mais tarde a importância
plena disso ficará evidente, quando o Filho de Deus vier cumprir em
sua própria vida todos os propósitos de Deus para Israel. Contudo,
ainda que o povo compreendesse imperfeitamente o significado da
redenção do Egito, percebia que ela exigia uma resposta adequada.
Conscientes de que a fidelidade da aliança de Deus fizera algo
grandioso por eles, e antes mesmo de conhecerem os detalhes da
palavra de Deus a que deviam obedecer, os israelitas respondem
com a sua própria declaração de obediência (Êx 19.8). Talvez
pareça um pouco prematuro e precipitado, contudo é a única reação
que eles podiam ter naquelas circunstâncias. Não existe aceitação
condicional da graça de Deus.
A nova vida
por meio da redenção implica um relacionamento com Deus
estruturado pela Lei. Como o povo de Deus, Israel é chamado
para ser uma nação de sacerdotes que de algum modo será o
agente da bênção de Deus a todas as nações.
LIBERDADE DE VIVER PARA DEUS
Procurando compreender o Antigo Testamento, muitos cristãos se
atolam nos detalhes da Lei. O espaço nos permite somente uma
análise breve da natureza e do sentido da Lei. Neste estágio,
estamos interessados na função da Lei no Antigo Israel. A relação
da Lei com o evangelho será analisada quando chegarmos ao Novo
Testamento. No entanto, não devemos ignorar a relação da Lei com
a graça no Antigo Testamento.
O primeiro pronunciamento no Sinai foi uma mensagem sobre a
graça (redenção) e a aliança, para a qual se exigiu uma resposta
obediente (Êx 19.4-6). O mesmo padrão da prioridade da graça se
manifesta na entrega dos Dez Mandamentos. Isso fica bem explícito
na declaração: “Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirou da terra do
Egito…” (Êx 20.2). Ele é o Deus daquele povo, e ele os salvou.
Sobre esse fundamento, a Lei é entregue ao povo. Evidentemente,
a despeito de todas as declarações de condições, a Lei é dada a
todos os que já experimentaram a graça de Deus na salvação, e
não é com base na Lei que eles serão salvos.
O dever de obediência é exigido porque a relação de filiação já
fora estabelecida como dádiva imerecida. Isso é reforçado na forma
dos Dez Mandamentos (ou Decálogo). Há algum tempo se
reconhece que o Decálogo segue a forma de um tratado de aliança,
muito conhecido no mundo antigo do Oriente Próximo. As
condições, ou exigências, desse tipo de contrato eram impostas por
um rei vencedor sobre um povo subjugado, uma vez que este povo
havia se tornado seu súdito. Os privilégios dessa relação seriam
mantidos pela obediência às condições estipuladas. A conclusão é
que Deus deliberadamente entrega a Lei nessa forma porque é
apropriada para a natureza da relação. A dádiva de Deus é tal que
pode ser recebida somente pelo que é. Ser salvo ou redimido
significa ter a condição de filiação e comunhão com Deus
restaurada. Dizer que recebeu a dádiva da amizade com Deus e ao
mesmo tempo persistir em uma vida marcada por afastamento e
inimizade é obviamente um absurdo.
A primeira das dez ordens do Decálogo inclui, na verdade, tudo o
que vem depois dela. “Não terás outros deuses além de mim” é uma
reivindicação de poder exclusivo e soberano. Mas seres humanos
pecadores e ignorantes não conseguem saber o que isso significa
em todas as áreas da vida. Os israelitas dependiam da revelação de
Deus para compreender corretamente qual era a resposta adequada
ao mandamento. Começando pelo Decálogo, a Lei detalha as
implicações do direito exclusivo de Deus a seu povo mediante a
aliança. Deus, evidentemente, tem o direito exclusivo sobre toda a
criação, mas a relação de aliança era um dom somente para o seu
povo escolhido. As exigências da Lei não são arbitrárias nem
caprichosas, pois têm origem no caráter de Deus e refletem esse
caráter, bem como o seu propósito para a humanidade na Criação e
na redenção. Elas indicam a natureza da reconstrução da relação
perfeita que Deus estabeleceu na criação, mas que foi rompida pelo
pecado humano. Algumas leis, muitas vezes chamadas de leis
morais, refletem essas relações mais diretamente que as demais.
Outras leis tratam da situação de Israel em consonância com sua
experiência histórica. Ainda outras parecem apresentar certa
arbitrariedade, uma vez que relacionam determinados aspectos da
experiência à vida cerimonial da nação.
Assim como o primeiro mandamento é uma mensagem que inclui
os outros nove, também os dez mandamentos contêm os princípios
que regem todas as leis de Deus. Podemos observar esse princípio
no modo que Jesus selecionou os dois mandamentos sobre os
quais tudo na Lei e nos Profetas se baseia (Mt 22.34-40). Amor a
Deus (Dt 6.5) e amor ao próximo (Lv 19.18) são consequências do
primeiro mandamento. Mas o que significa amar a Deus e amar o
próximo? Nesse ponto da revelação progressiva do reino de Deus,
da qual fazem parte os acontecimentos do Sinai, é apropriado que a
resposta dos redimidos à graça de Deus seja detalhada do modo
que é. Todas as implicações de amar a Deus e de não ter nenhum
outro deus além dele se difundem para todos os aspectos da vida
dos israelitas, assim como ondulações num lago.
Se a aliança significa que Israel deve responder adequadamente
aos atos de Deus para com seu povo, o que se considera adequado
depende, pelo menos em parte, do quanto essa ação salvadora de
Deus é plena e claramente revelada. A redenção do cativeiro do
Egito prenuncia a obra salvadora de Cristo. Ela contém a estrutura
do evangelho, mas não revela sua plenitude. Uma vez que a
revelação do Êxodo é incompleta, ela necessita de uma exposição
mais detalhada do que significa viver como povo redimido. Na
infância espiritual em que os israelitas estavam, eles precisavam ser
tutoreados muito mais diretamente no viver santo (veja Gl 3.23-25).
Só assim eles aprenderiam de que tipo de liberdade gozavam por
haverem sido libertados da escravidão do Egito.
A Lei
é entregue ao povo escolhido de Deus para que esse povo, já
redimido, saiba o que a sua nova relação com Deus significa
para o seu modo de viver. A Lei do Sinai é a expressão do
caráter de Deus de acordo com a revelação de seu reino
naquela época.
LIBERDADE PARA SE APROXIMAR DE DEUS
A aliança se caracteriza pela disposição de Deus para ser Deus de
um povo sem merecimento. Na comunhão de Adão e Eva com Deus
no jardim do Éden, podemos perceber um pouco de como essa
relação foi concebida para ser. Agora, porém, a humanidade
pecadora está sendo restaurada de seu estado de negação de
Deus. Como podem pessoas ainda pecadoras se aproximar de um
Deus santo? A resposta bíblica diz ser necessário um mediador, um
intermediário. Moisés é o mediador dos atos salvadores de Deus no
Êxodo e também da palavra de Deus que interpreta a existência
redimida proporcionada pelos atos salvadores de Deus no Êxodo.
Agora é preciso um sacerdócio mediador juntamente com os meios
de exprimir em que ponto eles se encontram no processo de
restauração naquele momento.
O meio que Deus provê para isso é o Tabernáculo. A palavra
tabernáculo significa simplesmente uma tenda, porém conservamos
a palavra porque ela passa a significar uma tenda especial. Em
Êxodo 25—30, Deus apresenta a Moisés os detalhes do
Tabernáculo e das funções sacerdotais associadas a ele. Em Êxodo
35—40, temos uma descrição da construção do Tabernáculo. Em
seguida, em Levítico, são prescritos os vários sacrifícios que devem
ser realizados no Tabernáculo. Não se deixa por conta da
imaginação do povo nenhum detalhe sobre a construção da tenda e
a feitura de seus pertences, pois os israelitas dependem
completamente da revelação de Deus para o conhecimento de sua
relação com ele.
A forma e a disposição do Tabernáculo são importantes, porque
ele fornece uma expressão vívida do estado espiritual de Israel
como o povo da aliança, que é redimido, mas ainda pecador. Um
pátio com uma cerca alta em volta da tenda indica a separação que
o pecado causa entre os pecadores e um Deus santo. A cerca do
pátio tem uma entrada na extremidade de frente para a porta da
tenda. Depois da entrada fica o altar do sacrifício. De algum modo, o
derramamento de sangue obtém acesso para o adorador
arrependido, mas apenas por representação. O sacerdote israelita
representa o povo e pode ingressar na tenda em nome dele, mas só
depois de oferecer um sacrifício e purificar-se na pia da lavagem
ritual que fica na frente da tenda. Dentro da tenda há um
candelabro, uma mesa e um altar para a queima de incenso. A
extremidade oposta é separada por um véu e, por trás desse véu,
numa sala cúbica, fica a arca da aliança. Tudo nessa estrutura fala
de três grandes verdades: Deus quer habitar com o seu povo e se
reunir com ele; o pecado separa o povo de Deus; e Deus provê uma
forma de reconciliação com o sacrifício e a função mediadora do
sacerdote.
Não há nenhuma afirmação explícita de uma teologia da
expiação ligada aos sacrifícios instituídos no Sinai. No entanto, em
alguns aspectos pelo menos, o significado implícito é claro. Para
começar, os israelitas são informados de que a aplicação fiel do
sistema sacrificial é aceitável diante de Deus e de algum modo
produz o perdão de pecados. As cinco ofertas principais que
Levítico 1—6 menciona se combinam para expressar a totalidade da
reconciliação e a restauração da comunhão com Deus. Começando
pela culpa do ofensor diante de um Deus santo, os diferentes
aspectos desses sacrifícios apontam para o sacrifício de uma vítima
aceitável que assume o lugar do ofertante; a cobertura ou expiação
dos pecados; a restituição às pessoas que foram prejudicadas; a
obediência e dedicação a Deus; e a comunhão com ele (numa
refeição). O ritual do Dia da Expiação (Yom Kippur) em Levítico 16 é
particularmente eloquente em relação ao sacrifício vicário
(substitutivo) como o meio de aceitação por Deus.
O Tabernáculo e os sacrifícios
servem para retratar e levar a efeito a relação do pecador
redimido com um Deus santo. Deus habita entre o seu povo,
mas o pecador só pode se aproximar dele por um mediador que
oferece um sacrifício aceitável pelo pecado.
SANTO PARA O SENHOR
De todas as palavras usadas na Bíblia para expressar o caráter de
Deus, santo é uma das mais destacadas. A origem dessa palavra
(hebraico: qadosh) é obscura, mas o significado essencial sobressai
especialmente em relação à lei em Êxodo e em Levítico. Se
dizemos: “Deus é santo”, para muitos isso implica que estamos
dizendo algo sobre Deus com base em um conceito já conhecido.
Desse modo, santo significa bom e puro, e, portanto, Deus é bom e
puro. Mas o método usado na Lei para prescrever a santidade ao
povo de Deus sugere uma abordagem oposta. Toda a complexidade
das leis relacionadas à santidade tem por objetivo fazer Israel
entender que Deus revela a santidade dele nos seus atos
salvadores e convoca os israelitas a se amoldarem a esse padrão.
A teologia da santidade em Levítico expressa a condição da
aliança de Israel, estabelecida na redenção do Egito. Leis de
alimentos puros e impuros (Lv 11), que para nós podem parecer
bem arbitrárias e irrelevantes, são ordenadas com base nessa
aliança, a qual é a revelação fundamental do caráter de Deus.
Porque eu sou o SENHOR vosso Deus. Portanto, santificai-vos e sede
santos, porque eu sou santo, e não vos contamineis com nenhum animal
que rasteja sobre a terra, porque eu sou o SENHOR, que vos fiz subir da
terra do Egito para ser o vosso Deus. Sede santos, porque eu sou santo
(Lv 11.44,45; veja também 19.34-36; 22.31-33; 23.43; 25.38,42,55;
26.12,13,45).
Como propriedade da nação eleita, a aliança significa que o
caráter de Deus revelado em sua palavra e em seus atos tem de ser
a marca de seu povo (Lv 19.2,34-37). A Lei, que com tanta
facilidade foi usada indevidamente e transformada em base para
exclusivismo e justiça própria, era na verdade o que realçava a
natureza da nova criação que estava sendo formada em volta dos
fiéis enquanto permaneciam no mundo antigo, confuso, caído e
pecaminoso.
Levítico 26 resume a teologia de Levítico e da Lei em geral. Deus
salvou os israelitas porque é fiel às suas promessas da aliança,
feitas a Abraão, Isaque e Jacó, de que ele seria o Deus deles, e
eles, o seu povo. Ao tirá-los do Egito, Deus declarou aberta e
claramente que os israelitas eram propriedade dele e revelou em
sua Lei de que modo eles tinham de viver como povo seu. Assim, o
desejo verdadeiro deles de viverem de acordo com a palavra de
Deus é a indicação de que são os redimidos. Nessa condição,
conheceriam as bênçãos do novo Éden (Lv 26.1-13). A apostasia
geraria a exclusão das bênçãos, e as maldições viriam a se
concretizar (26.14-39). A aliança inclui uma terceira possibilidade
além daquelas de obediência aceitável e de desobediência
proposital. Se Israel, tendo rejeitado os caminhos de Deus e caído
sob as maldições da aliança, se arrependesse e voltasse para o
Senhor, voltaria a desfrutar as bênçãos da aliança (Lv 26.40-45). No
entanto, as consequências da desobediência ainda o
acompanhariam e ele sofreria os efeitos. A aparente contradição
das bênçãos da aliança com a continuação dos efeitos do pecado
não se resolve com clareza aqui. De fato, essa será a experiência
do povo na história posterior de Israel, e os profetas indicarão que o
evangelho é a solução do paradoxo.
Agora podemos resumir alguns dos principais aspectos da Lei
em relação à aliança de redenção. As promessas de Deus a Israel,
expressas pela primeira vez na aliança com Abraão, são
irrevogáveis. Deus não pode voltar atrás em sua palavra. A
redenção de Israel do Egito é um elemento fundamental no
cumprimento das promessas da aliança. “Andarei no meio de vós e
serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo” (Lv 26.12) vem a ser
um resumo corriqueiro da aliança, repetido com frequência. A Lei
funciona para informar a Israel como a nova relação com Deus tem
de manifestar-se na vida do povo. Caso os israelitas se
esquecessem disso e vivessem como os gentios, eles receberiam
não as bênçãos, mas as maldições. No entanto, a experiência
mostrará que, mesmo com a melhor das intenções, eles sempre
ficariam aquém da altura da glória de Deus. A Lei os lembrará
constantemente da incapacidade deles de alcançar o padrão de
santidade de Deus e amá-lo de todo o coração, toda a alma e com
todas as forças (Dt 6.5). É precisamente nesse ponto que a Lei
também os instrui a fazer uso das leis de sacrifício, à medida que se
arrependem e se sujeitam à misericórdia de Deus. E, assim, eles
aprendem que conseguem cumprir a lei apenas quando
reconhecem sua incapacidade de cumpri-la e quando recebem
como dádiva o perdão de pecados e a aceitação de Deus.
As leis de santidade
enfatizam as diferenças entre Deus e o povo pecador. Os
redimidos são chamados para compartilhar da santidade de
Deus por terem sido separados e diferenciados do resto da
humanidade.
O SIGNIFICADO DA REGENERAÇÃO
RESUMO
Regeneração é mais do que a mudança de uma
terra para outra. Também envolve a sujeição ao
governo de Deus e ser moldado conforme o
caráter dele. Israel, vivendo como o povo de Deus
na Terra Prometida, devia se distinguir como um
povo cujo Deus habita em seu meio e permite que
dele se aproximem por meio do ministério do
Tabernáculo.
TEMAS PRINCIPAIS
A Lei do Sinai
Liberdade por meio da redenção
Sacerdócio e mediação
Santificado para o Senhor
ALGUMAS
CHAVE
PALAVRAS- Filiação
Lei e graça
Sacrifício substitutivo
Santo
O CAMINHO ADIANTE
A lei escrita em pedra — A lei escrita no coração
deles, Jeremias 31.31-34 — Cristo cumprindo
a lei, Mateus 5.17 — Não debaixo da lei, mas
debaixo da graça, Romanos 6.14
Tabernáculo — Templo — Cristo, o novo templo
GUIA DE ESTUDO
1. Leia Êxodo 19.4-6. Quais são as principais características da
descrição de Israel dada aqui? Quais paralelos você percebe
entre elas e a nossa situação sob o evangelho?
2. Por que é errado dizer que Israel foi salvo pela obediência à
Lei? Qual é o papel da Lei no esquema de salvação somente
pela graça?
3. Faça um diagrama simples do Tabernáculo com base na
descrição dada em Êxodo 25—30. Identifique os principais
aspectos do projeto do tabernáculo que representam a
natureza da salvação.
4. Faça um resumo de Levítico 26. Em que essa passagem nos
ajuda a entender o lugar da Lei nos propósitos de Deus e o
significado de santidade?
LEITURA COMPLEMENTAR
DUMBRELL, William J. Covenant
Paternoster,1984). cap. 3.
and
Creation
(Exeter:
HARRISON, R. K. Leviticus. TOTC (Downers Grove: InterVarsity,
1980).
______. Levítico: introdução e comentário. Tradução de Gordon
Chown (São Paulo: Vida Nova, 1983). Tradução de: Leviticus.
IBD. Verbetes “Covenant”, “Law” e “Tabernacle”.
ROBERTSON, O. P. The Christ of the covenants (Phillipsburg:
Presbyterian & Reformed, 1980). cap. 10.
______. O Cristo dos pactos. 2. ed. Tradução de Américo Justiniano
Ribeiro (São Paulo: Cultura Cristã, 2011). Tradução de: The
Christ of the covenants.
A tentação no deserto
Então o tentador aproximou-se dele e disse: Se tu és o Filho de Deus,
ordena que estas pedras se transformem em pães.
Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: Nem só de pão o homem viverá,
mas de toda palavra que sai da boca de Deus (Mt 4.3,4).
Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, também é necessário
que o Filho do homem seja levantado; para que todo aquele que nele crê
tenha a vida eterna (Jo 3.14,15).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM NÚMEROS E
EM DEUTERONÔMIO
Depois de entregar a Lei aos israelitas no Sinai, Deus os dirigiu para
entrarem e tomarem posse da Terra Prometida. Temendo os habitantes de
Canaã, eles se recusaram a fazer isso, mostrando assim a falta de
confiança nas promessas de Deus. Toda a geração adulta que havia saído
do Egito, com exceção de Josué e Calebe, foi condenada a vagar e a
morrer no deserto. Israel foi proibido de expulsar da terra os seus parentes,
as nações de Edom, Moabe e Amon; contudo, recebeu a vitória sobre
outras nações que se lhe opuseram. Finalmente, quarenta anos depois de
sair do Egito, Israel chegou ao território moabita, na margem oriental do
Jordão. Ali Moisés preparou o povo para a posse de Canaã e designou
Josué como o novo líder dos israelitas.
ISRAEL SOB O NOME DE DEUS
Uma nova nação nasceu como o povo de Deus, e as promessas
feitas aos patriarcas parecem agora adquirir consistência. As
experiências que Israel teve de redenção do Egito e da presença e
da palavra do Senhor ordenando no Sinai indicam apenas uma
direção: a posse de um novo Éden, a Terra Prometida de Canaã.
Nada sintetiza tão bem a posição de Israel e a natureza de Deus
quanto a famosa bênção que Arão pronunciou sobre o povo por
ordem de Deus:
O SENHOR te abençoe
e te guarde;
o SENHOR faça resplandecer o seu rosto sobre ti
e tenha misericórdia de ti;
o SENHOR levante sobre ti o seu rosto
e te dê a paz (Nm 6.24-26).
Essas palavras têm um significado muito específico. Elas falam
do restabelecimento da relação correta com Deus, da constante
provisão divina para toda necessidade e da reabilitação da criação
caída. Assim, o nome de Deus está sobre Israel (Nm 6.27). Os
israelitas deviam carregar o nome de Deus entre as nações do
mundo, mas, como lhes lembrava o terceiro mandamento, eles não
deviam usar esse nome em vão, fazendo-o cair em descrédito.
O livro de Números dá ênfase especial à importância do
Tabernáculo na organização e governança da nação. Moisés
continua o seu ministério singular, que combina as funções de
profeta e de sacerdote. Deus prossegue lhe falando do propiciatório
no Tabernáculo, revelando mais detalhes de como a nação devia ser
regida. Assim que o Tabernáculo foi construído, uma nuvem durante
o dia e uma coluna de fogo durante a noite permaneciam sobre ele,
simbolizando a presença do Senhor. A percepção de que Deus de
fato vivia no meio do seu povo era realçada pela orientação da
nuvem a Israel. Toda vez que ela saía de sobre o Tabernáculo, o
povo se deslocava até que a nuvem parasse no lugar em que todos
deviam descansar. Era um povo peregrino cujo Deus o
acompanhava. Deus é o guerreiro que luta pela sua causa, que trará
bênção para Israel. Assim, quando o movimento da nuvem
sinalizava a hora de partir, Moisés dizia:
… Levanta-te, ó SENHOR,
e sejam dispersados os teus inimigos.
Fujam da tua presença os que te odeiam.
Então, quando a arca parava, Moisés dizia:
Volta, ó SENHOR,
para os muitos milhares de Israel (Nm 10.35,36).
O nome de Deus
estava sobre Israel, simbolizando as novas relações do reino de
Deus.
ISRAEL, O VIOLADOR DA ALIANÇA
Nada é mais notável do que a graça de Deus, e nada exemplifica
mais essa graça do que a perseverança e a bondade de Deus para
com um povo continuamente rebelde. Enquanto Moisés estava
sozinho no monte Sinai, o povo murmurou e foi explicitamente
rebelde (Êx 32). É provável que a fabricação do bezerro de ouro não
tenha sido uma tentativa deliberada de substituir YHWH por outra
divindade, mas uma recusa de aceitar a revelação de Deus. Mesmo
que, como alguns acreditam, o bezerro não se destinasse a ser uma
imagem de Deus, e sim um pedestal para ele, ainda implicava uma
ideia de Deus que era produto da imaginação pecaminosa. Portanto,
era idolatria. Somente a intercessão de Moisés pelo povo impediu
que os israelitas fossem destruídos. Pela fidelidade que
demonstraram naquele momento, os levitas foram designados
guardiões do Tabernáculo.
Agora o povo está se deslocando, e a rebeldia se torna uma
ocorrência frequente demais. Até Arão e Miriã questionam o papel
profético exclusivo de Moisés (Nm 12.1,2). Deus os repreende e
afirma que não fala com nenhum outro profeta “frente a frente”. De
novo, a intercessão de Moisés produz uma manifestação da graça
em meio ao juízo (Nm 12.3-15).
De todas as rebeliões de Israel, a recusa de entrar na Terra
Prometida deve ter sido a que mais provou a paciência do Senhor.
Um grupo de doze espias sondam a terra de Canaã e voltam com
relatórios. Dez deles ficam temerosos por causa da força da
oposição que observam, e o seu relatório causa medo em todo o
povo. Os outros dois, Josué e Calebe, insistem que o povo entre e
reivindique as promessas de Deus (Nm 13.30; 14.6-9). Eles são
ignorados enquanto os israelitas clamam para voltar ao Egito. A
reação do Senhor é aterrorizante: “… Até quando esse povo me
desprezará e não crerá em mim, apesar de todos os sinais que
tenho feito no meio dele?” (14.11). Mais uma vez, é a oração
intercessória de Moisés pelo povo que impede a destruição deste
(14.13-20). Ainda assim, há castigo. A geração que presenciou os
sinais milagrosos no Egito e usufruiu do Êxodo não entrará na Terra
Prometida, mas perambulará quarenta anos pelo deserto e lá
morrerá. Apenas Josué e Calebe acompanharão a nova geração na
entrada na terra (14.21-35).
Há o registro de outras rebeliões, e fica claro que Israel é incapaz
de guardar a aliança. O lado positivo desse fato sombrio é que a
infidelidade e o fracasso jamais prevalecem contra a fidelidade de
Deus. Toda vez que a graça e a fidelidade da aliança de Deus se
destacam elas nos fazem olhar para o futuro, quando o problema do
pecado humano será verdadeiramente derrotado em um ato
redentor surpreendentemente modesto. Esse evento é prenunciado
no deserto de modo inigualável quando uma praga de serpentes
peçonhentas é enviada como castigo contra a murmuração do povo.
Moisés clama a Deus por misericórdia, e o Senhor lhe ordena que
ponha uma serpente de bronze sobre uma estaca levantada no
meio do acampamento. Qualquer um que for mordido precisa tão
somente olhar para a serpente de bronze para ser salvo da morte
(Nm 21.4-9; Jo 3.14,15). Não existe nenhuma lógica perceptível
nessa medida a não ser a resposta de fé a uma palavra de
promessa.
Nesses acontecimentos da perambulação pelo deserto,
observamos o surgimento de um padrão de rejeição do paraíso por
Israel. A essência das promessas é o povo de Deus vivendo em
uma relação de aliança com o seu Senhor na terra que ele lhe dá.
Mas esse povo rejeita a terra em que manam leite e mel, pois está
com medo e não crê que Deus está de fato lhe dando a terra.
Aquela geração de israelitas permanecerá no deserto até morrer, e
os seus filhos agora precisam decidir se querem receber a dádiva.
A rebeldia de Israel
mostra que a relação de aliança ainda é imperfeita. Mas a
infidelidade de Israel é suprida pela fidelidade de Deus.
O PREPARO DA NOVA GERAÇÃO
Quarenta anos depois do Êxodo, a nova geração adulta se encontra
nas planícies de Moabe, a oeste do rio Jordão. O livro de
Deuteronômio registra o discurso de Moisés à nação quando esta se
prepara para entrar na Terra Prometida. É de reconhecimento geral
que Deuteronômio foi escrito na forma de um tratado de aliança e
representa a renovação da aliança com a nova geração, pronta para
avançar sob o comando de um novo líder, Josué. A primeira seção
esboça o período da história de Israel abrangido pelo livro de
Números. Ela enfatiza o amor da aliança de Deus ao realizar atos
poderosos para cumprir suas promessas a Israel. Relata também a
infidelidade e a rebeldia do povo no deserto (Dt 1—3).
Nesse ponto é dada a oportunidade para um novo começo. O
Senhor garante a Josué que é um Deus que luta por seu povo. Mas,
como sempre, a aliança tem seu aspecto condicional. O livro de
Deuteronômio repete as condições da aliança que devem ser
obedecidas (Dt 4—26). Essas condições expressam a relação de
fidelidade na aliança, resumida nas palavras: “Ouve, ó Israel: O
SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás o SENHOR, teu
Deus, de todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as
tuas forças” (Dt 6.4,5).
Essas regras de conduta santa são abarcadas por sanções, isto
é, pelo que ocorre a alguém se obedecer e o que ocorre se não
obedecer. As bênçãos e as maldições estão dispersas por todo o
livro, mas Deuteronômio 28 traz uma compilação abrangente delas.
Assim, o livro enfatiza a bondade de Deus na escolha de Israel e
nas bênçãos da aliança que ele concede a seu povo. Também
salienta reiteradamente a Israel a responsabilidade de viver de
acordo com sua condição de povo santo de Deus. Se a nação
rejeitasse essas responsabilidades, as bênçãos lhe seriam negadas.
Sua teimosia não só mereceria a remoção das bênçãos, mas
também provocaria as maldições.
Em nenhum lugar encontramos expressões mais eloquentes do
reino de Deus e do propósito da nova criação do que em
Deuteronômio. Deus, nesse livro, fala de sua soberania absoluta na
eleição de Israel, uma escolha que só pode ser explicada pelo
mistério do amor de Deus. Ele escolhe porque ama e ama porque
ama (Dt 7.6-11)! O objetivo dessa eleição é que Israel deve ser o
seu povo na boa terra, o novo Éden (8.7-10). Os israelitas serão
tentados a pensar que Deus expulsa os seus inimigos diante deles
porque eles próprios são justos e merecem tomar posse da terra.
Por isso devem se lembrar de que o bem que recebem eles não
merecem, mas o mal que qualquer nação recebe é copiosamente
merecido (Dt 9.1-24).
Seria um erro imaginar que Deuteronômio usa a promessa do
reino e a ameaça de destruição como as únicas motivações para a
fidelidade à aliança. Isso seria reduzir a salvação a uma
recompensa por boas obras. O senso de história do livro é coerente
com o que ocorreu antes na aliança do Sinai. Acima de tudo, é por
causa do amor redentor de Deus no evento do Êxodo que Israel é
chamado a ser obediente (Dt 4.20, 37-40; 5.15; 10.20-22).
Tampouco a obediência pode ser algo meramente formal, exterior,
como o simples sinal da circuncisão, pois a resposta a Deus tem de
ser do coração (10.12-16).
O livro de Deuteronômio também proporciona valiosas indicações
a respeito da família como a unidade fundamental da sociedade da
aliança. O conhecimento da eleição, da aliança e suas exigências,
bem como da redenção deve ser transmitido na família de geração a
geração (6.6-9). A única explicação para as leis e os regulamentos
que se pode dar a um filho curioso é o ato histórico de redenção
pelo qual os israelitas foram libertos da escravidão do Egito (Dt
6.20-25). Eles foram chamados para viver como pessoas salvas
pela graça.
Moisés encerra o seu último grande discurso como o profeta de
Deus pronunciando uma bênção sobre cada uma das tribos de
Israel. Em seguida, morre na terra de Moabe (Dt 33 e 34). Josué
está preparado para conduzir o seu povo ao reino que Deus
preparou para Israel.
A nova geração
está sob a aliança renovada com todas as garantias de que
Deus dará a Terra Prometida aos seus escolhidos.
PROMESSAS DE UM MUNDO REGENERADO
RESUMO
Uma nação regenerada sem uma terra
regenerada seria como Adão e Eva sem o Éden.
A promessa de posse da terra é a promessa de
uma terra renovada de um modo que aponta para
a eliminação de todos os efeitos nocivos da
Queda. Essa terra faz parte do reino, que só pode
ser recebido pela fé.
TEMAS PRINCIPAIS
Nome de Deus
Deus habitando com o seu povo
Terra Prometida
Desobediência de Israel
ALGUMAS
CHAVE
PALAVRAS- Bênção e maldição
Fé
Idolatria
O CAMINHO ADIANTE
O fracasso de Israel de entrar na terra — Uma
advertência aos cristãos, 1Coríntios 10.1-13
Descanso sabático para o povo de Deus, Hebreus
4.1-13
GUIA DE ESTUDO
1. Em que sentido a terra de Canaã pode ser considerada um
novo Éden? Consulte Êxodo 3.16,17; 15.17,18 e
Deuteronômio 8.7-10.
2. Em que sentido Israel foi “salvo” pela libertação do Egito?
Mencione alguns acontecimentos que mostram que a nação
é “não salva”.
3. Como os acontecimentos do deserto mostram o modo de
Deus lidar com a infidelidade de Israel ao mesmo tempo que
ele mesmo permanece fiel às suas promessas?
4. Como Paulo aplica a situação dos israelitas aos cristãos em
1Coríntios 10.1-13?
LEITURA COMPLEMENTAR
IBD. Verbete “Deuteronomy, book of”.
THOMPSON, J. A. Deuteronomy: an introduction and commentary.
TOTC (Downers Grove: InterVarsity, 1974).
______. Deuteronômio. Tradução de Carlos Osvaldo Pinto (São
Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1982). Tradução de:
Deuteronomy: an introduction and commentary.
WENHAM, G. J. Numbers. TOTC (Downers Grove: InterVarsity, 1981).
______. Números: introdução e comentário. Tradução de Adiel
Almeida de Oliveira (São Paulo: Vida Nova, 1985). Tradução de:
Numbers.
Na boa terra
Portanto, ainda resta um repouso sabático para o povo de Deus (Hb 4.9).
… Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso (Lc 23.43).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM JOSUÉ,
JUÍZES E RUTE
Sob a liderança de Josué, os israelitas atravessaram o Jordão e iniciaram a
tarefa de expulsar os habitantes de Canaã. Após a conquista, a terra foi
dividida entre as tribos, e cada uma foi estabelecida na sua própria região.
Apenas a tribo de Levi ficou sem herança de terra por causa de sua
relação sacerdotal especial com Deus. Ainda restaram na terra bolsões de
cananeus, que de tempos em tempos ameaçavam o domínio de Israel
sobre a nova possessão. Da liderança exercida por um único homem,
Moisés e depois Josué, a nação entrou em um período de relativa
instabilidade, durante o qual juízes exerciam algumas medidas de controle
sobre as atividades e outras questões do povo.
Uma explicação
A esta altura você já deve ter percebido que fui aumentando
continuamente a quantidade de material bíblico tratado em cada
capítulo. A razão é simples: a maioria dos temas principais que
nos dizem respeito como teólogos bíblicos foi apresentada nos
estágios iniciais da Bíblia. Gênesis e Êxodo são, portanto,
analisados de modo mais detalhado do que a maioria dos livros
posteriores. Talvez você pergunte por que a maioria dos autores
bíblicos não adotaram a mesma atitude. Basta dizer que eles
estavam escrevendo para as necessidades de sua própria
época, e não puramente para o nosso benefício. Não
ignoramos o material dos livros posteriores, mas é possível
tratar desse material com menos pormenores, uma vez que as
bases já foram lançadas.
AS PROMESSAS
Quarenta anos no deserto é muito tempo! Talvez seja tempo
suficiente para as pessoas da nova geração se esquecerem do
fracasso terrível de seus pais de tomar posse das promessas de
Deus. Mas agora, alentadas pela vitória sobre os reis da
Transjordânia, elas se preparam para enfrentar o inimigo. Josué, o
seu líder, ouve novamente as promessas de Deus: ele está dando a
terra aos israelitas, e ninguém será capaz de impedi-los, porque
Deus está lhes fazendo herdar a terra (Js 1.1-9). A condição para
alcançarem esse objetivo é a obediência à palavra de Deus. Sem
dúvida, exige-se a obediência de todo o povo, mas aqui ela é
exigida sobretudo de Josué, o líder. Ele deve meditar na lei de Deus
e ser atento ao seu cumprimento. Fé e coragem caminham lado a
lado com a obediência, pois Deus está com o seu povo (1.9).
A obediência à aliança exigida do líder de Israel foi prenunciada
em Deuteronômio 17.14-20. Quando o povo já estivesse
estabelecido na terra e acabasse decidindo ter um rei, o escolhido
devia ser um líder que vivesse pela Lei. O rei, ou líder, representa o
povo, e a sua santidade pessoal influencia a vida da nação.
Observando isso pelo ângulo teológico, percebemos que o governo
de Deus sobre o seu povo no lugar que ele lhe dá é mediado por um
líder humano que deve refletir o caráter de Deus para o povo. Esse
tema, que se desenvolve com ainda mais destaque no Antigo
Testamento, é importante para entendermos o reino de Deus no
Novo Testamento. As promessas de Deus são cumpridas pela figura
de um rei humano digno de conduzir o povo de Deus para a Terra
Prometida.
O cumprimento
das promessas de Deus se realizará com Deus agindo por meio
de seres humanos escolhidos.
O CUMPRIMENTO
O cerne teológico do livro de Josué pode ser compreendido pela
leitura do primeiro e dos dois últimos capítulos. Como prometido,
Israel entra na terra, onde o Senhor lhes dá descanso na forma de
posse incontestável (Js 23.1-13). A única razão da posse da terra
pelos israelitas é o Senhor ter lutado por eles. Embora ainda
restasse uma parte de território para ser conquistada (23.4,5),
consideram-se cumpridas as promessas: “… sabeis no coração e na
alma que não falhou uma só palavra de todas as boas coisas que o
SENHOR, vosso Deus, falou a vosso respeito; nenhuma delas falhou,
mas todas se cumpriram” (23.14; veja também 21.43-45).
A maior parte do livro de Josué descreve como ocorreu esse
cumprimento das palavras de Deus. Assim como a saída do Egito
foi marcada pelo milagre divino da separação das águas do mar
diante do povo, também a entrada em Canaã teve um milagre
semelhante. Dessa vez, as águas do rio Jordão foram detidas para
que o povo atravesse a pé (3.1-17). Foi um sinal de que Deus
estava com eles e de que expulsaria os habitantes da terra (Js
3.10). Durante a travessia, Deus ordenou que Josué tirasse doze
pedras do rio e com elas erguesse um monumento no lugar em que
eles acampavam pela primeira vez na Terra Prometida. Haveria,
assim, mais uma oportunidade para responder ao “por quê?” curioso
de um filho com uma explicação dos atos salvadores do Senhor ao
ter criado uma passagem tanto no mar Vermelho quanto no Jordão
(Js 4.21-24; compare Dt 6.20-25). Perceba a coerência com a qual o
evangelho dos atos salvadores de Deus, em sua forma
veterotestamentária, é apresentado como o único meio de dar
sentido à existência de Israel.
O relato da conquista de Jericó é um exemplo da realização
dessa teologia. Antes da batalha, um comandante angélico dos
exércitos do Senhor aparece a Josué. Ele ordena uma estratégia
para a derrota da cidade que envolve homens armados marchando
ao redor de seus muros com a arca da aliança. A conclusão é que a
batalha pertence ao Senhor e o seu poder subjuga Jericó. No
entanto, o milagre da destruição não se deu sem participação
humana (Js 5.13—6.7). A mediação dos atos de Deus por
determinadas pessoas escolhidas é um tema bíblico constante.
No processo de conquista, determinadas partes da terra foram
consagradas ao Senhor para serem destruídas, a fim de que Israel
soubesse que a terra é do Senhor. Jericó foi um desses lugares
consagrados, o que significava que a cidade devia ser totalmente
destruída. Qualquer israelita que se apropriasse de algo dedicado a
Deus se tornaria ele mesmo consagrado à destruição (Js 6.17-21,
NVI). Esse contexto nos permite entender o pecado de Acã, que
saqueou alguns objetos de Jericó. O efeito imediato foi a derrota
desastrosa dos israelitas nas mãos dos homens de Ai (7.1-5).
Quando foi revelado que Acã era o transgressor, ele e toda a sua
casa foram destruídos (7.6-26). Observamos nesse fato o princípio
corporativo que opera nas Escrituras. Um representa todos os
outros por causa da solidariedade corporativa, ou unicidade, do
grupo. Desse modo, toda a raça humana pecou em Adão. Porque
Noé achou graça aos olhos do Senhor, toda a sua família foi salva.
Em Abraão, toda a nação foi escolhida. Mediante as ministrações de
um só sacerdote, todo o povo é reconciliado com Deus. E assim as
ideias de representação e substituição vão se desenvolver até se
fixarem no conceito de salvação. Agora, o líder único Josué (cujo
nome significa “Jeová é salvação”) media os atos salvadores e
julgadores de Deus.
O poder de Deus
subjuga a oposição ao cumprimento de suas promessas.
TODAS AS NAÇÕES SERÃO ABENÇOADAS
Agora vamos recordar o último elemento da promessa a Abraão
relatada em Gênesis 12.3 — todas as nações serão abençoadas por
meio de seus descendentes. Uma única nação, uma nação
sacerdotal, mediará as bênçãos de Deus para todas as nações do
mundo. O fundamento da missão cristã está nessa promessa. Será
que isso significa que Israel tinha missão semelhante ao trabalho
missionário da igreja? Fazer uma pergunta como essa é correr o
risco de introduzir no Antigo Testamento o entendimento
neotestamentário de missão. É melhor perguntarmos como Israel
devia levar uma bênção para todas as nações. Pelo menos parte da
resposta está começando a surgir. Alguns gentios são trazidos para
a comunidade, por vários meios, para compartilhar com Israel das
promessas de Deus.
Não se deve, erroneamente, considerar isso uma contradição
das noções bem rigorosas de santidade e separação das nações
por parte de Israel, expressas na proibição de casamentos mistos.
Então, o que dizer sobre o casamento de Moisés com uma midianita
(Êx 2.21) e com uma etíope (cuxita) (Nm 12.1)? Precisamos
entender que o casamento com um estrangeiro era aceitável caso
este fosse um prosélito, um convertido à fé de Israel. O caso de
Raabe é ligeiramente diferente (Js 2.8-14; 6.17,25). Ela passou a
fazer parte do povo israelita não pelo casamento, mas por uma
confissão ativa de fé no Deus de Israel. Ela foi convencida de que
Deus estava dando Canaã aos israelitas, por isso ela e toda a sua
casa se salvaram e ficaram livres da destruição de Jericó.
Nesse contexto teológico se insere o livro de Rute, posicionado
em nossa Bíblia depois de Juízes por causa de seu contexto
histórico (na Bíblia hebraica, ele se encontra na última das três
seções do cânon). O livro trata da devoção de uma mulher de
Moabe a Deus. Essa mulher encontra aceitação em Israel, é
redimida por um parente e se torna uma ancestral do rei Davi.
Contudo, seja qual tenha sido o meio de entrada desses prosélitos,
foi em Israel que entraram. Não havia nenhum outro meio revelado
de salvação a não ser tornar-se israelita. No entanto, os israelitas
não se viam obrigados a sair e convencer estrangeiros a se
tornarem prosélitos.
Os gentios
começam a compartilhar das bênçãos da aliança desde o início
dos atos salvadores de Deus.
O MODELO DE SALVAÇÃO
Se o livro de Josué realça a bem-sucedida posse da terra, o de
Juízes se concentra nos defeitos dessa realização. Em muitos
lugares, os israelitas mantiveram os inimigos vencidos para utilizálos em trabalhos forçados (Jz 1.27-36). O Senhor os repreende por
fazerem aliança com os cananeus e os lembra de que esses
estrangeiros se transformariam numa armadilha para eles (2.2,3).
O tema do livro é apresentado em Juízes 2.11-23. Assim que os
israelitas obtêm a posse da terra em geral, o padrão de
acontecimentos se torna um ciclo repetitivo. O povo se rebela contra
o Senhor e se entrega ao sincretismo religioso (a mistura de ideias
pagãs com as da nação) e até à apostasia. Evidentemente, a
religião de Canaã é muito atraente para os israelitas (2.11-13). Deus
os pune por isso, permitindo que estrangeiros invadam a terra e os
oprimam. Em seguida, quando clamam angustiados, Deus envia
juízes para os salvar de seus inimigos (2.14-23).
Por meios diferentes, os juízes, cujos feitos são registrados no
livro que leva esse nome, são usados por Deus para salvar o povo
das consequências de sua própria insensatez. Está registrado que o
Espírito do Senhor veio sobre alguns desses juízes (3.10; 6.34;
11.29; 13.25; 14.19; 15.14,19). Por isso, eles foram capazes de
realizar feitos extraordinários e aplicar grande força para derrotar os
inimigos de Israel. Quando a situação se estabilizava durante um
tempo, esses juízes julgavam Israel, o que provavelmente significa
que exerciam algum tipo de liderança e ofício jurídico.
Assim, esse período decisivo na história de Israel reforça o
modelo de salvação estabelecido no Êxodo. Embora os israelitas
habitem fisicamente a Terra Prometida, a desobediência deles os
impede de usufruir as bênçãos prometidas. Eles entram
reiteradamente numa espécie de cativeiro. Mas, diferentemente da
situação do cativeiro egípcio, o motivo desses é claramente a
rejeição pecaminosa ao Senhor. Ainda assim, a fidelidade de Deus e
seu amor aliancístico os levam à salvação mediante algum ato
salvador de Deus em que figura um representante escolhido. O dom
do Espírito aos juízes indica que Deus faz pelos israelitas, mediante
um ser humano escolhido e capacitado por esse Espírito, aquilo que
eles não conseguem fazer por si mesmos.
O modelo da salvação
se repete muitas vezes na história de Israel, reforçando a
revelação de Deus no Êxodo.
REINADO NO REINO
Como Deus governa o seu reino? No Éden, ele governava falando a
Adão e Eva e lhes dando o domínio sobre o restante da criação.
Deus estava governando quando chamou Abraão. Estava
governando quando falou a Moisés da sarça ardente e quando lhe
deu a Lei no monte Sinai. Já vimos que a decisão de Deus foi
governar o seu reino, mesmo antes da Queda, por meio de seres
humanos. Moisés, o profeta e sacerdote, também mediou o reinado
de Deus com a Lei e com sua liderança pessoal. A liderança de
Josué manteve a lei de Moisés e se manteve firme contra as nações
que se opunham à vinda do reino de Deus. A destruição dos
cananeus tem de ser entendida como a invasão do reino de Deus
em um mundo estranho e rebelde. Portanto, os atos salvadores de
Deus em prol de seu povo escolhido são atos de juízo contra
nações ímpias (Dt 9).
Do mesmo modo que o povo escolhido é, em conjunto, uma raça
muito cheia de defeitos, mais inclinada a violar a aliança do que a
observá-la, assim também as figuras de sua liderança são
imperfeitas. O próprio Moisés foi impedido de entrar na terra por
causa de um acesso de raiva no deserto (Nm 20.10-13). Os juízes
não eram um grupo de homens muito atraentes. Parece que Eúde
era um personagem ardiloso, Gideão discutiu com Deus para saber
se de fato tinha o sinal verde para empreender sua luta (Jz 6.36-40)
e Sansão parecia meio cabeça-dura e mulherengo. No período que
se seguiu ao dos juízes, o reino de Israel foi governado por Saul,
Davi e Salomão, todos estes com falhas de caráter.
Precisamos distinguir entre o padrão dos eventos e a perfeição
deles. Os eventos da história salvífica no Antigo Testamento
prefiguram e demonstram o modelo de um ato salvador único,
verdadeiro e perfeito ainda por vir. Fazem isso suficientemente bem
para indicar ao povo da época o caminho da salvação pela graça
mediante a fé. Deus não estava fazendo “joguinhos” com Israel em
favor de nós, que chegamos depois. Suas promessas são
verdadeiras para Israel, e é claro o caminho da salvação
apresentado. Apesar das falhas das figuras salvíficas — os profetas,
os sacerdotes e os reis — e do fracasso geral de Israel, tudo isso
indica que o verdadeiro evento salvador ainda está por vir.
A função redentora do povo e dos eventos imperfeitos do Antigo
Testamento exemplificam o conceito de tipologia de que tratei na
página 70. A tipologia entende que os eventos históricos do Antigo
Testamento proporcionam o foco da fé nas promessas de Deus que
apontam, para além desses fatos, isto é, para a realidade que virá
em Cristo. Desse modo, não apenas distinguimos entre o padrão e a
perfeição (ausente), mas também entre a insuficiência do tipo
veterotestamentário para salvar e a sua função de indicar adiante a
única e verdadeira base de salvação em Jesus Cristo. A Epístola
aos Hebreus nos mostra que um ponto principal de unidade entre os
dois Testamentos é o modelo da redenção, enquanto a verdadeira
diferença está na suficiência única e exclusiva da obra salvadora de
Jesus para salvar qualquer um.
O reinado humano
começa a surgir como o meio usado por Deus para governar
sobre o seu povo.
PRENÚNCIO DE UM MUNDO REGENERADO
RESUMO
A terra de Canaã era uma terra boa, pronta para
ser possuída e desfrutada pelo povo de Deus. A
entrada do povo nessa terra foi acompanhada de
sinais do poder regenerador de Deus. Porém,
mesmo ao tomarem posse dela, a desobediência
e o fracasso dos israelitas lhes ameaçaram a
condição de povo redimido de Deus que está
desfrutando as bênçãos da aliança.
TEMAS PRINCIPAIS
Promessa da posse
A guerra santa do Senhor
Conquista
ALGUMAS
CHAVE
PALAVRAS- Mediação
Reinado
Prosélito
O CAMINHO ADIANTE
Israel entra na Terra Prometida — O retorno dos
exilados, Ezequiel 36.8-12 — Descanso
sabático para o povo de Deus, Hebreus 4.1-13
GUIA DE ESTUDO
1. Faça uma lista das pessoas da história bíblica até aqui que
intermediaram a palavra e as ações de Deus. De que modo
cada uma delas se mostra “uma em nome de todas as
outras”?
2. Como os eventos do Êxodo e da entrada em Canaã
estabelecem o modelo da salvação? Em que aspecto eles
deixam de apresentar o significado pleno da salvação?
3. Que lugar você atribuiria à criação e à aliança em uma
teologia bíblica da missão cristã?
4. Resuma a importância do livro de Juízes para a teologia
bíblica.
LEITURA COMPLEMENTAR
CUNDALL, A. E. Judges. TOTC (Downers Grove: InterVarsity, 1968).
IBD. Verbetes “Judges, book of” e “mediator”.
______. “Juízes”. In: CUNDALL, Artur E.; MORRIS, Leon. Juízes e Rute:
introdução e comentário. Tradução de Oswaldo Ramos (São
Paulo: Vida Nova, 1986). Tradução de: Judges.
O governo de Deus na terra de Deus
Ficarás grávida e darás à luz um filho, a quem darás o nome de Jesus. Ele
será grande e se chamará Filho do Altíssimo; o Senhor Deus lhe dará o
trono de Davi, seu pai (Lc 1.31,32).
… Destruí este santuário, e eu o levantarei em três dias (Jo 2.19).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BíBLICA EM 1 E
2SAMUEL, 1REIS 1—10, 1CRÔNICAS E
2CRÔNICAS 1—9
Samuel se tornou juiz e profeta para todo o Israel numa época em que os
filisteus ameaçavam a liberdade da nação. Um antigo movimento a favor
da monarquia ressurgiu e apresentou sua reivindicação a um relutante
Samuel. O primeiro rei, Saul, teve um início de reinado promissor, mas
acabou se mostrando inapto como regente do povo da aliança. Enquanto
Saul ainda reinava, Davi foi ungido para sucedê-lo. Por causa da inveja de
Saul, Davi passou a ser marginalizado. Entretanto, quando Saul morreu em
batalha, Davi retornou e se tornou rei (cerca de 1000 a.C.). Graças a seus
êxitos, Israel se tornou uma nação poderosa e estável. Davi estabeleceu
um santuário central em Jerusalém e criou uma administração profissional
bem como um exército permanente. O filho de Davi, Salomão, sucedeu-o
(cerca de 961 a.C.), e a prosperidade de Israel continuou. A construção do
Templo em Jerusalém foi uma das realizações mais notáveis de Salomão.
SAUL
Quando a posse da Terra Prometida por Israel foi ameaçada, com
razão o povo procurou ajuda, mas não necessariamente o tipo certo
de ajuda. Depois dos êxitos de Gideão contra o saque dos
midianitas, os israelitas propuseram que ele estabelecesse uma
dinastia de reis. Gideão rejeita isso com base no princípio de que só
o Senhor é Rei (Jz 8.22,23). Após a morte de Gideão, um de seus
filhos, Abimeleque, logrou tornar-se governante durante um tempo,
provavelmente sobre uma região relativamente pequena (Jz 9). O
governo dos juízes prosseguiu. O livro de Juízes termina com uma
referência à instabilidade e ao caos na terra, decorrentes da
ausência de um rei (Jz 21.25).
No período do profeta e juiz Samuel, algumas batalhas
desastrosas com os filisteus reavivaram o movimento a favor da
monarquia. Os livros de Juízes e 1Samuel demonstram aparente
ambivalência quanto à conveniência de uma monarquia em Israel.
Gideão a rejeitara, e agora Samuel também a rejeita. Às vezes se
propõe que 1Samuel comporta duas vertentes, uma extraída de um
documento pró-rei e a outra, de um documento contrário ao rei.
Acho difícil acreditar que o autor do livro de 1Samuel, tal como o
temos agora, fosse tão inapto que não conseguisse resolver e evitar
ideias contraditórias. A ambivalência não está na redação, mas, sim,
na situação histórica real.
É preciso lembrar que a ideia de monarquia foi delineada muito
antes disso. Jacó profetizou sobre o reinado de Judá, sem nenhuma
insinuação de que isso não seria vontade de Deus (Gn 49.8-10).
Nos estatutos e ordenanças de Deuteronômio existe a disposição
legal para um rei (Dt 17.14-20). Havia diretrizes rigorosas para
distinguir com clareza entre o tipo comum de governante despótico
pagão e o rei cujo governo reflete a relação da aliança com o Deus
vivo. Os reis de Israel deviam temer ao Senhor, guardar a sua lei e
não se considerarem superiores a seus irmãos. Em outras palavras,
a aliança define a monarquia para Israel. Infelizmente, o povo nem
sempre entendeu as coisas desse modo. Em vez de adotar a
aliança como modelo da monarquia, os israelitas certamente
desejaram as vantagens que aparentemente o governo autocrático
dos reis cananeus e filisteus oferecia.
Desse modo, o pedido por um rei, a que Samuel a princípio
recusa, nasceu do desejo de imitar as nações pagãs. Com efeito, foi
uma rejeição do modelo da aliança e, portanto, uma rejeição do
governo de Deus (1Sm 8.4-8). Podemos supor que Deus ordenou a
Samuel que acatasse o pedido porque sempre fora vontade divina
governar Israel por meio de um rei. O povo teria de aprender do
modo difícil o que era a realidade do governo da aliança. Desse
modo, Samuel advertiu os israelitas de que o tipo de rei que
estavam pedindo acabaria não sendo o que eles queriam (8.10-18).
Estavam mais interessados em segurança, estabilidade e força do
que na aliança. Esqueceram-se de que, na aliança, Deus se
comprometera a lhes dar tudo isso como nenhum governante pagão
poderia.
Quando Saul é escolhido publicamente por sorteio, não há
nenhum indício de que ele será um fiasco. Na verdade, Saul é muito
promissor e começa seu reinado desempenhando o papel de um
juiz-salvador. Ele reconhece prontamente a mão do Senhor em sua
vitória sobre os amonitas (11.12-15). Samuel deixa a liderança, mas
adverte os israelitas de que cabe a eles e a Saul decidir se querem
seguir o Senhor. Se o seguirem, tudo ficará bem (12.14,15).
Não é isso que acontece. O primeiro erro grave de Saul é tomar
para si o ofício de sacerdote, e logo depois disso Samuel lhe diz que
o seu reino lhe será tomado (13.8-14). Em seguida, o Senhor o
envia para destruir os amalequitas, os quais Deus consagrou à
destruição. Saul retém parte do melhor gado dos amalequitas,
alegando que sacrificaria os animais a Deus. Com isso, demonstra
ser um tipo completamente oposto ao rei da aliança descrito em
Deuteronômio 17. Ele rejeitou a palavra do Senhor e, então, o
Senhor o rejeita como rei (1Sm 15.1-23).
Saul
mostra que a monarquia é a vontade de Deus para o seu povo,
mas somente se ela refletir a relação de aliança.
DAVI
Enquanto Saul ainda vivia e governava como rei, um homem
segundo o coração do próprio Deus estava sendo conduzido à
liderança, sem nenhum plano ou vontade próprios (1Sm 13.14).
Samuel foi enviado para escolher Davi entre todos os filhos de
Jessé (16.13) e o ungiu rei no lugar de Saul. O Espírito do Senhor
veio sobre Davi, mas abandonou Saul (16.13,14). O papel do juizsalvador jamais se mostrou com tanta clareza como quando o jovem
Davi, capacitado pelo Espírito, matou Golias (1Sm 17). Nesse fato
fica evidente que o juizado salvífico é o precursor da monarquia
salvífica que está surgindo. Enquanto todo o Israel recua
aterrorizado diante dos filisteus e de seu herói, o rei ungido de Deus,
de aparência fraca e insignificante, luta por seu povo sabendo que a
batalha é do Senhor (17.45-47). Davi resiste sozinho como um no
lugar de muitos, e, por seu intermédio, Deus opera a salvação para
Israel.
É compreensível que Davi seja celebrado pela nação. A inveja de
Saul cresce a ponto de seu único desejo ser matar Davi. Rejeitado e
desprezado, Davi foge da sociedade e reúne em torno de si um
bando de desajustados. Contudo, é tão forte em Davi a consciência
de que o rei é ungido por Deus que ele se recusa, pelo menos em
duas ocasiões, a levantar a mão contra Saul. Ele está disposto a
deixar que o Senhor retire o seu ungido do cargo (1Sm 24.1-7; 26.612). Do mesmo modo, no tempo de Deus, Davi será vindicado aos
olhos do povo e elevado ao trono. A sanidade de Saul e o domínio
do reino lhe escapam, e ele morre em batalha contra os filisteus no
monte Gilboa (1Sm 31).
A transição do reinado de Saul para o de Davi não é
particularmente tranquila. Não obstante, Davi é logo proclamado rei,
aos trinta anos de idade. Por ordem do Senhor, ele inicia uma
campanha exitosa contra os filisteus e protege as fronteiras de
Israel. Também retoma a fortaleza de Jerusalém dos jebuseus e a
transforma em capital (2Sm 5). Ele traz a Arca da Aliança para
Jerusalém (2Sm 6) e decide construir um santuário permanente
para ela (7.1-3). Contudo, o profeta Natã leva-lhe a palavra do
Senhor proibindo-o de construir o templo.
A aliança de Deus com Davi é da máxima importância para
entender a teologia que envolve esse rei, que é o mais notável de
todos. Deus prometeu engrandecer o nome de Davi e dar ao seu
povo descanso em sua terra. Não permitiu que Davi lhe construísse
uma casa (um templo), mas afirmou que ele mesmo edificaria para
Davi uma casa (uma dinastia). Davi teria um filho que de fato
construiria o templo e cujo trono se estabeleceria para sempre (7.412). A continuidade dessa aliança com a aliança firmada com
Abraão pode ser observada em seus respectivos resumos. A frase
“Serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo” resume o propósito
de Deus na aliança com Abraão e, depois deste, com Israel (Gn
17.7,8; 26.12; Jr 7.23; 11.4; 30.22). Agora a promessa a respeito do
filho de Davi, aquele que representará todos os outros, é dada do
seguinte modo: “Eu serei seu pai, e ele será meu filho…” (2Sm
7.14). Por isso, o filho de Davi também é o filho de Deus, e a sua
casa, o seu trono e o seu reino serão estabelecidos para sempre
(7.16).
Muito tempo depois de sua morte, Davi ainda é exaltado por essa
relação com a aliança. No salmo 89 (veja também salmo 132) é
possível encontrar um exemplo disso. O salmista começa exaltando
a Deus por seu amor aliancístico (hebraico: hesed) e sua fidelidade
estabelecidos para sempre (v. 1 e 2). Toda a esperança de Israel
agora se concentra nas profecias de Natã a Davi (2Sm 7). Com
efeito, a aliança com Davi é retratada como a mais importante de
todas as promessas de Deus: Fiz uma aliança com meu escolhido;
jurei ao meu servo Davi:
estabelecerei tua descendência para sempre e firmarei teu trono por todas
as gerações (Sl 89.3,4).
Em seguida há uma aparente intromissão, quando o salmista vai
a regiões celestiais em que Deus é louvado por todas as criaturas e
pelos exércitos de seres angelicais. De lá, Deus exerce o seu
reinado no mundo, controlando a natureza e demonstrando graça
para o seu povo (89.5-18). Isso, porém, não é nenhuma intromissão,
pois esse reinado glorioso de Deus deve ser representado na terra
pelo reinado de Davi e seus descendentes. A aliança com Davi
inclui todas as promessas anteriores da aliança. O salmista diz a
respeito de Deus: A retidão e a justiça são os alicerces do teu trono;
o amor e a fidelidade (hesed) vão à tua frente (Sl 89.14, NVI).
E sobre o filho de Davi, ele diz:
Minha fidelidade e meu amor (hesed), porém, estarão com ele, e em meu
nome o seu poder será exaltado (89.24).
A aliança é tanto condicional quanto incondicional: Se seus
descendentes abandonarem minha lei […]
castigarei sua transgressão com vara,
e seu pecado, com açoites.
Mas dele não retirarei todo o meu amor (hesed), nem faltarei com minha
fidelidade.
Não violarei minha aliança,
nem alterarei o que saiu de meus lábios (89.30,32-34).
Já vimos que esse princípio condicional/incondicional atuou
quando uma geração inteira do povo escolhido morreu no deserto
por causa de seus pecados, mas uma nova geração continuou sob
a promessa. Veremos o princípio se repetir mais de uma vez
futuramente. Ele significa apenas que a infidelidade do povo da
aliança atrai o juízo de Deus, mas nunca pode anular a fidelidade da
aliança (hesed) de Deus. De algum modo, dentre o povo infiel da
aliança, sempre surge uma parte, um remanescente, que é fiel
porque Deus é fiel.
Davi
recebe promessas de Deus que resumem todas as promessas
anteriores da aliança e se concentram na linhagem de
descendentes davídicos.
SALOMÃO
Salomão sucede ao pai, Davi, no trono por volta do ano 961 a.C. É
um personagem complexo e, como os seus predecessores, muito
promissor, além de demonstrar alguns defeitos significativos. A
narrativa de 1Reis 3—10 se concentra nos aspectos bons desse
homem, a quem a profecia de Natã se referiu como o filho de Deus
e construtor do Templo. Apenas depois de ficarmos sabendo das
virtudes de Salomão, alguns elementos negativos de seu reinado,
como os casamentos mistos e a desobediência religiosa, são
insinuados, sem nenhum comentário direto (1Rs 3.1,2).
As características notáveis de Salomão são narradas de um
modo que o mostra como aquele que dá os últimos retoques às
glórias do reinado de Davi. Davi foi um líder perspicaz e se
aconselhava com homens sábios. Salomão é mencionado como o
principal sábio de Israel, que deseja e recebe uma mente
compreensiva para governar o povo (1Rs 3.6-9; 4.29-34). O fato de
a sabedoria ser a característica do reinado de Salomão exige que
entendamos o significado da sabedoria na teologia bíblica (veja o
capítulo 18). O rei que governa com sabedoria não está apenas
preocupado com decisões inteligentes que promovam a justiça (1Rs
3.16-28), mas também obtém prosperidade na boa terra de acordo
com a promessa da aliança (4.20-28). Ele busca encontrar as
relações existentes entre todas as partes da criação (4.29-34). No
centro dessa sabedoria está a revelação de Deus e a sua aliança.
Até a magnificência do Templo está associada à sabedoria de
Salomão.
O toque magistral religioso de Davi foi trazer a arca da aliança
para Jerusalém e transformar a cidade no ponto central da relação
da aliança com Deus. Todas as promessas de Deus a respeito de
sua relação com seu povo e com a terra que lhe deu se
concentraram em Jerusalém, ou Sião. Salomão agora constrói o
templo como o lugar de habitação de Deus na cidade santa. A glória
do templo é descrita com detalhes em 1Reis 5—7, mas a teologia
relacionada a ele é apresentada na oração dedicatória de Salomão
(1Rs 8).
Em primeiro lugar, o templo substitui o tabernáculo e funciona
como santuário permanente e fixo na Terra Prometida. Quando a
arca é trazida para o santuário, a glória do Senhor enche a casa
(8.6-10). Esse agora é o lugar de sacrifício e reconciliação com
Deus. Quando o pecado obscurece o relacionamento da nação com
Deus, o arrependimento e a oração voltados para o templo
asseguram o perdão. Com essa casa e seu ministério se mantém a
relação da aliança (8.15-53). Até a promessa para os gentios está
centrada no templo, pois é nele que os estrangeiros podem
encontrar aceitação diante de Deus. O templo é um testemunho
para todas as nações de que Deus habita em Israel e é encontrado
por meio do nome que ele revelou e pelo qual se denomina o
templo. Em outras palavras, um estrangeiro só pode se tornar parte
do povo de Deus indo ao templo, pois é nele que Deus decidiu tratar
com aqueles que o buscam (8.41-43).
É claro que o reinado e o caráter de Salomão apresentam
defeitos. A história bíblica, no entanto, concentra-se antes de tudo
nos aspectos positivos, pois é a partir deles que se pode deduzir a
importância teológica de Salomão. Ele é o filho da aliança que
medeia o governo de Deus na terra de Deus. Juntamente com Davi,
ele mostra o modelo do governo do rei-salvador messiânico. O
reinado messiânico é marcado pela verdadeira sabedoria, pela
glória da terra e da corte real. É coroado pela casa de Deus, que é
para Israel o centro visível do universo e a pedra de toque de
realidade e verdade.
Salomão
completa o modelo de governo de Deus, que é mediado pelo rei
ungido (messias).
O MODELO DE GOVERNO DA NOVA TERRA
RESUMO
O efeito combinado dos reinados de Saul, Davi e
Salomão expôs o modelo do governo de Deus na
nova terra. No seu âmago estava a aliança. O rei
representava toda a nação como o verdadeiro
parceiro da aliança de Deus. Ao mesmo tempo,
mediava o governo de Deus sobre as pessoas em
união com o templo e o seu ministério de
reconciliação e perdão.
TEMAS PRINCIPAIS
Juizado
Reinado
Templo
Aliança davídica
ALGUMAS
CHAVE
PALAVRAS- Amor aliancístico (hesed)
O CAMINHO ADIANTE
A linhagem de Davi estabelecida em Jerusalém —
Um novo Davi reinará em uma nova
Jerusalém, Jeremias 23.5,6; Ezequiel 34.20-31
— Cristo, o novo Davi, Atos 2.29-33; 13.23;
32-34
GUIA DE ESTUDO
1. Da perspectiva mais ampla sobre a monarquia examinada
neste capítulo, por que Deus foi tão rígido com Saul? Foi
errado os israelitas terem querido um rei?
2. Leia 2Samuel 7.1-14. Em sua opinião, por que alguns
consideraram essa passagem o núcleo teológico dos livros
de Samuel? Veja o que outros autores bíblicos disseram
sobre ela: salmos 89 e 132; Isaías 9.6,7; 55.1-4; Jeremias
23.5,6; 33.23-26; Ezequiel 34.20-24.
3. Como Salomão cumpre a profecia de Natã, em 2Samuel
7.12-14, sobre o filho de Davi? Considerando que Israel é
idealmente o filho de Deus, o que significa Salomão ser o
filho de Deus?
4. Resuma a teologia bíblica do reinado sobre o povo de Deus
conforme ela foi revelada até o período de Salomão.
LEITURA COMPLEMENTAR
GK. p. 69-76.
IBD. Verbetes “David”, “Saul”, “Solomon” e “Temple”.
KG. cap. 1.
A vida de fé
… Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus (1Co 1.24).
… Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual, da parte de Deus, se tornou
para nós sabedoria, justiça, santificação e redenção (1Co 1.30).
… Era necessário que se cumprisse tudo o que estava escrito sobre mim
na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos (Lc 24.44).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM GÊNESIS,
ÊXODO, LEVÍTICO, NÚMEROS,
DEUTERONÔMIO, JOSUÉ, JUÍZES, RUTE, 1 E
2SAMUEL, 1REIS 1—10, 1CRÔNICAS E
2CRÔNICAS 1—9
ISRAELITAS FIÉIS NA VIDA COTIDIANA
Um tema consistente nos livros do Antigo Testamento é o de Deus
como o Criador, realizador da aliança e redentor. Ele não é
nenhuma divindade distante e indiferente envolto em obscuridade.
Pelo contrário, Deus se fez conhecido de tal modo que a vida por
completo de seu povo é alcançada no que ele faz para o salvar.
Deus é vivo, ativo e exerce seu senhorio sobre a história de todo o
mundo para conduzi-la inexoravelmente ao propósito que
determinou para ela. Nessa história do mundo se encontram os
homens e as mulheres comuns de Israel que respondem à palavra e
à ação de Deus, de modo pessoal, ao se apropriarem das
promessas da aliança e se empenharem para aplicá-las à própria
vida.
Os autores da maioria dos livros bíblicos se concentram nas
pessoas e nos acontecimentos centrais da história redentora. Esse
foco nos acontecimentos maiores dificulta a percepção de que,
frequentemente, gerações inteiras nascem, envelhecem e morrem
sem que a narrativa as contemple. A vida no antigo Israel não
consistia em três milagres por dia e uma nova guerra santa a cada
semana. A maioria das pessoas vivia sua vida comum enquanto
Deus não realizava algo extraordinário. Para cada herói bíblico,
havia milhares de israelitas que conheciam Deus apenas pelo que
foi ensinado pelos sacerdotes e profetas e que procuravam
obedecer à Lei na devoção pessoal, no lar e na vida familiar, bem
como na adoração a Deus.
O que era a vida de fé vivida pelos israelitas comuns? A maior
parte das evidências bíblicas diz respeito à nação no seu conjunto,
aos grandes acontecimentos e aos dias das festas importantes.
Devemos supor que, até certo ponto, essas formas prescritas de
adoração pública, observância das grandes festas anuais e atenção
aos sacrifícios exigidos regiam o pensamento religioso e as
atividades dos israelitas fiéis. Contudo, como israelitas fiéis
traduziam sua fé para a vida cotidiana?
Os atos salvadores de Deus
têm significado profundo para a vida cotidiana de pessoas
comuns.
CONHECIMENTO E TEMOR DO SENHOR
As narrativas da Criação nos lembram de que ser criado humano e
à imagem de Deus significava ter relações muitos especiais com
ele, com outras pessoas e com a criação material. A palavra de
Deus veio a Adão e Eva para capacitá-los a saber quem e o que
eles eram e qual seria o dever deles no mundo. A palavra de Deus
lhes forneceu o ponto de partida necessário para o verdadeiro
conhecimento. Deu-lhes a estrutura para a compreensão correta do
universo. Dando-se a conhecer a eles como Criador, Deus
estabeleceu todo fato de conhecimento verdadeiro como um fato
sobre ele mesmo. No quadro da revelação, os seres humanos são
livres para usar o cérebro e os sentidos que Deus lhes deu para
reunir conhecimento, classificá-lo, deduzir relações, inventar,
planejar e ter domínio sobre a criação.
O pecado, como vimos no capítulo 10, envolveu a rejeição da
ordem da criação e a recusa de reconhecer a revelação como a
base do verdadeiro conhecimento. Foi a rejeição do princípio que
subjaz ao livro de Provérbios: “O temor do SENHOR é o princípio do
conhecimento…” (Pv 1.7). Vimos o quanto o processo de
pensamento era importante na relação humana com Deus e com a
criação. O pensamento distorcido gera relações distorcidas. É
lógico, portanto, que o processo da redenção envolve a restauração
do modo correto de pensar. A mente humana é alvo da regeneração
tanto quanto o corpo e a alma.
Se o temor do Senhor é o princípio do conhecimento (Pv 1.7) e o
princípio da sabedoria (9.10), o que é esse temor e de onde vem?
De acordo com a oração dedicatória de Salomão, o temor do
Senhor está vinculado à aliança e ao ministério do Templo (1Rs
8.38-43). Esse temor não é terror de Deus, mas, sim, uma resposta
de reverente admiração e confiança perante a revelação redentora
de Deus (Dt 4.10; 6.2; 10.12,20,21). É o equivalente
veterotestamentário de confiar em Cristo, ou crer no evangelho. O
temor do Senhor é a resposta de fé a tudo quanto Deus fez para
redimir o seu povo, conforme a interpretação que ele mesmo
apresenta em sua Palavra a respeito do que fez.
À medida que a revelação redentora de Deus vai se
manifestando progressivamente por meio das promessas da
aliança, da lei do Sinai, dos grandes atos redentores do Êxodo e da
conquista de Canaã, vai ficando mais claro o quadro para o
entendimento da realidade. Desde o início, o povo de Deus se
empenhou para adquirir conhecimento verdadeiro e entendimento.
Nos estágios iniciais, os israelitas ficaram sob o cuidado e a
instrução da Lei, porque o retrato não estava suficientemente
completo ou claro para eles deduzirem o que era uma vida coerente
com a condição de aliança deles. No período de Salomão, porém,
toda a estrutura da redenção e do reino tinha sido revelada pelo
modo que Deus tratara com os israelitas desde as primeiras
promessas a Abraão. Desse modo, no âmbito da Lei e da revelação
profética, a sabedoria passa a ser uma atividade humana
demandada pela graça de Deus. É como se Deus, por meio de seu
servo Salomão, indicasse que o quadro da redenção agora tinha
sido apresentado e o crente está livre para buscar o conhecimento e
a compreensão nesse quadro.
A Palavra de Deus
e os seus atos salvadores proveem a estrutura para a resposta
de confiança e reverência. A busca do verdadeiro conhecimento
e da sabedoria começa com esse “temor do Senhor”.
ORDEM, DESORDEM E REGENERAÇÃO DA
ORDEM
A ordem original da criação expressava as relações corretas entre
Deus, a humanidade e o mundo. Por isso, era harmoniosa e boa
(Gn 1.31). A rebelião de Adão e Eva resultou num grau de
desordem em que todas as relações foram afetadas negativamente.
Apesar das aparências, naquele momento e agora, essa ruptura não
é uma doença sem importância; pelo contrário, é destrutiva e
terminal (Gn 2.17; 3.17-19; Rm 5.12; 8.19,20). O pensamento
humano que reflete essa rebeldia é insensatez, não sabedoria, e
implica a supressão deliberada e perversa da verdade (Rm 1.18-23;
1Co 1.18-25).
Desde o momento em que Deus inicia a obra de redenção,
podemos observar o processo de regeneração influenciando o povo
de Deus. No início há indícios de glória e vislumbres do que está por
vir. A regeneração começa com o povo que Deus liga a ele mesmo
por sua revelação progressiva e pela fé desse povo. São um
pequeno número de eleitos, uma nação especial em um mundo
ímpio. As promessas de Deus, à medida que são cumpridas pela
atividade redentora divina, indicam a futura realidade da
regeneração de todas as coisas. Também realçam a natureza da
ordem original e da grave degeneração causada pelo pecado.
O dever intelectual de Israel consistia em entender o que seu
presente estágio de experiência redentora significava para a vida
boa e santa. Em que e como essas relações seriam restauradas e
em que e como elas ainda não tinham sido restauradas até então?
O israelita fiel tinha problemas semelhantes aos que os cristãos têm
hoje. Qual é a resposta de fé ao mundo secular? Como o crente se
relaciona com outros crentes e com os não crentes em um mundo
ainda não regenerado? A literatura de Sabedoria do Antigo
Testamento expressa a busca israelita de conhecimento e
entendimento num mundo em que todas as relações são distorcidas
por causa da rejeição humana de Deus. Reconhece-se, entretanto,
que Deus jamais deixou o pecado destruir totalmente todas as
relações, pois o mundo ainda é organizado e a natureza ainda
sustenta a vida humana. Também se entende que apenas a
bondade de Deus, uma vez que ele transmite sabedoria mediante
sua Palavra, capacita o fiel a progredir no empenho de obter
sabedoria e conhecimento.
A ordem da criação
se degenerou em desordem por causa do pecado e está sendo
regenerada à ordem desejada por Deus. A ordem regenerada
inclui pensar corretamente.
OS LIVROS DE SABEDORIA
Provérbios, Jó e Eclesiastes são os principais livros do Antigo
Testamento que tratam da busca do conhecimento. Eles partem do
quadro da revelação ou do temor do Senhor. Esses livros examinam
as questões da experiência humana da perspectiva de israelitas fiéis
e firmados na aliança. O mundo e a vida humana têm sentido
porque Deus não apenas preserva a criação de decair no caos, mas
também porque demonstrou que está restaurando as relações
corretas de todas as coisas.
O livro de Provérbios nos convida a reunir nossas experiências e
examiná-las para encontrar as relações subjacentes que dão
coerência e sentido à vida. A pessoa sábia procura entender a
verdadeira natureza das coisas e se submeter à ordem necessária
para uma vida com Deus. Os provérbios individuais não são
expressões detalhadas da lei do Sinai recebidas de Deus, mas, sim,
reflexões humanas sobre experiências individuais à luz da verdade
de Deus. Por isso, mostram que ser humano como Deus planejou
significa aprender a pensar e a agir de modo piedoso. Significa que
Deus nos concede na revelação a estrutura para pensar
piedosamente; no entanto, ele não pensa em nosso lugar. Somos
responsáveis pelas decisões que tomamos quando procuramos ser
sábios (pensar piedosamente) e evitamos ser insensatos (pensar
impiamente). As decisões são mais sábias quando são feitas
levando em conta a vida que Deus expõe diante de nós como nosso
objetivo.
Contudo, ao mesmo tempo que tanta experiência humana seja
previsível no modo que Provérbios se expressa, há também
mistério. Deus é grandioso, e os seus caminhos muitas vezes nos
são ocultos (Jó 11.7; Is 55.8,9). Ele não nos revela sua vontade
completa. Na verdade, não seríamos capazes de a compreender se
ele a revelasse. Por isso, o fiel pode encontrar sofrimento e tragédia
que parecem ser sem sentido e contrários ao cuidado e ao controle
de Deus sobre todos os acontecimentos. O livro de Jó trata do
problema dessa ordem oculta e de como a sabedoria pode
encontrar sua maior expressão no reconhecimento humilde de que
os seres humanos são criaturas insignificantes e a bondade
amorosa de Deus pode se manifestar de maneiras que
simplesmente não conseguimos compreender. Desse modo, somos
lembrados de que a sabedoria nunca é puramente a posse
intelectual de ideias; antes, ela significa confiança na vontade
soberana de um Deus que é cheio de graça, porém misterioso.
A grandeza de Deus não é a única fonte de mistério para o povo
de Deus. O pecado e a corrupção da humanidade conspiram para
confundir a ordem das coisas e dificultar as relações. Às vezes,
mesmo a busca da verdadeira sabedoria parece levar a um beco
sem saída. Eclesiastes nos mostra que não só os pagãos, mas
também os israelitas correm o risco de desenvolver um modo de
pensar rígido, capaz de distorcer e obscurecer a verdade. Desse
modo podemos entender que a pecaminosidade humana não
apenas perturba as relações, mas também nos faz propensos,
mesmo como crentes, a equívocos e pensamentos falsos.
Os Livros de Sabedoria
expressam a busca humana de conhecimento e entendimento
no quadro da revelação de Deus. A existência de mistério nos
caminhos de Deus exige confiança na bondade dele.
LOUVANDO O SENHOR
Em uma seção tão breve é impossível fazer justiça aos Salmos. Vou
mencionar apenas algumas das características fundamentais que
dão importância teológica a essa compilação de poemas. Os muitos
e diversos tipos de salmos refletem as situações diferentes para as
quais foram concebidos: eles mostram o que indivíduos e
congregações pensam sobre Deus e a relação destes com ele.
Assim como a literatura de Sabedoria, os salmos têm como ponto
de partida a teologia da aliança e a história da salvação. Contudo,
diferentemente da literatura de Sabedoria, os salmos apresentam
uma resposta muito mais autoconsciente ao que Deus fez.
O cântico de louvor é um dos tipos mais importantes de salmo.
Nessa modalidade, o salmista louva a Deus por ele ser o Criador, o
Redentor, o Rei e aquele que faz de Sião a sua cidade santa. A
adoração de Deus é normalmente uma recordação de seus
poderosos feitos salvíficos na história de Israel.
Os salmos de lamentação quase sempre refletem a aparente
disparidade entre a posição declarada do povo de Deus e a sua
experiência real de perseguição e sofrimento. Alguns desses salmos
terminam com uma nota de confiança de que Deus ainda agirá para
salvar e restaurar seu povo. Alguns salmos são ações de graças
pelos favores que Deus concedeu a seu povo, e outros se destinam
mais a instruir e comunicar sabedoria do que se dirigir a Deus.
Os Salmos e os livros de Sabedoria mostram que a história da
redenção, a aliança e a palavra profética de Deus não são tão
somente ideias religiosas ou declarações sobre o passado, mas,
sobretudo, encontros com o Deus vivo. Os grandiosos fatos
objetivos da obra de Deus para salvar o seu povo não podem jamais
ser vistos simplesmente como fatos do passado. Eles são o
fundamento do empenho e da experiência espiritual. Motivam e
moldam a piedade, a adoração e as boas obras. Esses fatos são o
recurso indispensável com que o Espírito de Deus regenera o
coração, a mente e a alma daqueles a quem ele chama para a
comunhão consigo.
Sabedoria e Salmos
são expressões da comunhão diária com Deus por parte
daqueles que sabem o que é ser redimido por sua misericórdia
amorosa.
A REGENERAÇÃO DA EXISTÊNCIA HUMANA
RESUMO
O poder regenerador de Deus na redenção opera
individualmente na vida das pessoas do povo de
Deus. A revelação da redenção provê o quadro
em que a mente regenerada trabalha para
entender a realidade. O fiel expressa a comunhão
com Deus buscando o verdadeiro conhecimento
do mundo de Deus e respondendo com louvor e
gratidão ao Senhor.
TEMAS PRINCIPAIS
Ordem da criação
Temor do Senhor
Regeneração da mente
ALGUMAS PALAVRAS- Ordem
CHAVE
Sabedoria
Conhecimento
O CAMINHO ADIANTE
O
príncipe messiânico será o homem
verdadeiramente sábio, Isaías 11.1-5 — Jesus,
a fonte da sabedoria, torna-se sabedoria para
nós, Mateus 7.24-28; 1Coríntios 1.30
GUIA DE ESTUDO
1. A revelação de Deus não é simplesmente um acréscimo ao
conhecimento são e sólido que já temos. Antes, ela altera
cada fato que conhecemos, relacionando-o ao Criador do
universo e a seus propósitos para ele. Reflita sobre essa
afirmação à luz da doutrina da Criação e do pecado.
2. O que é o temor do Senhor? Leia todo o capítulo de 1Reis 8
e observe a relação do temor do Senhor com a revelação de
Deus e com o Templo.
3. As frases proverbiais em Provérbios 10—29 não são regras
gerais com base nos Dez Mandamentos, mas, sim, reflexões
individuais sobre experiências à luz do “temor do SENHOR”.
Como Provérbios 26.4,5 ilustra essa questão? Você conhece
outros exemplos que amparam essa noção?
4. Leia os salmos a seguir e proponha possíveis situações de
vida, individuais ou congregacionais, a que eles se referem:
Salmos 1; 22.1-18; 93; 122; 136; 137; 150.
LEITURA COMPLEMENTAR
GOLDSWORTHY, Graeme. Gospel and Wisdom (Exeter: Paternoster,
1981).
______. “O evangelho e a Sabedoria”. In: GOLDSWORTHY, Graeme.
Trilogia: o evangelho e o reino, o evangelho no Apocalipse, o
evangelho e a Sabedoria. Tradução de Vivian do Amaral Nunes
(São Paulo: Shedd, 2016). Tradução de: Gospel and Kingdom;
The gospel in Revelation; Gospel and Wisdom.
IBD. Verbete “Psalms, book of”.
A sombra que se desvanece
Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e volta às obras que
praticavas no princípio. Se não te arrependeres, logo virei contra ti e tirarei
o teu candelabro do seu lugar (Ap 2.5).
Daquele que não tinha pecado Deus fez um sacrifício pelo pecado em
nosso favor, para que nele fôssemos feitos justiça de Deus (2Co 5.21).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM 1REIS 11—
22 E 2REIS
Salomão permitiu que interesses políticos e ambições pessoais
deteriorassem sua relação com Deus. Esses interesses e ambições
tiveram, por extensão, efeito nocivo sobre a vida de Israel. O filho de
Salomão começou um reinado opressivo, o que provocou a rebelião das
tribos do norte e a divisão do reino. Apesar de alguns pontos altos políticos
e religiosos, os dois reinos entraram em declínio. Uma nova classe de
profetas os advertiu acerca do rumo da vida nacional, mas as coisas foram
de mal a pior. Em 722 a.C., o Reino do Norte, Israel, caiu nas mãos do
Império Assírio. Depois, em 586 a.C., o Reino do Sul, Judá, foi devastado
pelos babilônios. Jerusalém e o Templo foram destruídos, e grande parte
da população foi deportada para a Babilônia.
A ADVERTÊNCIA PROFÉTICA
Desde o momento em que Deus consagrou Israel como o seu povo
escolhido sob as condições da aliança, existe a advertência contra a
infidelidade que viola essa aliança. Em grande parte, a
responsabilidade dos profetas era deixar essa advertência clara.
Moisés pode ser considerado o primeiro grande profeta, cujo
ministério estabelece o padrão para todos os futuros profetas. Como
o porta-voz de Deus, o mediador humano de sua palavra, o profeta
revela os planos de Deus para a salvação. Vimos que esse plano
implica uma relação de aliança. Sem dúvida nenhuma, a graça de
Deus é o aspecto mais notável de sua aliança e de seus feitos
salvadores. Ele escolhe de maneira absolutamente incondicional um
povo que não merece nada. Ao longo da história do povo escolhido,
Deus revela um meio de salvação que não se aplica apenas a esse
povo, mas também um dia, em sua plenitude, terá alcance a todas
as nações da terra. Desde o início, não se pode ter nenhuma dúvida
de que a graça de Deus significa que a eleição não é condicionada
por qualquer virtude dos escolhidos e de que a salvação é uma
dádiva gratuita recebida somente pela fé.
Contudo, a livre graça e a eleição incondicional não podem
obscurecer o lugar do juízo de Deus. Já vimos que o juízo se
revelou contra toda a iniquidade na época de Noé; contra Babel e
contra a pecaminosa cidade de Sodoma; contra um rei egípcio
obstinado e sua nação; e contra os cananeus pagãos. De acordo
com a Bíblia, nenhum desses juízos (castigos) jamais foi aplicado
sem ter sido merecido. Sobretudo quando a execução deles nos
parece particularmente cruel, devem ser entendidos diante do
quadro bíblico completo da rebelião humana contra Deus.
O que, pois, diremos acerca do juízo sobre os eleitos? Depois
que a graça de Deus se mostrou eficaz no Êxodo do Egito, a palavra
profética se concentrou na natureza da relação da aliança. No livro
de Deuteronômio, particularmente, há advertências severas contra
virar as costas para a aliança. Israel é salvo pela graça somente,
mas ser salvo não é apenas ser absolvido da culpa. É uma
restauração positiva da comunhão com o Deus vivo. Diante do povo
de Deus, há sempre uma escolha real: o caminho da vida ou o
caminho da morte, as bênçãos da aliança ou as maldições da
aliança (Dt 8.11-20; 28.1-48; 30.15-20).
Temos de ser cuidadosos para entender a eleição em sua forma
veterotestamentária. Se Israel foi eleito, isso significa que todo
israelita estará no reino eterno? Não, não significa. Se uma geração
inteira de israelitas pereceu no deserto, significa que todos eles
estão excluídos do reino eterno? Novamente, a resposta é não.
Moisés morreu fora da Terra Prometida, mas sabemos que ele é
salvo. A palavra profética deixa claro que Israel, como nação, não
pode continuar desfrutando as bênçãos da aliança enquanto rejeita
as responsabilidades da vida de aliança.
De tempos em tempos, Deus enviava profetas para advertir o
povo e chamá-lo de volta para si. Depois de Moisés, o próximo dos
profetas notáveis foi Samuel. Sua missão era direcionar Israel para
o correto entendimento da monarquia. Muitos outros profetas
tiveram uma breve participação na história bíblica. Gade e Natã
ministravam particularmente a Davi à medida que o modelo da
monarquia se desenvolvia. Elias e Eliseu exerceram um ministério
conjunto para Israel depois de sua separação de Judá. A atitude de
Jeroboão de fundar um reino rival com locais próprios de adoração e
sacerdócio o expõe a influências cananeias. O reinado de Acabe
(869-850 a.C.), que se casou com uma princesa cananeia, foi
marcado pela apostasia oficial e a tentativa de eliminar a adoração
do Deus de Israel. Nessa situação grave, chegam Elias e Eliseu
para chamar o povo de volta à verdadeira fé. A famosa disputa entre
Elias e os profetas de Baal no monte Carmelo é uma convocação
para que o povo volte ao Deus cuja graça de perdão foi revelada por
meio de Moisés e da aliança (1Rs 18).
De Moisés até Eliseu, o ofício profético tem de ser entendido em
referência à revelação divina da salvação. A aliança, como já vimos,
é tanto condicional como incondicional. A condição é que os que
rejeitam a aliança por incredulidade vão descobrir que as bênçãos
da aliança lhe serão tiradas. Alguns indivíduos são advertidos contra
essa incredulidade; se persistirem incrédulos e infiéis, eles deverão
ser excluídos do povo da aliança (Lv 17.10; 20.1-6; 24.13-17). Se a
incredulidade for nacional, a nação perderá as bênçãos (Dt 8.1-20;
28.15-68). A natureza incondicional da promessa de modo algum
lhe contradiz a natureza condicional. Com efeito, ela diz que Deus
não permitirá que a incredulidade frustre os seus propósitos de
cumprir as promessas originariamente feitas a Abraão. Os profetas
testemunham da fidelidade de Deus e advertem contra a
incredulidade.
Os profetas
advertem de que as bênçãos incondicionais da aliança não
podem ser desfrutadas por aqueles que continuam violando a
aliança.
O LIMITE É ALCANÇADO
O revés do destino de Israel depois do reinado de Salomão é tão
evidente que alguém poderia indagar por que o povo não percebeu
a sua condição e não fez algo a respeito. Por dois motivos óbvios
permite-se que as coisas piorem assim. O primeiro é que a natureza
pecaminosa do coração humano resiste ao chamado para a reforma
contínua. O segundo é que o declínio do patamar de grande nação
sob o reinado de Davi até a destruição e o Exílio na Babilônia durou,
na verdade, cerca de quatrocentos anos. Os israelitas não são nada
diferentes das pessoas de hoje, que costumam viver para o
momento, pouco se importando com o passado ou com o futuro
mais distante.
O declínio nacional começa com a rebeldia e a separação das
tribos do norte. A criação do Reino do Norte com sua mistura de
religião israelita e cananeia é um passo grave para trás (1Rs 12.2533; 16.29-34). Mas o sul também tem problemas. Apesar de Judá
ter o Templo, o sacerdócio legítimo e a dinastia reinante de Davi, a
desobediência a Deus aumenta. Algumas vezes, há aceitação de
práticas pagãs (1Rs 14.21-24) e, outras, a presunção de que a
observância exterior da adoração a Deus é tudo de que precisam (Is
1.11-20; Jr 7.1-7). Elias foi enviado para contestar a apostasia do
Norte no período de Acabe (1Rs 16.29—17.6; 18.1-40). A conclusão
de sua mensagem é que ainda há tempo para voltar para o Senhor.
Com o passar do tempo, porém, fica claro que o povo está
chegando ao limite. Amós e Oseias não conseguem fazer com que
Israel se arrependa, e os assírios, em 722 a.C., devastam a nação
(2Rs 17). O povo de Judá, embora admoestado a aprender com o
destino de Israel (Ez 23), prossegue em seu declínio rumo à
destruição. Tentativas de reforma são feitas por Ezequias e Josias
(2Rs 18.1-8; 22.1-20). Porém, o efeito acumulado da incredulidade é
tão imenso que essas reformas não conseguem impedir o fim
inevitável (2Rs 23.26,27). O Império Assírio cai nas mãos dos
babilônios em 609 a.C., e, logo em seguida, em 597 a.C., Jerusalém
é capturada e muitos dos habitantes de Judá são levados para a
Babilônia. Quando Zedequias, o rei-marionete, rebela-se contra a
Babilônia, a represália é imediata e terrível. Em 586 a.C., Jerusalém
e o Templo são arrasados e mais pessoas são exiladas para a
Babilônia. As maldições da aliança, declaradas tão expressamente
em Deuteronômio, agora são realidade.
O limite
da paciência de Deus é atingido na história de Israel posterior a
Salomão, e as maldições da aliança passam a ser realidade.
A NOVA MENSAGEM PROFÉTICA
Depois de Elias e Eliseu, surge uma nova classe de profetas. O
mais evidente a respeito desses novos profetas é que seus sermões
e oráculos, por algum motivo, foram registrados e compilados em
livros por pessoas muitas vezes desconhecidas. Não é difícil
imaginar uma razão para isso. Os primeiros cinco livros de Moisés
(Gênesis a Deuteronômio) contêm, entre outras coisas, o registro da
revelação profética concernente à aliança, bem como dos atos de
Deus para a salvação de seu povo. O principal trabalho dos profetas
surgidos no período de Samuel até Eliseu é chamar Israel para a
fidelidade à aliança. Samuel e Natã também completam e encerram
a revelação anterior mostrando o lugar correto da monarquia nos
propósitos de Deus. Os relatos históricos constituem o registro
suficiente desses ministérios proféticos.
Assim que o declínio da nação começa, surge uma nova
perspectiva. Em parte, os profetas continuam indicando o malogro
de Israel de guardar a aliança e anunciam o juízo de Deus sobre os
pecados da nação. Contudo, também há o reconhecimento de que
Israel é incapaz de verdadeiro arrependimento e de que Deus
precisa realizar uma nova obra de salvação. Desse modo, na
revelação progressiva do Antigo Testamento, surgem os primeiros
indícios de que a experiência de Israel do Êxodo e da posse da
Terra Prometida é tão somente uma sombra da realidade da
salvação.
Embora seja relevante observar como os profetas apresentam
acusações da infidelidade de Israel à aliança, isso não é o que mais
importa para nós. As implicações da aliança para a justiça social, a
fidelidade no casamento, a honestidade, a compaixão pelos pobres
e destituídos e para a sinceridade na adoração de Deus são
constantemente postas diante de nós nos profetas. Contudo, tratar
dos males de nossa presente sociedade em nome do cristianismo
não necessariamente torna a nossa mensagem “profética”. Na
perspectiva da teologia bíblica, entendemos que o juízo profético é o
indicador mais claro de que a salvação plena ainda não chegou.
Enquanto a nação de Israel se desintegrava depois da morte de
Salomão, o fiel talvez se perguntasse o que deu errado nos
propósitos salvadores de Deus. Do nosso ponto de vista, podemos
perceber que nada deu errado no plano de Deus. O problema é o
pecado humano, e fica cada vez mais claro que este não pode ser
tratado com o que Deus fez por Israel durante a história da nação.
Por que, então, Deus empreendeu todo o processo “redentor” do
Êxodo em diante? Porque na sua sabedoria ele dirige o seu povo
em uma série de estágios distintos de revelação até a plenitude dos
tempos, quando a salvação virá com poder. Os profetas servem
para mostrar que o que aconteceu até agora é apenas um estágio
passageiro da revelação.
Nada disso diminui a importância da história antiga de Israel.
Todos os procedimentos de Deus com o seu povo, de Abraão até
Salomão, são expressões da graça real e, ao mesmo tempo,
sombras de uma realidade mais sólida por vir. Ao acomodar a si
mesmo e sua revelação ao estágio em que seu povo eleito está,
Deus o conduz ao longo de sua infância espiritual mediante a
realidade concreta da escravidão por um rei terreno em uma terra
estrangeira, da libertação do cativeiro, da conquista da Terra
Prometida e assim por diante. Essas coisas expõem a natureza da
situação desse povo na escravidão do pecado e da morte, a
estrutura da salvação e o reino de Deus. A sombra, porém, tem de
se dissipar para que a luz plena da realidade concreta se revele em
seu lugar. Enquanto isso, os que pela fé compreendem a sombra
certamente estão entendendo e adotando a realidade da salvação
em Cristo.
A nova perspectiva
da mensagem profética mostra que a experiência de redenção
histórica de Israel é apenas uma sombra da realidade ainda por
vir.
A DEGENERAÇÃO DO MODELO DO REINO
RESUMO
O modelo da redenção e do reino de Deus como
revelado na história de Israel de Abraão até
Salomão está completo. Porém, a incapacidade
de Israel de ser fiel à aliança leva ao declínio do
reino. Mais uma vez, a realidade da Queda se
mostra a tal ponto que fica claro que o reino de
Deus ainda não chegou.
TEMAS PRINCIPAIS
Natureza condicional da aliança
Juízo inevitável
Nova perspectiva profética
ALGUMAS PALAVRAS- Sombra
CHAVE
Realidade
Juízo
O CAMINHO ADIANTE
O juízo de Deus chega a seu povo, Isaías 65.1-12
— Jesus recebe o juízo no lugar dos crentes,
2Coríntios 5.21
GUIA DE ESTUDO
1. Como a aliança pode ser ao mesmo tempo condicional e
incondicional?
2. Leia o relato dos últimos anos de Judá em 2Reis 18—25.
Observe as tentativas de reforma e os motivos por que elas
não lograram impedir o desastre.
3. Usando dicionários bíblicos e auxílios semelhantes, pesquise
a vida e o ministério do profeta Jeremias e observe o papel
que ele desempenhou nos últimos anos de Judá.
4. Quais elementos de uma teologia bíblica do juízo você pode
agora identificar na história bíblica da Queda (Gn 3) até o
Exílio na Babilônia?
LEITURA COMPLEMENTAR
BT. parte 2. cap. 6. seções A-C.
GK. p. 77-81.
IBD. Verbete “prophecy, prophets”.
KG. cap. 2.
Uma nova criação
Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação; as coisas velhas já
passaram, e surgiram coisas novas (2Co 5.17).
Nós, porém, segundo sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra,
nos quais habita a justiça (2Pe 3.13).
Então vi um novo céu e uma nova terra. Pois o primeiro céu e a primeira
terra já se foram, e o mar já não existe. […] O que estava assentado sobre
o trono disse: Eu faço novas todas as coisas!… (Ap 21.1,5).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM JEREMIAS,
EZEQUIEL, DANIEL E ESTER
Os profetas de Israel alertaram sobre a ruína que sobreviria à nação.
Quando os primeiros exilados foram levados para a Babilônia em 597 a.C.,
Ezequiel estava entre eles. Jeremias foi autorizado a permanecer em
Jerusalém. Os dois profetas ministraram aos exilados. A vida para os
judeus (o povo de Judá) na Babilônia não era de todo ruim, e com o passar
do tempo muitos prosperaram. Os livros de Jeremias e de Ezequiel indicam
certa normalidade na experiência, enquanto Daniel e Ester realçam parte
das dificuldades e do sofrimento vividos em uma cultura estranha e
opressiva.
O MODELO DA REDENÇÃO
Convém agora uma recapitulação do modelo da redenção. Na
história de Israel do período de Abraão até Davi e Salomão,
observamos um conjunto de fatos claramente identificáveis e
interpretados pela Palavra de Deus. Com as promessas da aliança a
Abraão como contexto, a redenção começa no cativeiro do Egito. A
escravidão de Israel é a negação do reino de Deus e uma condição
de não salvo.
Israel foi tirado do cativeiro por atos poderosos de Deus para
uma nova experiência de liberdade. Deus libertou os israelitas da
escravidão e os ligou a ele mesmo como seu povo na aliança do
Sinai. Essa aliança mostra que a redenção é mais do que uma mera
libertação do cativeiro. A vida dos redimidos é regida e orientada na
comunhão com Deus. Também é moldada pela entrada na Terra
Prometida e pelo estabelecimento da nação sob o comando do líder
representante de Deus. Redenção significa saída do cativeiro e
entrada no reino de Deus.
Se a aliança com Abraão subjaz ao processo inteiro de redenção
em Israel, por trás da aliança com Abraão está o compromisso
original de Deus com a criação. Nos resumos de final de capítulo,
venho ressaltando o tema da Criação e da recriação. O que Deus
gerou no início degenerou com a Queda da humanidade. A
redenção e a salvação são consideradas o processo de
regeneração, que influencia toda a criação degenerada, incluindo a
humanidade. Desse modo, o cativeiro no Egito é uma experiência
histórica que sublinha a realidade da Queda no pecado e a expulsão
do reino de Deus como aconteceu no jardim do Éden. A redenção
do Egito para a Terra Prometida, terra que jorra leite e mel, é uma
representação do retorno ao Éden. O reinado de Davi recorda o
governo, ou domínio, que Deus deu a Adão no Éden.
O diagrama progressivo ilustra os vários estágios em que o reino
se manifesta. O modelo original
DEUS
ADÃO E EVA
ÉDEN
anseia pela manifestação mais elevada do reino na história de
Israel.
O SENHOR
LINHAGEM DE DAVI
TEMPLO DE
JERUSALÉM
A expressão do reino na história desaparece, deixando duas opções
para o povo: rejeitar as promessas de Deus por considerá-las falsas,
ou confiar no cumprimento futuro dessas promessas de acordo com
a palavra profética.
O modelo da redenção abrange
cativeiro
Êxodo
regulamentação da aliança
entrada na terra e posse desta
reinado de Davi, Templo, Jerusalém
O DEUS DA SALVAÇÃO
Todos os profetas escritores demonstram três atitudes. Em primeiro
lugar, identificam em que especificamente Israel violou a aliança.
Entre essas violações, estão a injustiça social e a opressão, o culto
insincero a Deus, a mistura de religião pagã com a verdadeira fé
revelada por Deus e até a adoração de falsos deuses. Em segundo
lugar, pronunciam o juízo de Deus sobre essa infidelidade à aliança.
Às vezes, o juízo é predito em termos específicos da destruição de
Samaria ou de Jerusalém. Outras vezes, o juízo é mais geral e
mesmo universal, como a degeneração de toda a terra. Seja o fim
da nação, seja mesmo o fim do mundo (Jr 4.23-28; Is 24.1-3; Am
7.4; Sf 1.2,3), o juízo virá porque Israel rejeita a graça de Deus. Em
terceiro lugar, esses profetas proferem uma mensagem de consolo
aos fiéis. Deus ainda os salvará enfim, completa e gloriosamente.
Deus se revela em todo o processo da história bíblica. Seu
caráter não é apresentado como uma série de ideias abstratas,
como santidade, onipotência, justiça e assim por diante. Antes,
Deus se revela em meio às suas obras, as quais ele mesmo
interpreta pela sua Palavra. Com sua atividade de criador, juiz,
realizador da aliança e redentor, aprendemos o significado de
palavras como santo, todo-poderoso e justo atribuídas a Deus.
É típico dos profetas escritores retomar os acontecimentos da
experiência anterior de Israel e reaproveitá-los. Criação, cativeiro,
Êxodo redentor, regulamentação da aliança, posse da Terra
Prometida e governo monárquico, todos esses acontecimentos se
investem de um significado maior quando Deus promete uma nova
experiência deles. Isso não será tão somente sombra, mas, sim, a
realidade concreta da redenção e do reino de Deus. Essa análise
dos acontecimentos do fim, que anunciam a vinda do reino eterno,
chama-se na linguagem teológica de escatologia (grego: eschatos,
último).
O Deus dos profetas é, portanto, o Criador (Is 40.12-26; 43.1,15;
44.21-24; 45.7-13,18; 48.13; 54.5), que está fazendo uma coisa
nova (Is 42.9; 43.18,19; 48.6,7). Com isso ele demonstra que é
absolutamente fiel ao seu compromisso da aliança original (Is 54.710; Jr 33.14-26; Os 2.16-23; 11.8-11). A graça e a fidelidade são
prova do amor incondicional de Deus (Dt 7.7,8; Os 2.14-20; 3.1;
11.1-9; 14.4; Is 63.9). Esse Deus é justo porque age de acordo com
o seu caráter mesmo quando salva os que se rebelam contra ele (Is
9.2-7; 11.1-5; 42.6; 45.13; 51.5,6; 56.1; 59.15-17; 63.1; Jr 9.24;
23.5,6). Portanto, ele é o Deus Salvador, que restaura o reino em
que ele, o seu povo e a ordem criada se relacionam perfeitamente.
A salvação é o processo completo mediante o qual Deus restaura o
seu povo e a criação ao reino. Isso significa a regeneração de todas
as coisas.
Deus
se revelou a seu povo progressivamente mediante a sua
palavra e seus feitos. Essa revelação atinge o auge nos
oráculos de salvação proferidos por meio dos profetas
posteriores.
O POVO DE DEUS
Há também progressão na revelação do povo de Deus, a qual
resumi na coluna do meio do diagrama progressivo (p. 198). A
disposição, em colunas paralelas, de Deus, seu povo e a ordem
criada indica as relações reveladas que devem existir entre eles de
acordo com a intenção divina. Conhecemos a Deus conforme ele se
revela em relação ao seu povo e à criação. E conhecemos a nós
mesmos verdadeiramente apenas em relação a Deus, que nos criou
e redimiu.
O propósito de Deus, que de início se concentrou em Adão e Eva
no Éden, passa a ter foco no filho de Davi. Evidentemente, surge um
problema teológico de proporções imensas para o povo de Deus
quando o filho de Davi, Salomão, fracassa em viver à altura das
expectativas. Não que algum outro antes dele tenha feito melhor
nesse aspecto, mas o fracasso de Salomão acabou por eliminar
todas as marcas exteriores e históricas do reino de Deus na vida de
Israel. Qual, então, é a visão profética dessa catástrofe? Israel e
Judá são condenados por violar a aliança, e o juízo de Deus é
proferido. Apesar disso, com base na natureza incondicional do
compromisso de Deus e na sua fidelidade a ele, há esperança.
Muitos temas proféticos dizem respeito ao povo de Deus e à sua
restauração. Uma série deles estão relacionados com a restauração
nacional e a reunião dos exilados na Terra Prometida mais uma vez.
Às vezes, esse grupo é descrito como um remanescente, um
pequeno grupo fiel que aguarda o Senhor (Is 10.20-23; 11.11,12;
14.1-4; 40.1,2; 46.3,4; 51.11; 61.4-7; Jr 23.1-8; 29.10-14; 30.10,11;
31.7-9; Ez 34.1-16; 36.22-24; 37.15-22; Mq 2.12). A reunião dos
exilados também significa que a salvação chega às nações quando
os estrangeiros, de algum modo, são alcançados no retorno de
Israel à Terra Prometida (Is 2.2-4; Mq 4.1-4; Sf 3.9; Zc 8.20-23).
Algumas passagens se referem ao retorno como um segundo êxodo
(Is 40.1-5; 43.1-7,15-21; 48.20,21; 49.24-26; 51.9-11; Jr 23.7,8).
No lugar de um segundo Moisés, há pelo menos duas figuras
fundamentais que representam Israel e medeiam a obra e a
presença salvadora de Deus. São Davi (ou um descendente de
Davi) e o Servo Sofredor do Senhor. O governo glorioso de Deus
por intermédio de Davi é fundamental para o reino vindouro (Is 9.27; 11.1-5; 16.5; 55.3-5; Jr 23.1-6; Ez 34.20-24; 37.24-28; Am 9.11).
Não importa se as profecias têm em vista o retorno de Davi ou
algum de seus descendentes para cumprir esse papel. O Novo
Testamento dissipa qualquer obscuridade quando identifica Jesus
como o verdadeiro rei da linhagem de Davi, Filho de Davi e Filho de
Deus.
O Servo Sofredor é uma figura apresentada em quatro
passagens de Isaías (42.1-4; 49.1-6; 50.4-9; 52.13—53.12). É um
personagem discreto, humilde e compassivo, que sofre rejeição,
vergonha e morte. Com isso, ele traz salvação para Israel e luz para
as nações. Por fim, é vindicado e exaltado por Deus mediante a
ressurreição, ao que tudo indica. A identidade do Servo é uma
questão polêmica, pois ele é Israel (Is 49.3) e a sua missão é para
Israel (49.5,6). Contudo, perceberemos que não há nenhum
problema nisso se recordarmos que o Filho de Davi é o israelita
representativo, isto é, ele é verdadeiro Israel ao mesmo tempo que
serve a Israel (2Sm 7.14). Para conhecermos o Messias Sofredor
não dependemos dos quatro cânticos do Servo de Israel. Pois um
tema constante é o dos escolhidos de Deus como mediadores da
salvação para Israel sendo humilhados e rejeitados por aqueles a
quem foram enviados para ajudar. Os mais evidentes desses são
José, Moisés e Davi. Não é por acaso que o papel messiânico de
Davi é indicado muito antes de sua efetiva entronização como rei
(1Sm 16.13) e que ele sofre muito antes de ser vindicado. Se os
discípulos no caminho de Emaús tivessem entendido isso melhor,
saberiam que o Cristo devia sofrer antes de entrar em sua glória (Lc
24.26).
O povo de Deus
é enfim representado nos profetas por um Príncipe Messias
Sofredor. Este é o que cumpre toda a vontade de Deus para os
muitos e, ao fazer isso, traz salvação para todos eles.
A TERRA PROMETIDA
O terceiro elemento do reino de Deus, depois de Deus e o seu povo,
é o lugar em que o povo vive em comunhão com Deus. O Antigo
Testamento não lança nenhum fundamento para a conhecida ideia
de uma esfera celestial difusa “acima do céu azul resplandecente”,
onde habitam as almas separadas do corpo. Deus se relacionava
com Adão e Eva, pessoas de carne e osso, no Éden terreno. Ele
estabeleceu Israel na Terra Prometida de Canaã. Agora os profetas
retratam o reino de Deus chegando à terra.
Em primeiro lugar, há as profecias de uma criação renovada, um
novo céu (o firmamento) e uma nova terra (Is 65.17; 66.22). Assim
como Deus criou o presente universo para o seu povo (Is 51.13-16),
ele também o destruirá (51.6) a fim de recriá-lo (51.3,11). O mais
provável é que esse envolvimento de todo o universo na salvação
final do povo de Deus esteja por trás dos convites à ordem criada
para exultar nos atos salvadores de Deus (44.23; 49.13; Sl 98.7-9;
148.1-14). Em seguida, vêm as profecias concentradas na nova
terra para onde Israel retorna, em cujo centro está a nova
Jerusalém, ou Sião, e o Templo restaurado. Esse é o novo Éden, a
terra de fertilidade e harmonia entre todas as coisas vivas e da cura
perfeita (Is 2.2-4; 11.6-9; 32.1-20; 35.1-10; 65.17-25; Ez 34.1116,25-31; 36.35-38; 47.1-12).
Aqui, portanto, está o fundamento veterotestamentário para o
entendimento neotestamentário da regeneração e do novo
nascimento. Embora a regeneração individual dos filhos de Deus em
geral venha à mente primeiro, é preciso lembrar que a regeneração
é tão ampla quanto o próprio universo.
A Terra Prometida,
manifestada pela primeira vez como o Éden e depois como a
Terra Prometida de Canaã, é por fim retratada como uma
Canaã renovada em uma nova terra. No seu centro está a nova
Jerusalém.
A ALIANÇA
A principal expressão do relacionamento entre Deus e o seu povo é
a aliança. Uma teologia bíblica da aliança leva em consideração sua
unidade bem como sua diversidade. Deus tem um só compromisso
em seu propósito de estabelecer o seu reino. Desse modo, há uma
única aliança com várias expressões diferentes ao longo da história
redentora. A primeira é o compromisso inicial de Deus com a
criação. Mas a rebelião da humanidade, a principal parceira da
aliança com Deus, causa confusão em todas as relações. Depois
disso, o compromisso de Deus com a redenção se manifesta em
uma série de declarações de aliança. Até aqui, observamos as
alianças com Noé, Abraão, Israel (no Sinai) e Davi.
A escatologia dos profetas retoma os temas da história de Israel
e, com isso, indica a continuação da fidelidade de Deus à única
aliança. Todos os temas de restauração se relacionam a uma ou
outra expressão da aliança. Contudo, visto que o reino vindouro
será perfeito, glorioso e permanente, é preciso ocorrer algo que
capacite o povo a ser fiel à aliança. Os profetas predizem não só o
retorno do povo à terra renovada, mas também a renovação do
próprio povo. Uma passagem notável fala de uma aliança renovada
escrita no coração do povo para que este conheça verdadeiramente
o Senhor e cumpra perfeitamente a vontade dele (Jr 31.31-34).
Outra profecia retrata a renovação espiritual do coração, de modo
que o resumo da realidade da aliança é: “… sereis o meu povo, e eu
serei o vosso Deus” (Ez 36.28).
A aliança única,
que procede do compromisso original de Deus com a criação,
manifesta-se de forma redentora nas alianças com Noé,
Abraão, Israel, Davi e na nova aliança dos profetas.
A PROFETIZADA REGENERAÇÃO DE TODAS AS
COISAS
RESUMO
Os profetas agora preenchem a lacuna deixada
pelo frustrado reino histórico de Israel. Eles falam
de um cumprimento futuro de todos os propósitos
de Deus. A experiência histórica de Israel da obra
salvadora de Deus é exposta como uma sombra
da obra de salvação final e verdadeira. Nela todas
as coisas serão regeneradas, incluindo os céus e
a terra.
TEMAS PRINCIPAIS
O modelo da redenção na história de Israel
Revelação de Deus por meio de sua palavra e de
seus atos salvadores
Revelação profética do reino ainda por vir
ALGUMAS PALAVRAS- Escatologia
CHAVE
O CAMINHO ADIANTE
As promessas proféticas do reino — Jesus afirma
cumprir a profecia, Lucas 24.27,44 —
mensagem apostólica de que Cristo cumpriu
toda a profecia, Atos 13.32,33; 2Coríntios 1.20
GUIA DE ESTUDO
1. A esta altura você deve estar familiarizado com a ideia do
modelo da redenção que opera na história de Israel.
Analisamos somente alguns dos principais acontecimentos a
ele relacionados, mas cada fato da história do Antigo
Testamento tem de estar associado a esse modelo de algum
modo. Tente relacionar os seguintes acontecimentos da
história redentora:
a. A queda de Jericó (Js 6)
b. A morte de Sísera (Jz 4)
c. Davi poupa Saul (1Sm 24)
d. A visita da rainha de Sabá (1Rs 10).
2. Leia as principais passagens de escatologia profética a
seguir e observe todos os temas de restauração baseados
na história anterior de Israel: Isaías 11; 35; 61; 65; Ezequiel
34; 36; 37; Joel 2; Sofonias 3.
3. Começando pela Criação e a aliança com Abraão, proponha
um esboço de uma teologia bíblica da missão que inclua os
aspectos relevantes da escatologia profética.
LEITURA COMPLEMENTAR
BT. parte 2. cap. 6. seção D.
GK. p. 81-86.
KG. caps. 3, 4, 5.
O segundo êxodo
E dois homens falavam com ele [Jesus], a saber, Moisés e Elias; eles
apareceram em glória e falavam da partida dele (grego: exodos), que
estava para acontecer em Jerusalém (Lc 9.30,31).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM ESDRAS,
NEEMIAS E AGEU
Em 539 a.C., a Babilônia caiu nas mãos do Império Medo-Persa. No ano
seguinte, Ciro, o rei, permitiu que os judeus retornassem para a terra deles
e estabelecessem um estado judaico no Império Persa. Imensas
dificuldades foram enfrentadas no restabelecimento da nação. Havia
oposição local à reconstrução de Jerusalém e do Templo. Muitos judeus
não retornaram, permanecendo na terra do Exílio. Na última parte do
quarto século a.C., Alexandre, o Grande, conquistou o Império Persa. Teve
início para os judeus um período longo e difícil, em que a cultura e a
religião gregas confrontaram a confiança deles nas promessas da aliança
de Deus. Em 63 a.C., Pompeu conquistou a Palestina, e os judeus se
viram na condição de uma província do Império Romano.
RETORNO PARA A DECEPÇÃO
Do ponto de vista dos judeus1 exilados na Babilônia, as profecias a
respeito do retorno à Terra Prometida se aplicam à sua presente
situação. Pode-se imaginar quantos deles interpretariam as
profecias do retorno. Eles esperariam uma convulsão entre as
nações que tornaria os judeus a grande nação mundial. Em vez
disso, a derrota da Babilônia ainda os deixa sob o domínio de um
poder estrangeiro. Quando Ciro, o Persa, permite que retornem para
restabelecer a nação, a cidade de Jerusalém e o Templo, um grupo
de estrangeiros que agora habitam na Terra Prometida resiste a
eles. Os livros de Esdras, de Neemias e de Ageu devem ser lidos
para uma compreensão dos problemas da nova comunidade, que
incluem desde oposição de fora à reconstrução até negligência de
dentro com respeito à lei de Deus.
Os aspectos positivos do estabelecimento do novo estado
judaico não podem ser ignorados. O povo é liberto para voltar à
Terra Prometida. Durante um tempo, a liderança é exercida por um
descendente de Davi, um homem chamado Zorobabel (Ed 2—5; Ag
1 e 2; Mt 1.13; Lc 3.27). Um estado autônomo no Império Persa é
estabelecido, e uma nova Jerusalém e um novo Templo acabam
sendo construídos.
O problema é que, embora a estrutura do reino descrita pelos
profetas esteja ali em esboço, a substância não está. Não há retorno
glorioso algum e nenhum templo magnífico é estabelecido no meio
da terra regenerada. Também está claro que o povo ainda não
experimentou aquela transformação espiritual que o tornaria o povo
de Deus perfeitamente. Não há qualquer reinado esplêndido do
Príncipe davídico.
A volta do Exílio
resulta somente em uma sombra opaca do reino glorioso
previsto para o povo de Deus.
PROFECIA E VISÕES
Os três profetas do período pós-exílico, Ageu, Zacarias e Malaquias,
ajudam-nos a entender o que está acontecendo. De uma
perspectiva humana, os judeus são em grande medida
impenitentes. Os profetas continuam os acusando de violação da
Lei e os advertindo de juízo. Eles também preveem o cumprimento
futuro das bênçãos da aliança. Mas, da perspectiva divina, o tempo
ainda não é o apropriado para a vinda do reino, e as pessoas fiéis
precisam continuar vivendo em esperança do futuro.
Esses profetas, juntamente com as narrativas de Esdras e
Neemias, deixam claro que a nação restaurada não é o reino de
Deus. Qual é, então, o seu propósito? Somente podemos supor que
isso lembra o povo de que Deus ainda está ativo na história da
salvação e, ao mesmo tempo, isso convida a verdadeira fé a olhar
além da presente experiência para algum cumprimento maior.
Assim, cada um desses profetas aponta para a glória ainda por vir
(Ag 2.6-9; Zc 8.20-23; 14.1-21; Ml 4.1-6).
O período posterior da profecia também assiste ao surgimento de
uma forma específica de escrita profética. Literatura apocalíptica
designa o tipo de visão que encontramos em Daniel 7 e 8 e em
Zacarias 1.7—6.15. A maioria da literatura apocalíptica judaica não
está presente na Bíblia, tendo sido escrita em um período entre os
dois Testamentos. O estilo apocalíptico de escrita envolvia visões
simbólicas centradas menos em Israel e mais no propósito de Deus
para todo o universo.
Os profetas pós-exílicos
interpretam a natureza da comunidade restaurada e apontam
para além dela, indicando o real cumprimento das promessas.
A HISTÓRIA INACABADA
Assim, chegamos ao fim do Antigo Testamento e constatamos que
se trata de um livro sem uma conclusão. Na comunidade judaica,
ainda que tenha voltado à Terra Prometida, nada foi resolvido. O
povo ou aguarda na esperança dos futuros atos salvadores de Deus
ou, precisamos supor, abandona toda a ideia de cumprimento da
aliança. A evidência relativa à história dos judeus após o fim do
Antigo Testamento (cerca do fim do quinto século a.C.) mostra que
eles tiveram de enfrentar muito mais dificuldades. A maioria da
informação que temos sobre o período entre os Testamentos vem
da compilação de escritos judaicos chamados de Apócrifos.2 A partir
desses escritos, obtemos um retrato relativamente preciso da vida
dos judeus sob o domínio persa, grego e romano.
Vamos agora resumir os estágios principais pelos quais a
teologia do reino de Deus no Antigo Testamento se desenvolveu.
Em primeiro lugar, Deus revelou o seu reino na Criação, ou geração,
dos céus e da terra, com o Éden ocupando o ponto focal:
Em segundo lugar, após a Queda, ou degeneração, Deus revelou
seu propósito redentor para a restauração de seu reino em dois
estágios principais (embora também tenhamos analisado uma
revelação preliminar em Noé e no Dilúvio). O primeiro estágio
principal de revelação da redenção ocorre na história de Israel de
Abraão até Davi e Salomão. Há nele três partes: as promessas
originariamente concedidas a Abraão, os eventos redentores do
Êxodo e a forma final do reino na Terra Prometida. Assim, as
promessas são feitas, entram em cumprimento na redenção e são
cumpridas:
Em terceiro lugar, após mais uma experiência histórica de queda,
exílio ou degeneração, a escatologia profética promete um dia final
de cumprimento real e absoluto que ainda está no futuro. Esse é o
segundo estágio principal de revelação da redenção. Essa
regeneração real de todas as coisas nunca vem a ocorrer no
período do Antigo Testamento:
Tendo em vista esse plano da revelação do Antigo Testamento,
agora estamos em uma boa posição para identificar muitas das
nuanças que existem no texto do Novo Testamento. Este expõe a
história de Jesus, o Cristo, que veio para cumprir todas as
expectativas do Antigo Testamento. Grande parte da terminologia do
evangelho é extraída diretamente dessas sombras preparatórias.
Embora o evangelho revelará o significado final de todas as
promessas de Deus a Israel, a revelação redentora no Antigo
Testamento aprofundará a nossa apreciação do que significa Jesus
ser o Cristo.
O Antigo Testamento
termina sem o cumprimento das promessas de Deus.
A REGENERAÇÃO CONTINUA SENDO UMA
ESPERANÇA FUTURA
RESUMO
A restauração dos judeus à Terra Prometida
parecia ser o cumprimento das promessas de
Deus. Contudo, na realidade, a regeneração
esperada de todas as coisas não ocorreu. A única
esperança agora é que em algum momento futuro
Deus agirá para trazer o seu reino e a salvação de
seu povo.
TEMAS PRINCIPAIS
Volta do Exílio
Decepção da esperança profética
ALGUMAS PALAVRAS- Literatura apocalíptica
CHAVE
Apócrifos
O CAMINHO ADIANTE
Templo de Deus reconstruído pelo Espírito,
Zacarias 4.6,7 — Jesus, o novo templo, João
2.19
Um novo Elias para anunciar a vinda do Senhor,
Malaquias 4.5,6 — João Batista, o novo Elias,
Mateus 11.12-14
GUIA DE ESTUDO
1. Leia os livros de Esdras (não se deixe desanimar pelas
longas listas de nomes) e de Neemias à luz das promessas
proféticas. Observe especialmente os motivos para um
sentimento de decepção entre os exilados que retornaram
com fé.
2. Leia as visões de Zacarias (1—6). Observe a função do anjo
intérprete. Tente entender o que essas visões comunicariam
a um povo que estava aguardando a restauração de Israel e
do Templo.
3. Resuma a teologia bíblica da aliança e da regeneração como
surgiu no Antigo Testamento.
LEITURA COMPLEMENTAR
BALDWIN, Joyce. Haggai, Zechariah, Malachi. TOTC (Downers
Grove: InterVarsity, 1972).
______. Ageu, Zacarias e Malaquias: introdução e comentário.
Tradução de Hans Udo Fuchs (São Paulo: Vida Nova, 1982).
Tradução de: Haggai, Zechariah, Malachi.
BRIGHT, John. A history of Israel (Philadelphia: Westminster, 1959),
caps. 11 e 12.
______. História de Israel. 7. ed., rev. e ampl. a partir da 4. ed.
original. Tradução de Luiz Alexandre Solano Rossi; Eliane
Cavalhere Solano Rossi (São Paulo: Paulus, 2003). Tradução
de: A history of Israel.
KG. cap. 6.
MORRIS, Leon. Apocalyptic (Grand Rapids: Eerdmans, 1972).
RUSSELL, D. S. Between the Testaments (London: SCM, 1960).
______. Entre o Antigo e o Novo Testamentos: o período interbíblico
(São Paulo: Abba Press, s.d.). Tradução de: Between the
Testaments.
1 O nome “judeu” significa um membro da tribo de Judá. É incorreto
designar a totalidade de Israel de “os judeus”. Quando o reino de Israel se
dividiu com a secessão de Jeroboão, o reino do sul foi corretamente chamado
de Judá e o seu povo, de os judeus. Assim, o Exílio na Babilônia e o retorno
envolviam os judeus.
2 Os Apócrifos não faziam parte do cânon das Escrituras reconhecido
pelos judeus ou pelos cristãos. Algumas Bíblias têm os Apócrifos dispostos
entre o Antigo e o Novo Testamentos. É uma compilação importante de
escritos religiosos judaicos e a nossa principal fonte de informação para a
história e religião dos judeus no período intertestamentário.
A nova criação para nós
Jesus lhes respondeu: Destruí este santuário, e eu o levantarei em três
dias (Jo 2.19).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM MATEUS,
MARCOS, LUCAS E JOÃO
A província da Judeia, a pátria dos judeus, passou para o domínio romano
em 63 a.C. Durante o reinado de César Augusto, Jesus nasceu em Belém,
provavelmente por volta do ano 4 a.C. João, conhecido como o Batista,
preparou o caminho para o ministério de Jesus. Esse ministério de
pregação, ensino e cura começou com o batismo de Jesus e durou cerca
de três anos. O conflito cada vez maior com os judeus e os seus líderes
religiosos acabou provocando a condenação de Jesus à morte pelo
governador romano Pôncio Pilatos. Jesus foi executado pelos romanos do
lado de fora de Jerusalém, mas ressuscitou da morte dois dias depois e
apareceu a seus discípulos em diversas ocasiões. Depois de um período
com eles, Jesus foi levado ao céu.
UNIDADE E DIVERSIDADE NA BÍBLIA
Quando procurei destacar um tema unificador ao longo de toda a
revelação bíblica, não quis obscurecer a imensa diversidade que
também existe nela. Entretanto, é extremamente importante que não
se entenda de modo algum que as perspectivas e abordagens
diferentes adotadas pelos vários autores bíblicos descartam a
existência de unidade na Bíblia. Cada autor de cada livro deixa algo
de si e de seu modo de pensar em sua obra. Contudo, como mostrei
no capítulo 6, a Bíblia é um livro divino, bem como humano. O
Espírito Santo, usando uma diversidade de autores humanos,
produziu uma obra única que diz exatamente o que Deus pretende
que ela diga.
Numa obra introdutória como esta, temos de nos concentrar
apenas na mensagem única da Bíblia. Isso não significa que
ignoramos a diversidade na apresentação da mensagem pelos
vários autores. Observe-se com atenção, porém, que muitos autores
e comentaristas modernos partem do pressuposto arbitrário e falso
de que a diversidade significa que também deve haver um conflito
de ideias.
Também existe a tendência de separar o Antigo Testamento do
Novo. Contudo, não há nenhuma instrução divina para que sejam
impressos separadamente com um novo sumário para cada um
deles. Sem dúvida, há diferenças importantes entre os dois
Testamentos, como já vimos ao longo deste livro. Infelizmente,
essas diferenças muitas vezes parecem mais evidentes para nós do
que a unidade da Bíblia. Vamos nos lembrar de que existe
continuidade entre o Antigo e o Novo Testamentos porque o Novo
cumpre o Antigo e o Antigo testemunha do Cristo do Novo. Também
existe descontinuidade entre eles porque o Antigo precisa dar lugar
ao Novo e o povo de Deus precisa aceitar a realidade concreta de
Cristo e abandonar as sombras da Lei de Moisés e do culto de
Israel.
No Novo Testamento também há diversidade. Os quatro
Evangelhos contam essencialmente a mesma história, mas com
ênfases diferentes e seleção própria de detalhes da vida e do
ministério de Jesus. As Epístolas apresentam uma variedade de
assuntos, muitas vezes em resposta a necessidades específicas da
vida da congregação destinatária. De novo, a variedade não
prejudica de modo algum a mensagem única e central de Jesus
Cristo como o elemento unificador. Não há nenhum ensino no Novo
Testamento incoerente ou incompatível com a pessoa e a obra de
Jesus Cristo.
A unidade e a diversidade
na Bíblia são percebidas no tema único da revelação, cujo foco
é Jesus Cristo, e na variedade de ênfases com que esse tema é
apresentado.
JESUS É O VERDADEIRO DEUS
Lembre-se de que decidi destacar a nova criação, ou regeneração,
como um dos temas unificadores na Bíblia. Associada a esse tema
está a ideia do reino que envolve Deus, o seu povo e a ordem
criada, todos se relacionando perfeitamente. Assim, a Criação, ou
geração, resultou no reino de Deus revelado no Éden.1 A Queda, ou
degeneração, resultou na obliteração do reino de Deus, confundindo
as relações entre Deus, as pessoas e o mundo. A revelação
redentora mostrou o progresso em direção à regeneração, ou
restauração, do reino de Deus.
É impossível exagerar a importância da nova revelação em Jesus
Cristo. Mostrei no capítulo 6 que Jesus Cristo é a revelação mais
plena e definitiva de Deus. Talvez seja proveitoso você ler esse
capítulo de novo a esta altura. Os discípulos deviam ter entendido
pelo Antigo Testamento a natureza do evangelho (Lc 24.25-27). Isso
porque Jesus cumpre as expectativas do Antigo Testamento. Em
outro sentido, porém, ele cumpre essas expectativas de modo tão
surpreendente que ninguém poderia ter previsto plenamente como
ele inauguraria o reino.
A escatologia profética continha uma gama inteira de cenários e
imagens — alguns extremamente simbólicos, outros muito mais
próximos da real experiência histórica de Israel — representando a
vinda do reino por muitos ângulos diferentes. Entretanto, é
compreensível que a maioria dos judeus formasse uma ideia do
cumprimento tal como Deus vindo de repente com poder para
restabelecer na Terra Prometida o seu povo ainda disperso,
expulsar os romanos e outros inimigos, restaurar Jerusalém e o
Templo com insuperável esplendor, reunir pessoas de todas as
nações da terra no reino, julgar os iníquos e infiéis e, acima de tudo,
instaurar o governo glorioso de seu reino por meio de um Príncipe
davídico que governaria Jerusalém. Desse modo, Jerusalém
passaria a ser o centro da nova terra, onde todos os povos, criaturas
e coisas existiriam em perfeita harmonia.
Levando em consideração esse tipo de expectativa, podemos
começar a entender por que os judeus não estavam prontos para
receber o seu Deus como um bebezinho nascido de Maria.
Qualquer declaração de Jesus de que ele era Deus provocava um
frenesi de ódio nos líderes judeus (Mt 26.63-68; Mc 2.5-12; Jo 8.4859; 10.29-31; veja também Ez 34.17-21). João reflete sobre o
Criador fazer-se um membro da raça humana e não ser recebido
por aqueles a quem preparara para o evento (Jo 1.1-18). A
encarnação de Deus está exatamente no centro do evangelho com
o qual Deus restaura a relação verdadeira entre ele mesmo e a raça
humana.
A igreja primitiva reconhecia a divindade de Jesus como um
elemento essencial do evangelho. Assim, podemos investigar a
necessidade da encarnação para a nossa salvação (Jo 1.1-3; Fp
2.5-7; Cl 1.16,17; 2.9; Tt 2.13; Hb 1.8; Ap 22.13).
Jesus Cristo
é verdadeiro Deus, o Criador do universo.
JESUS É O VERDADEIRO POVO DE DEUS
O Novo Testamento aponta que não só a divindade de Cristo, mas
também a sua humanidade perfeita e completa é essencial para o
evangelho de nossa salvação. Ao mesmo tempo que é o Deus
Criador, o Deus de Adão, de Abraão, de Davi e dos profetas, ele
também é o verdadeiro homem criado, o Último Adão, a
descendência de Abraão, o filho de Davi e o verdadeiro profeta (Mt
21.9; Lc 4.16-24; Rm 1.3; 5.19; 1Co 15.22,45; Gl 3.16; Cl 1.15).
Mais uma vez, observa-se que as circunstâncias prenunciadas
no Antigo Testamento não eram as que os judeus da época de
Jesus esperavam. Os personagens importantes, como sacerdotes e
reis, que mediavam a salvação para os muitos de Israel, apontavam
para o Único que vem como o verdadeiro israelita representante de
muitos. Com base nessa interpretação das promessas proféticas, os
judeus estavam esperando o retorno de uma grande multidão de
pessoas para a Terra Prometida. Mesmo o remanescente seria um
grupo considerável. Eles não estavam preparados para a ideia de
que o verdadeiro povo de Deus era um só homem. Não conseguiam
perceber que todo o propósito de Deus para Adão e depois para
Israel estava sendo cumprido na existência humana perfeitamente
sem pecado de Jesus.
Adão foi o primeiro cabeça da raça humana, mas fracassou em
conservar a relação correta de sua raça com Deus. Ele foi tentado e
cedeu à tentação rebelando-se contra o seu Criador. Foi expulso do
Éden e por isso toda existência humana desde então ocorre fora do
jardim. Agora o Último Adão surge como o cabeça de uma nova
raça humana. Ele cumpre perfeitamente a missão de Adão. Foi
igualmente tentado para que, vencendo toda tentação, conduzisse o
seu povo de volta ao jardim, para a comunhão com Deus. As
narrativas da tentação (Mt 4.1-11; Mc 1.12,13; Lc 4.1-13) devem ser
interpretadas considerando Adão e Israel como filhos de Deus que
não passaram no teste. No batismo, Jesus se identifica com a raça
humana e é aprovado por Deus Pai como o verdadeiro Filho de
Deus. Observe que a árvore genealógica do Evangelho de Lucas
liga Jesus, através das gerações de Israel, a Adão, filho de Deus (Lc
3.23-38). Mais uma vez, o nosso diagrama de resumo (p. 221)
ilustra essa progressão do povo de Deus desde Adão (que
fracassou), passando pelos israelitas (que fracassaram) e chegando
a Jesus, o único Filho de Deus que o agradou totalmente desde
antes de Adão ter pecado.
A filiação está associada ao papel de servo. O verdadeiro filho é
aquele que serve ao Pai (Êx 4.23; Hb 3.6). A aprovação de Jesus
pelo Pai no batismo ecoa a promessa messiânica de Salmos 2.6,7 e
a submissão sofredora do Servo do Senhor em Isaías 42.1. A
primeira tentação de Cristo no deserto é o desafio: “… Se tu és o
Filho de Deus…”. Observe que as passagens usadas por Jesus
para rechaçar o ataque do Diabo (Dt 8.3; 6.13,16) são extraídas do
comentário de Moisés sobre o fracasso de Israel no teste do
deserto. O significado é claro. No batismo, Jesus é declarado o
verdadeiro Adão, o verdadeiro Israel. Imediatamente depois disso, o
mesmo Espírito que desceu sobre ele no batismo o leva para ser
testado. Jesus sai desse teste sem deslize nenhum e aprovado
como o verdadeiro e fiel Israel de Deus.
No Antigo Testamento, as principais funções que representavam
o povo eram as de profeta, sacerdote, rei e sábio. Quando se lê o
Novo Testamento, fica evidente que os vários autores entendiam
que a pessoa e a obra de Jesus estavam cumprindo esses papéis.
Em primeiro lugar, Jesus é o verdadeiro profeta anunciando o
reino de Deus (Mc 1.14,15; Lc 4.16-21; Hb 1.1,2). Ele não apenas
prega a palavra profética, mas também é a Palavra (Jo 1.1-3,14-18;
14.6). A obra completa de Jesus de revelação da verdade sobre
Deus e o reino pode ser considerada o apogeu do ofício profético do
Antigo Testamento.
Em segundo lugar, Jesus cumpre o papel de sacerdote. Isso é
mencionado indiretamente pelas próprias palavras de Jesus acerca
de sua morte como sacrifício e resgate por muitos (Mc 10.45; Lc
22.19,20; Jo 10.11,15). Na Epístola aos Hebreus, a teologia do
sacerdócio de Jesus é desenvolvida com mais detalhes, tanto na
continuidade em relação ao sacerdócio de Israel como na
superioridade em relação a esse sacerdócio por ser seu
cumprimento perfeito (Hb 3.1; 4.14—5.10; 7.24—10.25). Aqui se vê
claramente a ligação com o tema da aliança, pois Cristo estabelece
uma aliança nova e melhor com seu próprio sangue. Depreende-se
desses textos que Jesus é, ao mesmo tempo, o verdadeiro
sacerdote e o único sacrifício perfeito e aceitável pelo pecado. Ele é,
portanto, o verdadeiro Cordeiro Pascal (1Co 5.7), a oferta sem
pecado pelo pecado (2Co 5.21; 1Pe 2.24). Sua obra sacerdotal foi
tomar sobre si a maldição que Deus declarou sobre todos os que
violam a sua aliança (Dt 11.26-28; Gl 3.10-14).
Em terceiro lugar, a realeza de Cristo começa no fato de que ele
é literalmente descendente de Davi e cumpre as expectativas
proféticas do Messias davídico (Mt 1.17-20; 20.29-31; Lc 1.30-33;
Rm 1.3). A ressurreição e a ascensão de Jesus são consideradas a
proclamação de seu senhorio e o cumprimento das promessas da
aliança a Israel. Pela ressurreição, Jesus é declarado o Filho de
Deus (Rm 1.4). Não somente é ressuscitado dos mortos um novo
Israel, mas também o rei de Israel é proclamado (At 2.30-32,36;
13.22,23,32-37). A figura de realeza remete não apenas ao rei de
Israel, mas também ao domínio sobre a criação dado a Adão (Gn
1.26-28). Os milagres de Jesus indicam a restauração do domínio
humano e a vitória de Deus sobre Satanás. Assim, Jesus é
identificado como o Filho do Homem, uma referência ao filho de
homem em Daniel 7, aquele que restaura o domínio ao povo de
Deus. A vinda do Filho do Homem em grande poder e glória
assinala a restauração da raça humana (Lc 21.27,28).
Por fim, observamos o cumprimento do papel do sábio em Jesus.
Salomão era filho de Davi e homem sábio de Israel. Agora é
chegado “… quem é maior do que Salomão” (Lc 11.31). A sabedoria
é característica do Rei-Messias davídico (Is 9.6; 11.2). Jesus
demonstrava sabedoria superior à que se encontrava no Templo (Lc
2.46-52). Suas formas de discurso são as de um mestre de
sabedoria (parábolas), e ele se declara a fonte da verdadeira
sabedoria (Mt 7.24-29). Cristo se fez sabedoria por nós e é o meio
pelo qual somos resgatados da falsa sabedoria do mundo (1Co 1.20
—2.16).
Jesus Cristo
é verdadeiro ser humano. Ele é o Último Adão, o verdadeiro
Israel.
JESUS É A NOVA CRIAÇÃO
O Templo de Israel era o ponto de convergência da Terra Prometida.
Era o lugar em que Deus e o seu povo se reuniam, onde ocorriam a
reconciliação e a restauração. Vimos que as relações de Deus com
esse povo se concentravam no Templo porque, para haver
comunhão entre uma pessoa e Deus, era preciso haver a obra
mediadora do sacerdote. As esperanças proféticas de uma nova
criação exigiam coerentemente um Templo novo e glorificado como
centro da terra. João nos diz que a vinda de Cristo foi a vinda da
Palavra no tabernáculo de carne humana para habitar entre nós (Jo
1.14). Por isso, a controvérsia quanto a Jesus purificar o Templo o
levou a se identificar como o verdadeiro templo (Jo 2.13-22). Porém,
se Jesus é o ponto de convergência da nova criação, de algum
modo ele deve incorporar essa criação. O Novo Testamento fala
disso indiretamente vinculando a nova criação à redenção de nosso
corpo (Rm 8.19-23; 2Pe 3.11-13).
A estratégia divina de salvação agora aparece com maior
clareza. Tudo o que Deus prometera no Antigo Testamento se
cumpre em Cristo, sobretudo na sua ressurreição dentre os mortos
(At 13.32,33). A mensagem de Cristo é a declaração de que todas
as promessas de Deus são cumpridas nele (2Co 1.20). As questões
levantadas neste capítulo nos exigem entender que todas as
promessas de Deus são de fato cumpridas com o nascimento, a
vida, a morte e a ressurreição de Jesus. As promessas do Antigo
Testamento dão sentido à regeneração de todas as coisas. É a
recriação do reino em que Deus, o seu povo e a ordem criada
existem em perfeita harmonia, cumprindo perfeitamente os seus
respectivos papéis. A estratégia da salvação, portanto, é que Deus
restaura o reino por meio de Cristo, mediante a obra de Cristo e,
efetivamente, na pessoa de Cristo. De modo representativo, Cristo,
o Deus-homem, é a regeneração de todas as coisas. Ele é
verdadeiramente Deus, verdadeiramente homem e verdadeiramente
ordem criada, convivendo juntos perfeitamente. “Deus conosco”
(hebraico: immanuel; Mt 1.20-23) não significa simplesmente Deus
vivendo em nosso mundo, com os seres humanos, mas Deus
habitando com o homem representativo e verdadeiro na pessoa de
Jesus de Nazaré. A mensagem sólida e coerente do Novo
Testamento é que o que Jesus foi, ele foi por nós. A nova criação
veio por nós nele, em nosso favor.
No capítulo 6, levantei o tema da tipologia. O tipo é o prenúncio
histórico da realidade futura, ou antítipo, que é Cristo. Agora
podemos propor o uso do termo protótipo para nos referirmos ao
reino original, que existia antes da Queda. A escatologia profética,
ao usar os acontecimentos históricos passados para falar do futuro,
confirma a tipologia dessa história (veja o diagrama de resumo, p.
221).
Jesus Cristo
é o novo Templo e incorpora a nova ordem criada. Ele é a
regeneração de todas as coisas nele mesmo.
A REGENERAÇÃO VEM EM JESUS PARA NÓS
RESUMO
A regeneração no Antigo Testamento foi revelada
como a recriação do povo de Deus e da ordem
criada. O Novo Testamento revela que isso ocorre
primeiro de modo representativo na pessoa de
Jesus.
Ele
é
verdadeiramente
Deus,
verdadeiramente ser humano e verdadeiramente o
mundo em que Deus encontra o seu povo.
TEMAS PRINCIPAIS
Jesus como Deus, humanidade e mundo
Jesus é a regeneração para nós
ALGUMAS PALAVRAS- Unidade e diversidade
CHAVE
Encarnação
O CAMINHO ADIANTE
Cristo, a regeneração — Nosso reconhecimento
nele, 2Coríntios 5.17 — A regeneração de
todas as coisas consumada, Apocalipse 21.1-5
GUIA DE ESTUDO
1. Certifique-se de que você entendeu mesmo o conceito de que
Jesus cumpre todas as promessas do Antigo Testamento nele
mesmo.
2. Esboce o tema de Deus habitar com o seu povo conforme é
desenvolvido no Antigo Testamento e cumprido na encarnação
de Jesus.
3. Em que sentido as maldições da aliança e as ameaças de juízo
no Antigo Testamento são cumpridas em Cristo?
4. Você pode pensar em alguma promessa do Antigo Testamento
que não foi cumprida na primeira vinda de Cristo? Concorda que
há promessas referentes somente à segunda vinda de Cristo?
LEITURA COMPLEMENTAR
CALVIN, John. Institutes. livro 2. caps. 10-17.
______ [Calvino, João]. As institutas. Tradução de Waldyr Carvalho
Luz (São Paulo: Cultura Cristã, 2006). 4 vols. Tradução de:
Institutes.
______. A instituição da religião cristã. Tradução de Carlos Eduardo
Oliveira; José Carlos Estevão (São Paulo: Unesp, 2008). 2 vols.
Tradução de: Institutes.
GOLDSWORTHY, Graeme. Gospel and Wisdom (Exeter: Paternoster,
1987). cap. 11.
______. “O evangelho e a Sabedoria”. In: GOLDSWORTHY, Graeme.
Trilogia: o evangelho e o reino, o evangelho no Apocalipse, o
evangelho e a Sabedoria. Tradução de Vivian do Amaral Nunes
(São Paulo: Shedd, 2016). Tradução de: Gospel and Kingdom;
The gospel in Revelation; Gospel and Wisdom.
IBD. Verbetes “incarnation, “Jesus Christ, titles of”, “King”, “Kingdom
of God”, “prophets” e “priests”.
KG. cap. 7.
1 O termo exato “reino de Deus” é desconhecido no Antigo Testamento e
tem sua origem no período intertestamentário. Estou interpretando o termo
retroativamente e aplicando-o a um conceito do Antigo Testamento que subjaz
ao ensino do Novo Testamento sobre o reino.
A nova criação iniciada em nós
E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo
(At 2.21).
Crê no Senhor Jesus, e tu e tua casa sereis salvos (At 16.31).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA EM ATOS
Depois da ascensão de Jesus, os seus discípulos aguardaram em
Jerusalém. No dia de Pentecostes, o Espírito Santo desceu sobre eles, que
então começaram a obra de proclamar Jesus. Quando as implicações
missionárias do evangelho se tornaram mais claras para os primeiros
cristãos, a proclamação local se estendeu para a evangelização mundial. O
apóstolo Paulo levou o evangelho para a Ásia Menor e para a Grécia,
fundando muitas igrejas em seu caminho. Uma igreja acabou florescendo
em Roma, no centro do Império.
ESBOÇO DA AÇÃO REDENTORA
Até aqui me referi com frequência à relação entre o Antigo
Testamento e o Novo Testamento. Do mesmo modo que o primeiro
tem a sua própria estrutura interna, o segundo também tem a sua.
Vimos que o Antigo Testamento prenuncia o Novo em dois estágios
principais: a história de Israel de Abraão até Salomão e as
promessas proféticas do reino futuro. Do mesmo modo, o Novo
Testamento dispõe o cumprimento em estágios que temos de
observar atentamente.
No capítulo anterior, sustentei que o Novo Testamento entende a
pessoa de Cristo, que veio em carne, como o cumprimento das
promessas do Antigo Testamento. A vida, morte, ressurreição e
ascensão de Jesus são os meios desse cumprimento. Jesus está
agora à direita do Pai. Ele é o homem perfeito em perfeita relação
com o Pai. Entretanto, Jesus faz tudo o que faz e é tudo o que é por
nós. Ele só pode ser o nosso representante, nosso salvador, se o
que lhe pertence for de algum modo compartilhado conosco. Não
valeria muito a pena para nós se o reino de Deus, a nova criação,
permanecesse exclusivamente na pessoa de Jesus Cristo.
Enquanto Jesus está com seus discípulos, estes percebem que
estão em contato com o reino de Deus. Muita coisa eles não
entendem e, na verdade, não podem entender enquanto não for
revelado o quadro completo. Por isso, os discípulos têm dificuldade
de encarar a notícia de que seu Senhor não estaria sempre com
eles fisicamente (Jo 13.31-38). Jesus trata desse problema dizendolhes que esse é o único meio de receberem as bênçãos de Deus. É
para o pleno benefício deles que Jesus os deixará e o Espírito Santo
assumirá o seu lugar com eles. Desse modo, ele vai efetivamente
permanecer com seus discípulos, embora essa presença não será
física (Jo 14.1-3,18-20; 15.26,27; 16.4-7).
A confusão na mente dos discípulos é compreensível. Afinal, o
Antigo Testamento não tinha mesmo apresentado um quadro de um
reino cujo rei estaria fisicamente presente apenas durante um breve
período. Desse modo, Jesus acrescenta uma dimensão nova à
revelação existente. Haverá um período de discipulado em que o
Senhor estará ausente em sua forma humana. Por que isso é para o
benefício do povo de Deus (16.7)? Qual é a relação disso com os
discípulos realizarem coisas ainda maiores do que as já realizadas
por seu Messias (Jo 14.12)? A resposta a essas perguntas se
tornam claras quando entendemos o que vem após a existência
terrena de Jesus.
O reino de Deus,
que foi prenunciado no Antigo Testamento, passa a ser
realidade na pessoa de Jesus Cristo. Contudo, ele fica com o
seu povo durante apenas um breve período.
COMO O REINO CHEGA
Lucas e Atos constituem uma peça única da Bíblia. O Evangelho de
Lucas tem muito em comum com os outros três Evangelhos.
Contudo, somente Lucas nos informa sobre a transição do período
em que Jesus esteve aqui em carne para o período em que ele se
ausentou fisicamente, permanecendo, porém, presente no Espírito.
O último discurso de Jesus, registrado em João 14—16, conta-nos o
que está para acontecer. Lucas e Atos relatam como isso aconteceu
de fato.
Como observei no capítulo 8, Lucas 24 mostra dois discípulos
cujas esperanças quanto ao reino foram arruinadas pela morte de
Jesus. As expectativas da vinda súbita e gloriosa do reino de Deus à
terra ficaram totalmente sem cumprimento. Os inimigos do reino, ao
que tudo indicava, triunfaram sobre ele (Lc 24.17-21). Uma lição de
teologia bíblica, dada pelo próprio Mestre, é iniciada com uma
referência à interpretação correta dos profetas. O Cristo tinha de
sofrer e só depois entrar em sua glória (24.25-27). Sua morte havia
sido totalmente prevista, e ele tentara prepará-los para esse fato
(Mc 8.31-33; 9.9-13; 10.33-45).
Logo que os discípulos são convencidos de que Jesus está vivo
de novo, suas esperanças da vinda do reino são reanimadas (Lc
24.31-35). O sofrimento do Messias evidentemente acabou e só lhe
faltava entrar em sua glória. Isso apenas podia significar, como
pensaram os discípulos, que a glória do reino profético estava
prestes a sobrevir sobre eles. Por esse motivo, surge a pergunta:
“… Senhor, é este o tempo em que restaurarás o reino para Israel?”
(At 1.6).
A resposta de Jesus a essa pergunta é extremamente importante
para compreender como o reino vem. Em primeiro lugar, Jesus
rejeita o entendimento dos discípulos de que o assunto pode ser
resolvido tão somente em relação ao aspecto temporal. Ele
assevera: “… Não vos compete saber os tempos ou as épocas que
o Pai reservou por sua autoridade” (1.7). Em segundo lugar, Jesus
lhes redireciona o pensamento acerca da participação deles no
processo que trará o reino: “Mas recebereis poder quando o Espírito
Santo descer sobre vós; e sereis minhas testemunhas, tanto em
Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da
terra” (1.8). De fato, ele está dizendo que o reino está sendo
restaurado agora, mas não do jeito que os discípulos esperavam. O
reino vem pela pregação do evangelho sob a influência do Espírito
Santo. O poder do reino não está na obra do Espírito Santo apenas,
nem apenas na palavra de Cristo, e sim na ação conjunta de ambas.
Com isso, Jesus dá a interpretação definitiva das profecias do
Antigo Testamento a respeito do dia da salvação.
Recordamos que Israel foi comissionado para ser luz para as
nações; não obstante, nunca houve nenhum chamado para que
fosse ao mundo proclamar o reino aos gentios. Também recordamos
as grandes profecias, como Isaías 2 e Zacarias 8, que falam sobre a
ida dos gentios a Jerusalém quando o reino fosse estabelecido.
Agora Jesus, o verdadeiro Israel e o novo templo, diz a seus
discípulos que o Espírito Santo leva a sua presença a todo o mundo
mediante a pregação do evangelho. Desse modo, as nações serão
reunidas a Cristo, que assume o lugar do Israel e da Jerusalém
antigos.
Perspectiva semelhante aparece na “Grande Comissão” de
Mateus 28.17-20. A declaração de Jesus de que ele tem toda a
autoridade no céu e na terra não é nada menos do que a declaração
de que ele é o que traz o reino de Deus. A essa altura os discípulos
talvez esperassem uma declaração sobre os gentios de todas as
partes do mundo chegando a Jerusalém. Jesus, porém, está de fato
dizendo que Jerusalém e o Templo foram substituídos. O ponto de
convergência do reino não é mais um edifício na terra de Judá, mas,
sim, ele próprio, onde quer que haja a sua presença. Depois que
Jesus trocasse a sua presença física pela sua presença mediante o
Espírito, os gentios seriam trazidos para o novo templo, criado por
esse Espírito onde quer que o evangelho fosse pregado. “Portanto,
ide, fazei discípulos de todas as nações…” significa que eles não
podiam mais permanecer na Jerusalém geográfica. Em vez disso,
eles tinham de partir dali e fazer discípulos.1 Aonde quer que o
Espírito Santo leve a palavra de Cristo e reúna pessoas ao
Salvador, ali está o novo templo. Os discípulos farão coisas maiores
do que Jesus fez no sentido de que o ministério deles será no
mundo todo. É para o bem dos discípulos que Jesus os deixará,
porque só depois disso poderão conhecê-lo por seu Espírito e unirse a ele de um modo novo.
O reino vem
pelo Espírito Santo, que leva a palavra acerca de Cristo a todo
o mundo pela pregação dos discípulos.
A NOVA CRIAÇÃO EM NÓS
O livro de Atos nos mostra a transição das circunstâncias relatadas
nos Evangelhos para aquelas tratadas nas Epístolas. A princípio,
Jesus está no mundo em carne. Ele reúne os seus discípulos e os
instrui nas coisas do reino. Enquanto está com eles, os fatos do
evangelho acontecem na presença deles. Lemos que tanto João
Batista quanto Jesus pregavam o evangelho (Lc 3.18; Mc 1.14).2 No
entanto, eles não proclamaram o evangelho pleno naquele
momento, pois este ainda não tinha sido revelado por completo.
Somente quando a morte, a ressurreição e a ascensão de Jesus se
concretizaram, o evangelho pleno pôde ser anunciado.
Sem dúvida, os discípulos eram crentes em Jesus. Todavia, João
afirma que os discípulos ainda não haviam recebido o Espírito
Santo: “… o Espírito Santo ainda não havia sido dado, pois Jesus
ainda não fora glorificado” (Jo 7.39). É pouco provável que essa
concessão do Espírito tenha ocorrido no dia da ressurreição de
Cristo, ainda que ele lhes tenha dito: “… Recebei o Espírito Santo”
(Jo 20.22). A declaração de João 7.39, combinada com a narrativa
do Pentecostes, em Atos 2, dá-nos um forte indício para entender
esse quadro. A concessão do Espírito está relacionada à pessoa e
obra de Cristo. Do mesmo modo que Jesus certamente tinha o
Espírito antes de seu batismo, também os discípulos tinham o
Espírito antes do Pentecostes. No batismo de Jesus, o Espírito veio
sobre ele em relação à sua obra como o Salvador. Os discípulos, se
eram judeus fiéis, tinham o Espírito em relação ao prenúncio de
Jesus na aliança do Antigo Testamento. Como discípulos de Jesus,
a fé que tinham nele como seu Mestre era um dom divino e,
portanto, do Espírito. No Pentecostes, o Espírito Santo veio sobre
eles pela primeira vez em relação ao Cristo plenamente revelado.
Isso só podia acontecer depois da sua glorificação (Jo 7.39).
O Pentecostes, desse modo, significa uma experiência única
para os discípulos, pois marca um ponto de transição. É um fato da
história que nenhuma pessoa, a não ser os apóstolos, jamais teve
essa experiência. Ninguém desde esse tempo passou de conhecer
Jesus face a face, em carne, a conhecê-lo por sua Palavra pregada
e por seu Espírito. Portanto, ninguém pode ter a mesma experiência
do Espírito que eles tiveram, em dois estágios. Um judeu fiel que se
tornou discípulo de Jesus e depois recebeu o Espírito no
Pentecostes teve uma experiência do Espírito em três estágios.
Quando identificamos o que não pode ser repetido da
experiência do Pentecostes, estamos em posição melhor para
entender o que permanece como parte da experiência cristã.
Claramente o evangelho proclama que o poder capacitador do
Espírito é o que nos converte. Em Atos 2.38, os cristãos obtêm a
explicação do que normalmente acontece: o não crente, judeu ou
gentio, que ouve o evangelho e crê recebe o perdão dos pecados e
o dom do Espírito Santo. Esse é o batismo do Espírito a que João
Batista se referiu em Lucas 3.16.
O Espírito Santo
sempre esteve presente em relação à obra de salvação. No
Pentecostes, ele foi dado pela primeira vez em relação à obra
concluída de Cristo.
TEOLOGIA BÍBLICA DO ESPÍRITO SANTO
O livro de Atos, juntamente com o que aconteceu antes, é
importante para a construção de uma teologia bíblica do Espírito
Santo. Um esboço dessa teologia temática inclui o lugar do Espírito
na criação do mundo. A raça humana, criada à imagem de Deus,
está sob a influência do Espírito de Deus, mas o pecado a priva
desse bom impulso enquanto a graça de Deus não inicia a obra de
salvação. Desse modo, é correto afirmar que o povo de Deus é o
povo do Espírito, enquanto os pecadores rebeldes são pessoas sem
o Espírito.
Assim como a redenção é revelada progressivamente em Israel,
assim também a obra do Espírito é revelada de modo progressivo.
No período da história de Israel de Abraão até Salomão, percebe-se
a obra do Espírito sobretudo como uma dotação especial de
representantes do povo para a obra de mediar a salvação de Deus,
incluindo o pronunciamento profético. Nesse período, há algum
indício da posse do Espírito por todo o povo de Deus.
Na escatologia profética, o Espírito se mostra ativo sobretudo em
relação aos atos salvadores de Deus e na vida dos agentes
humanos desses atos. O Servo Sofredor, o profeta verdadeiro e o
príncipe messiânico são todos eles pessoas sobre as quais o
Espírito veio com poder. O Espírito de Deus também é o poder
regenerador na vida de todo o povo de Deus. Ele o ajuda a ser
verdadeiro coparticipante da aliança de Deus. Uma marca do novo
tempo é o Espírito dado em plenitude a todo o povo de Deus (Jl
2.28,29).
Somente no Novo Testamento há o verdadeiro cumprimento
dessa esperança escatológica. Ele ocorre primeiro no homem cheio
do Espírito, Jesus de Nazaré, o israelita regenerado, o profeta,
sacerdote e rei ungido. Enquanto para nós o foco está em Jesus
como a nova criação, a ênfase para Jesus está no Espírito Santo.
A ascensão de Jesus e o Pentecostes marcam o ponto de
transição. O foco nunca é removido de Jesus, mas agora se estende
para incluir as pessoas que estão sendo unidas a ele e participando
de sua relação com Deus e com o reino. Quando o evangelho é
pregado, pessoas são inseridas no reino mediante arrependimento e
fé. Nessa experiência de conversão, começa a se tornar realidade
em nós a regeneração que existe em Cristo.
A teologia do Espírito,
mediante a dotação de figuras salvíficas representativas na
história e na escatologia profética de Israel, conduz a Cristo. No
Pentecostes, o Espírito de Cristo é compartilhado com o seu
povo.
A REGENERAÇÃO COMEÇA NO POVO DE DEUS
RESUMO
A regeneração, que veio primeiro na pessoa de
Jesus Cristo, agora se torna realidade na vida do
povo de Deus. O Espírito Santo substitui a
presença física de Jesus. No Pentecostes, o
Espírito vem pela primeira vez ligar os crentes à
regeneração, pois ela é plenamente revelada em
Cristo.
TEMAS PRINCIPAIS
Jesus reinterpreta o reino
Transição para a era do Espírito
ALGUMAS PALAVRAS- Batismo
CHAVE
Conversão
O CAMINHO ADIANTE
O Único (Jesus) vem para os muitos — O Único
une os muitos a si por seu Espírito para que,
onde o Único estiver, ali também estarão os
muitos
GUIA DE ESTUDO
1. Leia os sermões de Pedro e de Paulo em Atos (At 2.14-40;
3.12-26; 4.8-12; 10.34-43; 13.16-41). Observe como eles
aplicam o Antigo Testamento ao ministério de Jesus. O que
se pode aprender com os apóstolos sobre interpretações do
Antigo Testamento?
2. Leia o discurso de Estêvão aos judeus em Atos 7.2-53.
Observe a estrutura e os temas recorrentes. Como a
acusação nos versículos 51-53 decorre da referência ao
tabernáculo e ao templo nos versículos 44-50? Qual é a
mensagem central do discurso?
3. Que aspectos dos acontecimentos de Atos podem ser
considerados normativos para todos os cristãos e para todas
as épocas? Que aspectos são exclusivos daquele período?
LEITURA COMPLEMENTAR
BRUNER, F. D. A theology of the Holy Spirit (Grand Rapids:
Eerdmans, 1970).
______. Teologia do Espírito Santo. 3. ed. Tradução de Gordon
Chown (São Paulo: Cultura Cristã, 2012). Tradução de: A
theology of the Holy Spirit.
IBD. Verbete “Spirit, Holy Spirit”.
INCH, Morris. Saga of the Spirit (Grand Rapids: Baker, 1985).
MARSHALL, I. H. Acts. TNTC (Grand Rapids: Eerdmans, 1980).
______. Atos: introdução e comentário. Tradução de Gordon Chown
(São Paulo: Vida Nova, 1982). Tradução de: Acts.
1 A ordem é fazer discípulos. Em algumas traduções para nossa língua, o
verbo ir aparece no lugar em que o original grego apresenta uma forma
nominal equivalente a “indo” ou “enquanto forem”. Isso pode parecer uma
distinção sutil, mas a ênfase está no fazer discípulos. O “ide” talvez seja
apenas um meio de chamar a atenção dos discípulos para o fato de que os
gentios não viriam para a Jerusalém geográfica, mas que a nova Jerusalém
estaria aonde quer que eles fossem.
2
Frequentemente se entende que o significado do verbo grego
evangelizesthai é “pregar boas-novas”. Temos de reconhecer que, se esse
verbo for considerado juntamente com o seu equivalente hebraico do Antigo
Testamento, basar, as boas-novas são as notícias graves do reino. Não é
possível pregar o reino sem fazer referência ao juízo.
A nova criação em nós agora
Já que fostes ressuscitados com Cristo, buscai as coisas de cima, onde
Cristo está assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas de cima e não
nas que são da terra; pois morrestes, e a vossa vida está escondida com
Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, também
vos manifestareis com ele em glória (Cl 3.1-4).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA NAS EPÍSTOLAS
DO NOVO TESTAMENTO
À medida que o evangelho avançava e invadia as sociedades pagãs,
deparava com muitas filosofias e ideias não cristãs que confrontavam a
mensagem apostólica. As epístolas do Novo Testamento mostram que a
pressão que havia ocorrido na época do Antigo Testamento para que o
povo de Deus adotasse ideias pagãs também era uma ameaça constante
para as igrejas. O real perigo para a doutrina cristã não eram tanto os
ataques diretos que esta sofria, mas, sim, a distorção sutil de ideias cristãs.
Entre os causadores de problemas havia os judaizantes, que
acrescentaram a observância da Lei ao evangelho. Os gnósticos também
minavam o evangelho com elementos da filosofia e da religião gregas.
A ESTRATÉGIA DE DEUS PARA A SALVAÇÃO
É provável que, em algum momento de sua vida, você tenha sido
instruído de que a resposta cristã à pergunta “Você é salvo?” deve
se referir ao passado, ao presente e ao futuro. A resposta “Sim, fui
salvo; estou sendo salvo; serei salvo” exprime como a salvação é
vivida. Quanto ao passado, a referência é à obra perfeita e completa
de Cristo por nós. Quanto ao presente, a referência é à obra
contínua do Espírito Santo em nós, à medida que ele aplica o
evangelho à nossa vida e nos conforma cada vez mais à imagem de
Cristo. Quanto ao futuro, a referência é à consumação, quando o
que está acontecendo em nós se conformará perfeitamente ao que
existe para nós e quando todas as coisas se farão novas. Muitos
cristãos vão reconhecer que as palavras justificação, santificação e
glorificação se aplicam a esses três aspectos de nossa salvação.
O Novo Testamento, portanto, mostra que o propósito salvador
de Deus é restabelecer as relações corretas de todas as coisas. A
estratégia, ou método, que ele emprega para alcançar esse objetivo
é a própria pessoa de Cristo e sua obra salvadora. Deus une o seu
povo a Cristo pela fé, atribuindo-lhe a perfeição que há em Cristo.
Com base no que os cristãos são considerados por estarem em
Cristo, Deus, mediante o seu Espírito e o evangelho, inicia a obra de
restaurar as verdadeiras relações neles e em toda a comunidade de
crentes. Por fim, a consumação de toda a criação será alcançada
quando Cristo voltar em glória.
SALVAÇÃO OU REGENERAÇÃO
Passado
O que ocorreu
perfeitamente em Cristo
por nós.
Presente
Futuro
O que está ocorrendo O que ocorrerá em nós e
em nós, mas ainda
em toda a criação.
não foi aperfeiçoado.
A base de nossa aceitação O resultado de nossa O resultado final de nossa
por Deus, ou justificação. aceitação por Deus, ou aceitação por Deus, ou
santificação.
glorificação.
Todas as promessas do
Antigo Testamento foram
cumpridas para nós em
Cristo.
Todas as promessas
do Antigo Testamento
estão sendo
cumpridas em nós e
em nosso meio.
Todas as promessas do
Antigo Testamento serão
cumpridas em nós e em
toda a criação.
UNIÃO COM CRISTO
Uma das principais tarefas da teologia bíblica é mostrar as relações
entre os vários estágios da revelação redentora. Um aspecto em
que há muita confusão na mente de muitos cristãos, e que a história
da igreja mostra ter sido sempre um problema, é como a obra de
Cristo por nós se relaciona com a obra de Cristo em nós mediante o
seu Espírito. Em outras palavras, qual é a relação do evangelho
com o viver cristão, ou qual é a relação da justificação com a
santificação? Algumas epístolas do Novo Testamento mostram que
o problema dos cristãos judeus era a relação do evangelho com a
Lei. Podemos também expressar isso como a relação da graça com
boas obras.
Poucos questionariam a afirmação de que somos convertidos ao
crer no evangelho. Mas como o evangelho se traduz em
crescimento ou santificação para o crente? Um exame dos textos do
Novo Testamento nos mostra que o crescimento não está em seguir
caminhando a partir do evangelho, mas, sim, em andar junto com
ele. Muitos dos problemas tratados nas Epístolas resultam da
negligência de aplicar o evangelho a algum aspecto da vida. A
solução para esse problema é restaurar o evangelho ao seu lugar
legítimo no centro de nosso pensamento e prática.
O Novo Testamento se refere de vários modos à relação entre o
que Deus fez por nós em Cristo e o que ele está fazendo atualmente
em nós. A ênfase do Evangelho de João é crermos em Cristo e
termos a vida eterna por meio dele (Jo 20.31). Pedro fala de virmos
a Cristo para sermos edificado no novo templo como pedras vivas e
fazermos parte de um novo Israel (1Pe 2.4-10). Paulo tem os seus
meios distintos de tratar dessa relação e se concentra em nossa
união com Cristo.
O uso que Paulo faz das expressões “em Cristo” e “com Cristo”
para se referir à relação do crente com Jesus exige um exame
atento. Trata-se de duas das mais claras expressões que corrigem o
conceito equivocado de que a essência do cristianismo é seguir os
preceitos de Jesus. Ora, é claro que há um sentido importante em
que devemos seguir os ensinamentos dele e imitar a sua existência
humana. Mas o que algumas pessoas querem dizer com isso é
observar os ensinamentos morais de Jesus, como a “regra de ouro”
(Mt 7.12), por exemplo. Isso leva à conhecida ideia popular de que
podemos chegar ao céu pelas nossas boas obras.
Paulo refuta e combate fortemente todas as tendências de
considerar nossos atos a base de nossa aceitação por Deus. Seu
ensino sobre a justificação pela fé indica a essência do significado
do evangelho para nós. O que Deus fez por nós na vida, morte e
ressurreição de Jesus Cristo é a única base de nossa aceitação por
Deus (Rm 3.21—4.25; Gl 3.14-29). Pela fé na pessoa de Cristo e
em sua obra por nós, recebemos a salvação e a aceitação como
dom gratuito. A justificação pela graça somente por meio da fé
suscita perguntas imediatas sobre o modo de vida futuro do pecador
justificado. Para algumas pessoas, é agradável pensar na
justificação pela graça como se esta não fizesse nenhuma exigência
nem implicasse mudança alguma de estilo de vida.
A resposta de Paulo a essa ideia errada é mostrar que a
justificação e o perdão fazem parte do processo que nos leva de
volta ao reino de Deus. Mediante a fé, entramos em uma união com
Jesus Cristo cimentada pela presença do Espírito Santo em nossa
vida. Essa união não deve ser vista como uma união mística de
nosso ser ao ser de Jesus de modo que ele se amalgame conosco e
viva a sua vida em nós. Sem dúvida, o Espírito vive em nós, mas ele
faz isso para conservar a nossa união de fé com Cristo. Sobre essa
união, cujo símbolo é o batismo, afirma-se que efetua algo
completamente extraordinário. Significa que Deus agora considera
aplicável a nós o que aconteceu em Cristo, por sua vida, morte e
ressurreição. Os méritos e a perfeição de Cristo se aplicam a nós,
de modo que aquilo que pertence a ele, o verdadeiro Filho de Deus,
também pertence a nós, que somos alcançados “nele”.
Cristo, desse modo, passa a ser nossa outra identidade, nosso
alter ego. Temos e conhecemos esse outro eu somente pela fé;
portanto, “… vivemos pela fé e não pelo que vemos” (2Co 5.7).
Consequentemente, morremos com Cristo e fomos enterrados com
ele (Rm 6.3-11; Gl 2.19,20; Cl 2.12,20), também fomos
ressuscitados com ele (Rm 6.4,5,11; 1Co 15.22; Ef 2.5) e
assentados à direita do Pai com ele (Ef 2.6). Em Cristo, agora
somos uma nova criação (2Co 5.17). Nada disso é uma meta a ser
alcançada, pois tudo isso já existe perfeitamente em Cristo, em
nosso favor.
O uso que Paulo faz de “em Cristo” e “com Cristo” é uma
aplicação direta da ideia veterotestamentária do representante
mediador da salvação. O cristão está “em Cristo” do mesmo modo
que o israelita fiel estava “no” sacerdote ou rei que o representava.
Um impulso fundamental da teologia paulina de nossa união com
Cristo é destruir a noção falsa de que a justificação somente pela fé
permite que o cristão viva uma vida impiedosa. É inconcebível que
alguém unido com a mais sólida de todas as realidades, a nova
criação em Cristo, continue vivendo como se ela fosse uma ficção.
Uma vez que é o Espírito Santo que aplica a realidade de Cristo a
nós, a vida em Cristo também é a vida no Espírito (Rm 8.1-25; Ef
5.18-20; cf. Cl 3.16,17).
O crente
está unido com Cristo pela fé de tal modo que Deus lhe atribui
tudo o que pertence a Cristo, o ser humano perfeito.
A GUERRA INEVITÁVEL
Visto que é muito fácil ficarmos preocupados com questões de
nossa vida pessoal, vamos tomar um pouco de distância para
observar o quadro maior. Os profetas do Antigo Testamento
prenunciam a vinda do dia da salvação, em que o reino glorioso
será plenamente revelado e o povo de Deus finalmente será salvo e
aperfeiçoado. Não há nenhuma indicação clara nos profetas de
como esse reino virá nem de quanto tempo isso vai levar. Em todo
caso, parece que a expectativa é que a obtenção da glória final
ocorra em um instante. Mesmo havendo alguns indícios de um
tempo muito longo, o reino virá clara e universalmente. Todavia, o
Novo Testamento restringe isso mostrando que o reino vem primeiro
na pessoa de Jesus e, em seguida, mediante o progresso do
evangelho no mundo; só depois disso ele virá aberta e
universalmente.
No período entre a primeira e a segunda vindas de Cristo, os
cristãos lutam contra a ordem antiga e antagônica do mundo (Rm
12.2; Tg 1.27), a carne (Gl 5.17) e o Diabo (1Pe 5.8,9). Só há guerra
e luta quando dois reinos opostos competem. Estamos nesse
combate enquanto não sairmos do mundo pela morte ou pela
segunda vinda de Cristo. Assim, vivemos um período em que as
duas eras se justapõem. Quando a regeneração, ou a nova era,
chegou perfeitamente em Jesus Cristo, a antiga era, ou
degeneração, continuou existindo. Ela ainda existe, mesmo
enquanto a regeneração está sendo operada no povo de Deus do
mundo inteiro. Somente na segunda vinda a antiga era será
destruída com tudo o que lhe pertence. Nós pertencemos à nova
era, porque, pela fé, somos plenamente aceitáveis para Deus e
fomos unidos a Cristo, que personifica a nova era. Por isso, temos
de reconhecer que, aos olhos de Deus, somos justos ou retos. Ao
mesmo tempo, reconhecemos que não estamos plenamente salvos,
pois ainda somos pecadores. Quando entendemos a justaposição
das duas eras, também entendemos a natureza da luta em nós e ao
redor de nós.
Na primeira vez que Cristo veio, a regeneração invadiu o reino da
degeneração. Mas essa regeneração estava na existência física de
Cristo. Agora que ele está ausente na carne, a regeneração vem à
medida que o seu Espírito aplica o evangelho a pessoas de todo o
mundo. No âmbito pessoal, a regeneração em Cristo se aplica a nós
pelo Espírito e progride em nós à medida que nosso pensamento e
nossas ações se conformam cada vez mais ao que está em Cristo.
Tendo em vista que esse processo envolve a nossa mente e
responsabilidade
humanas,
o
Novo
Testamento
apela
constantemente para nos conformarmos a Cristo. Porque morremos
com Cristo, a reação apropriada da regeneração é fazer morrer tudo
quanto pertence à nossa natureza terrena pecaminosa (Cl 3.3-5).
É bom observar que as exortações do Novo Testamento nos
chamam para a conformidade com Cristo, não com a Lei de Moisés.
É impressionante que os Dez Mandamentos não são apresentados
como o padrão de conduta cristã. Esse é um tema polêmico, sobre o
qual há muita diferença de opinião. Talvez haja um meio de
reconhecer uma distinção entre o governo legítimo de Deus sobre
seu reino e a Lei do Sinai. Esta última era uma expressão
temporária apropriada para aquele período da revelação. Uma vez
que Cristo já veio, não estamos mais sob essa expressão do
governo do reino, pois Cristo é a sua revelação perfeita (Rm 6.14; Gl
3.21-25). À luz de Cristo, vemos que alguns aspectos da Lei do
Sinai têm validade permanente, mas estamos livres do domínio total
da Lei.
A justaposição das eras
significa que a existência cristã é caracterizada pela guerra
entre as duas.
A REGENERAÇÃO DO CRENTE
Há um debate contínuo entre alguns cristãos sobre a relação da fé
com o início da regeneração pessoal. A polêmica diz respeito a
quando a regeneração ocorre: antes ou depois da fé. Na verdade, o
Novo Testamento não aborda a questão da ordem. Portanto, a
pergunta quando talvez deva ser evitada do mesmo modo que
Jesus lidou com a pergunta “quando” dos discípulos sobre a vinda
do reino (At 1.6-8). Não pode haver nenhuma dúvida de que só o
Espírito de Deus pode superar qualquer supressão intencional da
verdade e proporcionar fé. Portanto, não pode ser verdadeiro
afirmar que quando cri livremente, e porque cri, Deus me deu o dom
da regeneração. Contudo, ao preservar a soberania de Deus em
nossa salvação, não podemos cair na armadilha de acreditar que o
Espírito age separadamente da pregação do evangelho. Lembre-se
de que a regeneração em Cristo é a base da regeneração em nós.
Quando examinamos a variedade de passagens sobre a
regeneração no Novo Testamento, percebemos duas perspectivas
principais. Uma está interessada nos fatos históricos e objetivos de
Jesus, e a outra, no elemento subjetivo de nossa fé. Quando
Nicodemos perguntou duas vezes como seria possível alguém
nascer de novo (Jo 3.4,9), a primeira resposta de Jesus indicou o
movimento soberano do Espírito, e a segunda, a resposta de fé aos
acontecimentos do evangelho (3.5-8,10-15). Pedro diz que
nascemos de novo pela ressurreição de Jesus e depois diz que
nascemos novamente por meio do evangelho que nos é pregado
(1Pe 1.3,23). A necessidade do evangelho para o novo nascimento
também é explicitada por Paulo (Gl 3.2) e Tiago (Tg 1.18).
A célebre declaração de Paulo em 2Coríntios 5.17 talvez seja
deliberadamente ambígua: “Portanto, se alguém está em Cristo, é
nova criação; as coisas velhas já passaram, e surgiram coisas
novas”. Observe que Paulo não diz “se Jesus está em alguém”,
como tantas vezes é interpretado. A ênfase está na nova criação
que está em Cristo. Porém, Paulo não deixa o objetivo “em Cristo”
sem a aplicação subjetiva. O motivo para apontar que o crente está
ligado à nova criação em Cristo é que tenhamos consciência do que
está sendo formado em nós agora. Os efeitos da regeneração se
traduzem em vidas transformadas (Tt 3.1-7).
Uma vez que essa regeneração subjetiva, nascer de novo, é o
fruto do evangelho, proclamar a necessidade do novo nascimento
não é em si a proclamação do evangelho. O evangelho não é “Você
precisa nascer de novo!”. A importância da doutrina da regeneração
pessoal no Novo Testamento não é o principal impulso da
mensagem evangelística aos não crentes. Essa doutrina se destina
em primeiro lugar aos crentes, a fim de que entendam o quanto a fé
em Jesus é mesmo radical e transformadora.
A regeneração
começa em Cristo, que é a personificação da nova era. Quando
as pessoas são unidas com Cristo, a regeneração começa a
operar nelas.
A REGENERAÇÃO PROGRIDE NO POVO DE DEUS
RESUMO
O que os crentes têm pela fé, a regeneração em
Cristo, vem a ser o que começa a operar neles. A
regeneração individual do crente é o fruto da
regeneração em Cristo. As duas estão
relacionadas à regeneração final de todas as
coisas, que acontecerá quando Cristo voltar.
TEMAS PRINCIPAIS
Regeneração do crente e a sua relação com o
evangelho
Luta por causa da justaposição das duas eras
ALGUMAS PALAVRAS- Justificação, santificação, glorificação
CHAVE
Consumação
O CAMINHO ADIANTE
A nova era foi formada em Cristo — A nova era
está sendo formada no povo de Deus — A
nova era será formada em toda a criação
GUIA DE ESTUDO
1. Leia Efésios 1.1-14 e observe o uso da expressão “em
Cristo”, ou “nele”. Quais declarações se referem à obra
histórica de Deus por nós em Cristo e quais se referem à
obra contínua de Deus em nós pelo Espírito?
2. Com o auxílio de uma concordância bíblica e de um
dicionário bíblico, elabore uma afirmação sobre o significado
dos termos justificação, santificação e glorificação. Como
você explica a relação entre eles?
3. Leia Efésios 6.10-18. Como o evangelho figura na guerra
cristã? Verifique as ideias emprestadas e mesmo citadas do
conceito veterotestamentário de Deus como o guerreiro que
luta pelo seu povo.
4. Os termos regeneração, novo nascimento e nova criação
são intercambiáveis? Por que é insuficiente tratar de fé e
regeneração da perspectiva de qual delas ocorre primeiro?
LEITURA COMPLEMENTAR
BUCHANAN, James. The doctrine of justification (Edinburgh: Banner of
Truth, 1961).
HORN, Robert. Go free (London: InterVarsity, 1976).
IBD. Verbetes “justification” e “sanctification”.
LADD, G. E. The pattern of New Testament truth (Grand Rapids:
Eerdmans, 1968).
RIDDERBOS, Herman. Paul: an outline of his theology (Grand Rapids:
Eerdmans, 1975).
______. A teologia do apóstolo Paulo: a obra definitiva sobre o
pensamento do apóstolo aos gentios. Tradução de Susana
Klassen (São Paulo: Cultura Cristã, 2004). Tradução de: Paul: an
outline of his theology.
A nova criação consumada
E ouvi uma forte voz, que vinha do trono e dizia: O tabernáculo de Deus
está entre os homens, pois habitará com eles. Eles serão o seu povo, e
Deus mesmo estará com eles. Ele lhes enxugará dos olhos toda lágrima; e
não haverá mais morte, nem pranto, nem lamento, nem dor, porque as
primeiras coisas já passaram. O que estava assentado sobre o trono disse:
Eu faço novas todas as coisas!… (Ap 21.3-5).
ESBOÇO DA HISTÓRIA BÍBLICA NO NOVO
TESTAMENTO
Deus é Senhor sobre a história e por isso, quando assim deseja, pode
fazer que sejam registrados os acontecimentos do futuro. Todas as seções
do Novo Testamento contêm referências a fatos que ainda não se
concretizaram. Os mais importantes entre eles são a volta de Cristo e a
consumação do reino de Deus. Não há nenhum indício quanto à real
cronologia, mas é certo que Cristo voltará para julgar os vivos e os mortos.
A velha criação será destruída e a nova criação a substituirá.
REGENERAÇÃO UNIVERSAL
Muitos cristãos consideram o novo nascimento ou a regeneração
quase exclusivamente o momento em que a vida espiritual começa
no indivíduo que passa a crer em Cristo. Sem dúvida, trata-se de um
conceito bíblico, e a imagem do nascimento reforça a ideia de início
de nova vida. Tentei mostrar que esse início ou novo nascimento
pelo Espírito de Deus faz parte de um renascimento mais amplo
que, em última análise, inclui toda a criação.1 A doutrina
neotestamentária da regeneração se apoia firmemente no
fundamento do conceito veterotestamentário de criação e nova
criação. No Antigo Testamento, a regeneração passou a ser
percebida principalmente em relação ao representante capacitado
pelo Espírito, como o juiz, o profeta, o rei-messias ou o Servo do
Senhor (por exemplo, Isaías 42.1; 61.1-4; observe a relação entre o
Messias cheio do Espírito em Isaías 11.1-5 e a regeneração da
natureza nos versículos 6-9). Entretanto, também há uma
expectativa de que o povo de Deus como um todo será renovado
pelo Espírito na nova era (Ez 36.25-28, associado à regeneração da
natureza nos versículos 33-35; veja também Ez 37.1-14). Depois,
por fim, há a renovação de toda a ordem criada (Is 32.15-20; 35.110; 65.17-25).
Já vimos que o Novo Testamento mostra o cumprimento dessas
expectativas; primeiramente, como todas elas ocorrem em Cristo.
Em seguida, o que ocorre em Cristo, que é o representante da nova
criação, tem sua realização em nós e, por fim, em toda a criação.
Desse modo, podemos falar da regeneração em três formas: uma
regeneração objetiva em Cristo, uma regeneração subjetiva em nós
e uma regeneração abrangente em todo o universo. As três são
indissociavelmente ligadas, e a preocupação com uma em
detrimento das outras pode causar distorções da verdade bíblica.
Quando consideramos a consumação (que traz a perfeição final,
ou completude), observamos que o Novo Testamento não apenas
lhe atribui a ideia de regeneração, mas também a própria palavra
regeneração é aplicada a ela. A palavra que é traduzida por
regeneração (grego: palingenesia) é usada somente duas vezes: em
Tito 3.5 e em Mateus 19.28. Nesta última passagem, Jesus se refere
à nova era como a regeneração. Entre os termos empregados para
designar a entrada na nova vida estão novo nascimento e
nascimento do alto.
A regeneração tem três aspectos:
regeneração objetiva em Cristo; regeneração subjetiva em nós;
regeneração abrangente no universo.
A VOLTA DE CRISTO
O Antigo Testamento retratava o dia do Senhor, ou o dia da
salvação, como um acontecimento único, ainda que potencialmente
longo. Não temos nenhuma evidência real nas promessas proféticas
de mais de uma vinda do Senhor. Já tratei de como o Novo
Testamento reestrutura as promessas do Antigo Testamento de
modo que a era do Espírito e da missão cristã aparece como parte
dos eventos do dia do Senhor. O próprio Jesus se referiu a um
aspecto disso em seus diálogos com os discípulos em João 14—16
e Lucas 24—Atos 1. Ele tinha de sofrer, partir e vir de novo. É como
se as promessas proféticas se somassem a uma visão panorâmica
básica dos acontecimentos, tendo em vista sobretudo os resultados
dos atos salvadores de Deus, mas não os detalhes.
Presenciando os acontecimentos quando efetivamente
ocorreram, os discípulos descobriram algumas surpresas, algumas
das quais deviam ter previsto, e outras resultantes de revelação
posterior. Assim (e isso é importante), o fim da antiga era ocorre
quando Jesus vem pela primeira vez, porque ele é a personificação
da nova era. Contudo, a antiga era continua existindo juntamente
com a nova era, de modo que as duas se justapõem. A ideia de que
o fim chegou e que o fim ainda não veio corresponde ao cristão ser
salvo e ainda aguardar para ser salvo. Jesus entra em conflito com
a antiga era porque ele a invade para destruí-la. Nesse conflito, ele
é rejeitado, sofre e morre. O ministério sofredor de Cristo como o
servo está no âmago do evangelho. O Cristo sofredor, que invadiu a
antiga era quando esteve aqui em carne, continua invadindo a
antiga era com a mensagem do seu papel de servo proclamada no
evangelho. A igreja como o corpo de Cristo sofre porque ela é o
instrumento da invasão de Cristo.
Os efeitos da ressurreição de Cristo estão em grande parte
ocultos. Seu ressurgimento dos mortos não transmite por si mesmo
todo o significado desse acontecimento. Era necessário proclamar
que esse fato realizou determinadas coisas que por enquanto são
invisíveis. A pergunta dos discípulos em Atos 1.6 indica que eles
esperavam que o reino fosse uma consequência visível da
ressurreição. Em vez disso, o evangelho chama as pessoas para a
fé no Salvador ressurreto e agora invisível. Na ressurreição, Jesus é
proclamado o verdadeiro Filho de Deus, que, por causa da aliança
inquebrantável de Deus, não pode permanecer separado dele pela
morte (Rm 1.4). A ressurreição cumpre o compromisso da aliança
de Deus com o seu povo em geral e com Davi em particular (Hb
13.20; At 2.29-35; 13.32-35). Assim, a ressurreição significa que
Jesus é Senhor e Cristo (At 2.36). Contudo, todas essas questões
devem ser aceitas pela fé.
O fato de a era do evangelho ser um tempo em que o reino de
Deus não é visível indica a necessidade da volta de Cristo. Mesmo
para a primeira geração de cristãos, a demora da volta gloriosa de
Cristo se tornou um problema (2Pe 3.3-13). Apesar de percebermos
o tempo diferentemente de Deus, a justaposição das duas eras não
pode continuar para sempre. A guerra, que foi vencida
decisivamente na morte e ressurreição de Jesus, deve terminar. Por
isso, os autores do Novo Testamento falam constantemente do dia
em que Cristo aparecerá em glória, pois sem isso toda a revelação
da redenção não teria sentido.
A volta de Cristo
encerra a justaposição das duas eras e torna a realidade do
reino evidente universalmente.
A NOVA CRIAÇÃO
A ressurreição física de Jesus domina o entendimento
neotestamentário do evangelho. Essa ênfase não desvaloriza de
modo nenhum a morte de Jesus como a oferta perfeita, que cobre
os nossos pecados. A ressurreição é central porque pressupõe a
morte do Senhor e porque sobressai como o novo começo da raça
humana. Talvez seja por isso que o nascimento de Jesus como nova
criação não é um tema desenvolvido no Novo Testamento. A nova
humanidade surge na ressurreição de Jesus; e, em nossa própria
ressurreição física, a nossa participação no reino deixará de ser
vivida somente pela fé e será um fato que experimentaremos por
completo. Portanto, somos nascidos de novo pela ressurreição de
Cristo (1Pe 1.3). Mediante a ressurreição dele, passamos a andar
em novidade de vida (Rm 6.4-11).
A consumação é percebida como o fato que ocorrerá quando
Cristo se revelar em glória. A vida no Espírito, que é a vida da fé,
continua durante um período. É uma vida de sofrimento (Rm 8.18).
Ao mesmo tempo, a criação inteira, que foi sujeita à inutilidade,
aguarda ansiosamente a redenção final de nosso corpo (Rm
8.11,19-23). A ressurreição dos filhos de Deus será o sinal da
redenção final e da renovação de toda a criação. Essa associação
do corpo físico com a criação física na regeneração é um motivo por
que não se pode considerar que a regeneração seja tão somente
Deus dando vida nova ao nosso espírito. O Novo Testamento
constantemente repudia as ideias gnósticas2 gregas de salvação
somente da alma imortal. Os textos que tratam da alma entre a
morte e a ressurreição são muito raros. Mas os textos que tratam da
ressurreição da pessoa inteira são abundantes em todo o Novo
Testamento.
A esta altura, deve ser óbvio que as referências
veterotestamentárias de que o reino é na terra e é povoado por
pessoas com corpo não podem ser explicadas simplesmente pelo
aspecto espiritual. Uma vez que reconhecemos que Jesus
ressuscitou fisicamente, ainda que o seu corpo ressurreto não seja
exatamente como era antes, o componente físico do reino é claro.
Os textos que defendem a ideia de que as almas vão para o céu (p.
ex., 2Co 5.1-10) entendem esse fato como uma situação apenas
temporária. A descrição de Pedro do novo céu e da nova terra é
extraída diretamente de Isaías 65.17 (2Pe 3.13), que se baseia em
Gênesis 1.1. Do mesmo modo, a magnífica descrição do reino em
Apocalipse 21 e 22 se baseia em diversas passagens do Antigo
Testamento. Contudo, não há nenhuma indicação de que se trate de
mero simbolismo que deva ser interpretado de modo
espiritualizado.3
Para João, a consumação é o cumprimento patente da
esperança do Antigo Testamento. Há um novo céu e uma nova
terra, e uma nova Jerusalém que desce do céu (Ap 21.1,2). Alguns
talvez imaginem a Jerusalém celestial como um lugar nos céus.
Contudo, João a descreve vindo do céu e descendo à terra. O que o
tabernáculo e o templo indicavam, a habitação de Deus com o seu
povo, torna-se realidade (21.3). A regeneração agora está completa
(21.5) e não há mais necessidade alguma de “postos avançados ou
agências do governo”, como o templo, que é o símbolo da presença
de Deus, pois ele está de fato presente e também é a fonte de toda
a luz (Ap 21.22,23). As antigas imagens do Éden se unem com as
da cidade e do trono santos (Ap 22.1,2; cf. Ez 47.1-12).
Sem dúvida, salta na mente todo tipo de pergunta a respeito de
como será a nova terra. A maioria dessas perguntas deve ficar sem
resposta nesta vida, uma vez que as Escrituras nos dão pouca
informação. Uma coisa é certa: a concepção bíblica da regeneração
total de todas as coisas supera a visão pagã popular de uma
eternidade em que se viverá como almas desencarnadas com
apenas umas nuvenzinhas de apoio!
A ressurreição física
de Jesus aponta para a nossa própria ressurreição física e para
a restauração de toda a criação física.
NESSE ÍNTERIM, A VIDA CONTINUA
As últimas palavras do livro de Apocalipse nos trazem de volta à
nossa presente existência e nos lembram da luta contínua enquanto
aguardamos a vinda de Jesus. De diversos modos, o Novo
Testamento fala das coisas que estruturam a vida cristã neste
mundo. A primeira, claro, é o evento do evangelho. A segunda,
resultante do evento do evangelho, é a consumação. Uma
passagem importante que resume a relação de nosso presente com
esses eventos passados e os futuros é Colossenses 3.1-5. Uma
análise dessa passagem mostra que tanto os fatos passados do
evangelho quanto a sua consumação futura dão forma às ordens
que são dadas sobre a conduta cristã no presente. Observe que
palavras e termos tantas vezes ignorados, como portanto, já que e
pois, na verdade apontam para essas relações.
O EVENTO DO
EVANGELHO
VIDA CRISTÃ
Colossenses 3.1-5
Já que fostes
ressuscitados com Cristo,
buscai as coisas de
cima, onde Cristo está
assentado à direita de
Deus. Pensai nas
coisas de cima e não
nas que são da terra;
pois morrestes, e a vossa
vida está escondida com
CONSUMAÇÃO
Cristo em Deus.
Quando Cristo, que é a
vossa vida, se manifestar,
também vos manifestareis
com ele em glória.
Portanto,
eliminai
vossas
inclinações
carnais…
Mais dois comentários são adequados aqui. Em primeiro lugar, a
consumação só pode ocorrer por causa do evangelho. É a
oportunidade para uma visão universal das consequências e do
significado do evangelho de um modo que obriga o reconhecimento.
Depois será muito tarde para receber a oferta da salvação, visto que
dessa vez Cristo virá para julgar. Contudo, para o cristão, a
motivação para a conduta santa gerada pela esperança da segunda
vinda de Cristo não é o medo do juízo, mas o desejo de ser como o
Mestre. Em segundo lugar, a volta de Cristo também nos motiva, do
mesmo modo que o evangelho, por causa de sua relação com o
evento do evangelho e de sua dependência dele. O que já somos
em Cristo, seremos em nós mesmos, e, neste meio-tempo,
avançamos para o alvo pelo Espírito Santo, que atua em nós.
Dada a íntima relação entre o evento do evangelho do passado e
a nossa luta contínua no presente, é muito perigoso separar as duas
coisas. O Novo Testamento tem muitas passagens de mandamento
e exortação a vivermos uma vida santa. Se as removermos do
contexto maior da condição já perfeita diante de Deus que temos
pela fé em Cristo, reduziremos a vida cristã a uma forma de
legalismo bastante estranha ao Novo Testamento. A correção para
isso é termos em mente o firme fundamento de que a totalidade da
existência cristã é a aplicação do evangelho a todas as partes de
nossa vida. Começamos com Cristo, como a nova criação para nós,
e avançamos para o alvo, que é sermos feitos à semelhança dele na
nova criação universal. Assim como na teologia bíblica, na conduta
cristã Cristo é o Alfa e o Ômega, o primeiro e o último, o início e o
fim.
A existência cristã
é moldada e motivada pelo evangelho e pela consumação do
evangelho.
A PERFEIÇÃO FINAL DA NOVA CRIAÇÃO
RESUMO
O que os crentes têm pela fé, a nossa
regeneração em Cristo, vem a ser o que começa a
formar-se em nós. Na volta de Cristo, a
regeneração dos crentes é concluída, e toda a
criação é renovada. O reino de Deus, revelado
primeiramente no Éden, é consumado pela
eternidade.
TEMAS PRINCIPAIS
Regeneração de toda a criação e a sua relação
com o evangelho
Segunda vinda de Cristo e a consumação do reino
GUIA DE ESTUDO
1. Entre os cristãos há opiniões bastante diferentes sobre se a
formação do estado de Israel em 1948 é um cumprimento de
profecias referentes à volta dos judeus para a terra deles. À
luz de nosso estudo, reflita sobre a sua posição a respeito
desse assunto.
2. Leia 1João 3.1-3 e analise a passagem levando em conta os
elementos passados, presentes e futuros da salvação.
Observe que o versículo 1 pode ser considerado tanto em
relação à base passada de nossa filiação quanto em relação
à atual experiência dela.
3. Com base no que a Bíblia ensina, faça uma lista dos fatos
que você acredita que vão ocorrer na volta de Cristo e
confira-os para ter certeza de que a Bíblia de fato os ensina.
Agora reflita se na segunda vinda de Cristo vai acontecer
algo de âmbito universal que já não tenha acontecido a ele
ou acontecido nele na primeira vinda.
4. Por que a ressurreição física de Jesus é tão essencial para o
evangelho?
LEITURA COMPLEMENTAR
GOLDSWORTHY, Graeme.
Paternoster, 1984).
The
gospel
in
Revelation
(Exeter:
______. “O evangelho no Apocalipse”. In: GOLDSWORTHY, Graeme.
Trilogia: o evangelho e o reino, o evangelho no Apocalipse, o
evangelho e a Sabedoria. Tradução de Vivian do Amaral Nunes
(São Paulo: Shedd, 2016). Tradução de: Gospel and Kingdom;
The gospel in Revelation; Gospel and Wisdom.
IBD. Verbete “Eschatology”.
MORRIS, Leon. Revelation. TNTC (London: Tyndale, 1969).
TRAVIS, Stephen. The Jesus hope (Leicester: InterVarsity, 1980).
1 A regeneração universal se refere à renovação de toda a criação. Isso
não implica a doutrina não bíblica conhecida como universalismo, segundo a
qual todo ser humano que já existiu acabará sendo redimido. Nessa doutrina
não há lugar para o juízo final ou para o inferno.
2 Gnosticismo é um termo bem amplo. Em essência, ele se refere à ideia
grega que considerava toda matéria inerentemente má, ao passo que o bem
estaria no espírito ou na alma do homem. Os gnósticos, portanto, ensinavam
que a salvação não abrangia o corpo físico. A maior aspiração deles era a
libertação do cativeiro do corpo a fim de que a alma pudesse ser livre. O
pensamento gnóstico influenciou alguns cristãos com a negação de que Jesus
viera na carne. É praticamente certo que 1João 4.1-3 é uma mensagem
contra os gnósticos.
3 A esta altura, deve estar evidente que “espiritual” no Novo Testamento
não se opõe a “físico” ou “corporal” (veja 1Co 15.42-44). Paulo opõe “espírito”
e “carne”, mas fica claro que ele não está negando a regeneração da criação
física, mas, sim, opondo a antiga era da carne à nova era do Espírito.
QUARTA PARTE
TEOLOGIA BÍBLICA — ONDE?
Por fim, e muito brevemente, perguntamos onde o conteúdo e o método da
teologia bíblica podem ser aplicados. Quando compreendemos um pouco
da visão abrangente da teologia bíblica, nosso entendimento da Bíblia em
geral mudará para sempre. Entretanto, também há questões específicas
que podem ser esclarecidas de um modo que nunca imaginamos que fosse
possível. A seguir, damos alguns exemplos.
Conhecendo a vontade de Deus
UMA TEOLOGIA BÍBLICA DA ORIENTAÇÃO DIVINA EM
FORMA DE ESBOÇO
O problema
Obter orientação divina, ou conhecer a vontade de Deus para a
nossa vida, é um interesse de todo cristão. A Bíblia fala muito sobre
a vontade de Deus e sobre o seu governo em nossa vida. Que tipo
de orientação podemos esperar e como podemos adquiri-la?
Sabemos que algumas questões de conduta nos põem diante da
escolha entre fazer o bem e fazer o mal. Entretanto, nem todas as
escolhas são assim tão claramente morais. Deus nos orienta em
ações como o que jantaremos hoje, onde passaremos as férias ou
que caminho tomaremos ao levar o cachorro para passear? Ou será
que ele nos guia somente em grandes questões como, por exemplo,
que profissão escolher, se devemos nos casar e com quem?
Algumas armadilhas
É surpreendente como é fácil os cristãos criarem uma ideia ou terem
uma postura em relação a algum aspecto da vida cristã sem mesmo
verificá-lo nas Escrituras. As tradições podem surgir e se consolidar
e, apesar disso, não terem absolutamente nenhuma base na Bíblia.
Quando essas tradições são envoltas em linguagem piedosa ou
“espiritual”, é ainda mais difícil confrontá-las. É isso que acontece
com o tema da orientação divina. Algumas tradições evangélicas
relativas à orientação de Deus são aceitas por muitos cristãos sem
questionamento. Outra armadilha é o uso de textos-prova para
defender a base bíblica de uma ideia. Esses textos muitas vezes
são passagens tiradas de seu contexto bíblico-teológico e aplicadas
de um modo não fiel às Escrituras.
Sugestão de abordagem
Esse tema não tem relação com nenhuma palavra específica das
Escrituras. Consultar orientação em uma concordância bíblica não
será muito útil. É preciso uma dose de criatividade para identificar
com precisão palavras relevantes, que em seguida podem ser
consultadas em uma concordância. Todavia, precisamos ser mais
abrangentes do que isso e ficar atentos em relação às ideias das
Escrituras referentes ao tema da orientação divina. A seguir, são
apresentados alguns passos que o método da teologia bíblica
sugere.
1. Faça um contato geral com o tema no âmbito do evangelho.
Que tipo de orientação Jesus buscou em sua vida e obra? Que
orientação ele prometeu a seus discípulos?
2. Escolha palavras e temas fundamentais para investigar nos
vários níveis da revelação da redenção.
Por exemplo: guiar, conduzir, caminho, chamado, mostrar o
caminho, vontade de Deus, propósito de Deus e objetivo (ou
alvo) supremo. Isso requer bastante trabalho árduo de
verificação de textos em seus contextos. Temos de tomar o
a. cuidado de perguntar: O que o texto de fato diz?
b. Qual é o seu significado no seu contexto teológico e histórico?
3. Agora investigue cada uma das camadas da teologia bíblica
para essas coisas.
Como Deus conduz seu povo em cada estágio da revelação da
redenção segundo o objetivo supremo que tem para ele? Entre
a. os resultados da nossa consulta podemos ter: Adão e Eva (Gn
2.16,17): eles podem comer qualquer coisa, exceto um único
fruto proibido.
b. Os patriarcas (Gn 12.1; 24.27-38; 45.5-7): a orientação está
relacionada à aliança e sua operação para a salvação do
povo escolhido de Deus.
c. O Êxodo (Êx 13.17,21;15.13; Dt 1.33; 8.2,15; 29.5; 32.12; Ne
9.12,19; Sl 77.20; 78.53; 106.9; Is 43.21; 63.12,13): a
orientação corresponde ao caminho da salvação. A Lei
contém aspectos específicos da vontade de Deus.
d. Canaã-monarquia: a orientação é dada relativamente à
entrada na Terra Prometida, sua posse e ocupação. A
orientação também se refere a questões de liderança do povo
de Deus. Isso faz parte da revelação do reino de Deus. Não
há nenhuma evidência de Deus guiando pessoas comuns nas
decisões específicas da vida privada delas.
e. Profecia: a orientação está na Lei, a ser observada por todos.
A orientação futura significará Deus conduzindo o seu povo
finalmente ao seu reino (salvação) (p. ex., Is 42.16; 48.17;
49.10; 58.11).
f. Piedade individual: nos Salmos, conhecer a vontade de Deus
é uma questão da Lei e do caminho da salvação. Na literatura
de Sabedoria, é o temor do Senhor (confiança nas promessas
da aliança e nos atos salvadores de Deus). Além disso, temos
de aprender a agir com responsabilidade, tomando decisões
compatíveis com o temor do Senhor. Deus nos dá as
diretrizes necessárias, mas ele não toma as decisões por nós.
g. Os Evangelhos: o objetivo do Antigo Testamento está em
Jesus Cristo como o homem perfeitamente orientado para
nós. Não obstante, ele jamais é uma marionete do Espírito
Santo. O evangelho é o objetivo da orientação; portanto,
quando chegamos a Cristo, chegamos ao objetivo de Deus
para nós.
h. Atos: é preciso tomar cuidado aqui para não fazer dos
acontecimentos necessários para essa época de transição
uma norma para nós hoje. O evangelho é a orientação
essencial para os apóstolos.
i. Epístolas: aqui há uma série de aspectos:
i. Providência divina em retrospecto; olhamos para nossas
decisões passadas e vemos como Deus nos guiou (p. ex.,
Fp 2.12,13).
ii. Cristo realizou a perfeita vontade de Deus para nós.
iii. A vontade de Deus para nós é a nossa santificação, isto é,
viver em conformidade com o evangelho (p. ex., 1Ts 4.3).
Conclusões
Esse esboço de investigação sugere uma série de conclusões que
devem ser verificadas com muita atenção:
1. O objetivo de Deus para nós é fazer-nos semelhantes a Cristo e
restaurar-nos à sua presença em glória.
2. Cristo já alcançou esse objetivo para nós e, pela fé, somos
unidos a ele, e nele alcançamos o objetivo.
3. Entre a conversão (justificação) e a glorificação a nossa vida tem
de ser governada pelo evangelho (santificação).
4. Quando nos vemos diante de decisões, a escolha entre
alternativas perversas, ou ímpias, é excluída pelo evangelho.
5. Quando há várias alternativas boas possíveis, é necessário
tomar uma decisão responsável. Uma vez que determinadas
decisões vão afetar a vida da congregação, é necessário levar
em consideração como outros cristãos devem participar do
processo de tomada de decisão.
6. Não há nenhuma base real para a ideia de que existe somente
uma escolha possível entre as muitas alternativas pelas quais
podemos fazer a vontade de Deus.
7. Não há nenhuma base para a ideia de que o Espírito Santo
assume a nossa responsabilidade por tomar decisões sábias e
piedosas, nem de que um tipo de paz interior é o critério para
saber se a decisão correta nos foi revelada.
Perguntas para reflexão
1. Muitas ideias sobre ser chamado por Deus para um ministério
específico ou para ser um missionário em determinado lugar têm
pouca base bíblica. Reflita sobre uma teologia bíblica do
“chamado”. Preste atenção especial aos tipos de ministério para
os quais as pessoas da Bíblia eram chamadas. O que o Novo
Testamento diz sobre como as pessoas são designadas para os
vários ministérios na igreja?
2. Analise a seguinte avaliação das evidências: a Bíblia não dá
nenhuma base para a crença de que Deus nos guia nas
decisões cotidianas, a não ser revelando o evangelho, o seu
fruto em nossa vida e o seu objetivo final.
Vida após a morte
UMA TEOLOGIA BÍBLICA DA RESSURREIÇÃO EM
FORMA DE ESBOÇO
O problema
Ao que parece, o medo universal da morte gera fascinação por esse
tema. Sendo esse o caso, muitas vezes é motivo de decepção,
sobretudo entre os envolvidos no ministério cristão, descobrir que
tantos crentes estão confusos acerca de como o evangelho trata do
problema da morte e do que vem depois dela. Muitos estudantes da
Bíblia também acham a teologia da vida após a morte vaga e
desconcertante, uma vez que o Antigo Testamento parece dizer
pouco a respeito desse tema. Por que o Novo Testamento dá tanta
ênfase a uma doutrina única da ressurreição do corpo em oposição
à ideia popular da imortalidade da alma?
Alguns interesses práticos
Entender a morte, bem como a vida futura, é importante por uma
série de razões. Por exemplo, poderíamos sugerir as seguintes
questões:
1. Podemos ter certeza da vida eterna?
2. O que acontece quando morremos?
3. O que devemos dizer sobre o espiritismo, que alega entrar
em contato com os mortos?
4. O cristão pode optar por cremar seu corpo após sua morte?
5. Como ministrar aos parentes de um falecido não crente?
6. Por que o Antigo Testamento é tão vago acerca da vida após
a morte?
7. Qual é o papel do luto para cristãos que perderam alguém
querido?
8. Há espaço para a doutrina da reencarnação?
Sugestão de abordagem
Mais uma vez é preciso um pouco de imaginação para decidir onde
procurar as informações bíblicas relevantes. Estudos de palavras e
investigação de certas ideias fazem parte do processo requerido
pela teologia bíblica. Nessa sugestão de abordagem, vamos nos
concentrar na ideia de vida após a morte, embora não possamos
evitar alguma análise do tema da própria morte.
1. Nosso ponto de partida é o próprio centro do evangelho: a
ressurreição de Jesus.
A ressurreição física indica que a humanidade de Jesus é
resgatada da morte e que esse fato não é consequência tão
somente de Jesus ser Deus. Embora os Evangelhos digam
pouco sobre a ressurreição geral dos crentes, ela era uma
doutrina claramente conhecida naquela época e considerada
coerente com o Antigo Testamento (p.ex., Jo 11.23,24).
2. Algumas palavras a ser investigadas são relativamente
óbvias.
Por exemplo: morrer, dormir, morte, sepultura, sheol, no Antigo
Testamento; e ressurreição, vida eterna, céu, inferno, no Novo
Testamento. Contudo, também há alguns temas com base mais
ampla ligados à ressurreição no Novo Testamento, os quais
podem nos dar algumas pistas importantes. Por exemplo, a
ressurreição de Jesus cumpre as promessas do Antigo
Testamento a Israel (At 13.32,33) e, portanto, é um tema da
aliança (At 2.30,31; Hb 13.20).
3. Agora investigue as várias camadas da teologia bíblica.
Examine-as uma por vez em relação a como a vida ocorre após
a morte e, no Antigo Testamento, preste atenção no que talvez
preencha a lacuna quando dificilmente a vida após a morte está
em evidência.
a. Adão e Eva: a morte se deve ao pecado; assim, parece que a
vida eterna era a intenção original.
b. Os patriarcas: as bênçãos de Deus são prometidas em
relação a esta vida. A morte é tratada com muita neutralidade,
sobretudo quando alguém morre em idade avançada. O sheol
é o lugar dos que morreram, mas não a bem-aventurança
final.
c. O Êxodo: as promessas dizem respeito a uma vida longa na
terra dada por Deus. Não há promessa de vida após a morte.
d. Canaã-monarquia: o mesmo que no item c.
e. Profecia: as bênçãos de Deus são vistas em alguma época
futura. A nação será restaurada (Ez 37) a uma terra
restaurada. Entretanto, uma vez que o reino de Deus é
retratado como uma era não em completa contiguidade com o
presente, surge a pergunta de como as gerações passadas
podem participar dele. As primeiras indicações da
ressurreição ocorrem em relação à aliança (Is 26.19; 52.13;
Dn 12.2; e possivelmente Jó 19.26). Nem toda profecia tem
essa perspectiva da ressurreição para a vida eterna (Is
65.20).
f. Os Evangelhos: o ministério de cura e de ressurreição dos
mortos de Jesus não indica por si mesmo a ressurreição
geral. Contudo, quando associado com o ensino dele sobre o
reino e a sua própria ressurreição, é difícil evitar essa
conclusão.
g. Atos: a pregação apostólica se concentra na ressurreição de
Jesus como o cumprimento da aliança e das promessas do
reino.
h.
Epístolas: a ressurreição de Jesus também é central nas
Epístolas. A interpretação teológica desse fato, especialmente
por Paulo, mostra a ligação indissociável entre a ressurreição
de Jesus e a do crente, que está em Cristo. Por causa de sua
ressurreição, Jesus é apresentado como o cabeça de uma
nova raça do povo de Deus. Não há espaço nenhum para a
ideia de reencarnação.
Conclusões
As conclusões de nosso estudo sugeridas a seguir devem ser
verificadas:
1. O relato da Criação mostra o compromisso original e permanente
de Deus com toda a criação, que inclui o universo físico.
2. A morte entra por causa do pecado, mas Deus não abandonará
o seu compromisso original.
3. Esse compromisso é expresso na aliança da redenção.
4. Enquanto as promessas da aliança são feitas em relação à
presente era, não há nenhuma indicação de vida além dela.
Contudo, o sheol mostra que a morte não nos aniquila.
5. Assim que as promessas da aliança são estruturadas em relação
a uma era futura, a vida após a morte passa a ser uma questão
importante. Contudo, a era futura jamais é mencionada de outro
modo que não seja a existência em carne e osso no mundo
físico. A ressurreição é o único meio possível para as pessoas
que morrem nesta era participarem da era futura.
6. A ressurreição de Jesus é exigida pela fidelidade de Deus às
suas promessas da aliança. O Novo Testamento mantém a visão
veterotestamentária da nova terra.
7. Os cristãos que morrem nesta era estão com o Senhor, mas a
ênfase do Novo Testamento está na ressurreição para a vida.
Isso ocorrerá na segunda vinda de Cristo juntamente com a
renovação do universo físico.
Perguntas para reflexão
1. Há muita mitologia sobre a alma humana. Parte do problema é
que a palavra alma é usada com diversos significados tanto no
Antigo como no Novo Testamentos. Com o auxílio de uma
concordância bíblica, investigue o uso da palavra na Bíblia. Que
dados bíblicos você pode trazer para a pergunta sobre os mortos
desfrutarem conscientemente ou não da presença de Cristo
enquanto aguardam a ressurreição?
2. Como você pode ministrar biblicamente para uma criança que
perdeu o animalzinho de estimação e pergunta: “Meu cachorro
foi para o céu?”.
3. Existe alguma base bíblica que explique por que o cristão deve
preferir o enterro à cremação?
Índice de passagens bíblicas
Gênesis
1 58, 95, 96, 97
1 e 2 93, 94, 96, 99, 104
1—11 123
1.1 98, 245
1.10 96
1.11-13 97
1.12 96
1.14-19 97
1.18 96
1.21 96
1.24,25 97
1.25 96
1.26 98, 99
1.26-28 100, 218
1.26-30 97
1.27 98, 99
1.28 101
1.28-30 43
1.31 96, 115, 183
2 96
2.15-17 97
2.16 101
2.16,17 254
2.17 44, 101, 107, 184
3 88, 105, 106, 114, 195
3.4 107
3.5 107
3.7 108
3.10 108
3.12,13 108
3.14-24 109
3.15 109
3.15-24 44
3.16 109
3.17-19 184
3.17-24 109
3.22 107
4 116
4—11 115, 120, 122
4.1 110
4.11,12 111
4.15 111
4.17-24 111
4.25 110, 116
4.26 116
5 116
6 111
6—9 117
6.1-4 112
6.5-7 112
6.8 117
6.18 117
8.21 118
9.1-3 118
9.6 98
9.8-17 118
9.18-28 119
9.19 118
9.20-27 118
10 119
11.1-9 119
11.4 121
11.10-32 119
12—50 125
12.1 254
12.1-3 126, 134
12.2 126
12.3 146, 166
12.7 129
12.11-20 127
13.14-18 127
15.2,3 128
15.4-6 127
15.13-21 127
15.6 128
15.13-16 136
17 87
17.1-8 87
17.1-14 126
17.1-21 127
17.7,8 174
18.16-19 127
20.1-18 127
21.5 128
24.1-7 129
24.27-38 254
25.21 129
26.1-6 129
26.7-16 129
26.12 174
27 130
28.3 130
28.13-15 130
28.17 130
32.9-12 130
32.22-32 130
35.9-15 131
37—50 131
45.5-7 254
48.3-6 132
48.5 132
48.8-14 132
49.8-10 172
49.10 132
50.20 132
Êxodo
1 136
1—14 142
1—15 135, 144
2 27
2.21 166
2.23-25 137, 142
3.1—4.17 138
3.6 138
3.7-9 138
3.13 138
3.13-15 142
3.14 138
3.14-16 138
3.16,17 161
3.19,20 142
4.1 138
4.1-9 138
4.21 139
4.22 87
4.22,23 138, 140, 144
4.23 60, 217
4.27-31 138
5.21 138
6 138
6.1-6 142
6.1-8 138
6.2-5 142
6.6,7 139
6.6-8 142
7.3 139
7.3-5 142
7.5 139
8.15 139
9.12 139
9.34 139
9.34—10.1 139
10.1 139
10.1,2 142
10.20 22
11.4,5 140
12.1-13 140
12.14-20 140
13.17 254
13.17,18 141
13.21 254
14.1-4 141
14.4 141
14.8 141
14.13,14 141, 142
14.14 141
14.31 142
15.1-3 141
15.1-18 142
15.13 142, 254
15.17,18 161
16 145
16—40 145
17 145
19.4-6 146, 147, 154
19.8 146
20.2 147
20.8 21
23.19 22
25—30 149, 154
32 157
35—40 149
Levítico
1—6 150
11 151
11.44,45 151
16 150
17.10 191
19.2 151
19.18 148
19.34-36 151
19.34-37 151
20.1-6 191
22.31-33 151
23.43 151
24.13-17 191
25.38 151
25.42 151
25.55 151
26 151, 154
26.1-13 152
26.12 152
26.12,13 151
26.14-39 152
26.40-45 152
26.45 151
Números
6.24-26 156
6.27 156
10.35,36 156
12.1 166
12.1,2 157
12.3-15 157
13.30 157
14.6-9 157
14.11 157
14.13-20 157
14.21-35 157
20.10-13 168
21.4-9 158
Deuteronômio
1—3 158
1.33 254
2.4,5 131
2.9 131
2.19 131
4—26 159
4.10 183
4.20 159
4.34 139
4.37-40 159
5.15 159
6.2 183
6.4,5 159
6.5 148, 152
6.6-9 159
6.13 217
6.16 217
6.20-25 160, 165
7.6-11 159
7.7,8 199
8 88
8.1-20 191
8.2 254
8.3 100, 217
8.7-9 113
8.7-10 159, 161
8.11-20 190
8.15 254
9 168
9.1-24 159
10.12 183
10.12-16 159
10.20,21 183
10.20-22 159
11.26-28 218
17 173
17.14-20 164, 172
28 159
28.1-48 190
28.10 138
28.15-68 191
29.5 254
30.15-20 190
32.12 254
33 e 34 160
33.22 22
Josué
1.1-9 164
1.9 164
2.8-14 166
3.1-17 165
3.10 165
4.21-24 165
5.13—6.7 165
6 204
6.17 166
6.17-21 165
6.25 166
7.1-5 165
7.6-26 165
10.13 20
10.40 20
21.43-45 165
23.1-13 164
23.4,5 164
23.14 165
24.14 137
Juízes
1.27-36 167
2.2,3 167
2.11-13 167
2.11-23 167
2.14-23 167
3.10 167
4 204
6.34 167
6.36-40 168
8.22,23 172
9 172
11.29 167
13.25 167
14.19 167
15.14 167
15.19 167
21.25 172
Rute
4.1-11 142
1Samuel
8.4-8 172
8.10-18 172
11.12-15 173
12.14,15 173
13.8-14 173
13.14 173
15.1-23 173
16.13 173, 201
16.13,14 173
17 25, 173
17.45-47 173
24 205
24.1-7 174
26.6-12 174
31 174
2Samuel
5 174
6 174
7 87, 174
7.1-3 174
7.1-14 178
7.4-12 174
7.12-14 87, 178
7.14 174, 201
7.16 174
1Reis
1—10 171, 181
3—10 176
3.1,2 176
3.6-9 176
3.16-28 176
4.20-28 176
4.29-34 176
5—7 176
8 176, 188
8.6-10 177
8.15-53 177
8.38-43 183
8.41-43 177
10 205
11—22 189
12.25-33 192
14.21-24 192
16.29-34 192
16.29—17.6 192
18 191
18.1-40 192
2Reis
17 192
18—25 195
18.1-8 192
22.1-20 192
23.26,27 192
2Crônicas
1—9 171, 181
Esdras
2—5 208
Neemias
9.10 139
9.12 254
9.19 254
Jó
11.7 185
19.26 259
Salmos
1 188
2.6,7 217
8 100
8.5 99
22.1-18 188
77.20 254
78.53 254
89 174, 178
89.1,2 174
89.3,4 175
89.5-18 175
89.14 175
89.24 175
89.30 175
89.32-34 175
93 188
98.7-9 202
104.24-30 100
106.9 254
122 188
132 174, 178
136 142, 188
137 188
137.8,9 22
148.1-14 202
150 188
Provérbios
1.7 182, 183
9.10 183
10—29 188
26.4,5 188
30.15 20
Cântico dos Cânticos
7.4 22
Isaías
1.11-20 192
2 225
2.2-4 201, 202
9.2-7 199, 201
9.6 218
9.6-7 178
10.20-23 200
11 205
11.1-5 188, 199, 201, 242
11.2 218
11.6-9 202, 242
11.11,12 200
14.1-4 200
14.4 105
14.12-15 105
16.5 201
24.1-3 199
26.19 259
32.1-20 202
32.15-20 242
35 205
35.1-10 202, 242
40.1,2 200
40.1-5 201
40.12-26 199
42.1 217, 242
42.1-4 201
42.6 87, 199
42.9 199
42.16 255
43.1 199
43.1-7 201
43.7 138
43.15 199
43.15-21 201
43.18,19 199
43.21 254
44.21-24 199
44.23 202
45.7-13 199
45.13 199
45.18 199
46.3,4 200
48.6,7 199
48.13 199
48.17 255
48.20,21 201
49.1-6 201
49.3 201
49.5,6 201
49.10 255
49.13 202
49.24-26 201
50.4-9 201
51.3 202
51.5,6 199
51.6 202
51.9-11 201
51.11 200, 202
51.13-16 202
52.10 87
52.13 259
52.13—53.12 201
54.5 199
54.7-10 199
55.1-4 178
55.3-5 201
55.8,9 185
56.1 199
58.11 255
59.15-17 199
61 88, 205
61.1-4 242
61.4-7 200
63.1 199
63.9 199
63.12,13 254
65 205
65.1-12 195
65.17 14, 103, 202, 245
65.17-25 202, 242
65.20 259
66.22 202
Jeremias
4.23-28 199
7.1-7 192
7.23 174
9.24 199
11.4 174
23.1-6 201
23.1-8 200
23.5,6 178, 199
23.7,8 201
29.10-14 200
30.10,11 200
30.22 174
31.7-9 200
31.31-34 153, 203
32.20,21 139
33.14-26 199
33.23-26 178
Ezequiel
23 192
23.19-21 137
34 205
34.1-16 200
34.11-16 202
34.17-21 215
34.20-24 178, 201
34.20-31 178
34.25-31 202
36 205
36.8-12 170
36.22-24 200
36.25-28 242
36.28 203
36.33-35 242
36.35-38 202
37 205, 259
37.1-14 242
37.15-22 200
37.24-28 201
47.1-12 113, 202, 245
Daniel
7 218
7 e 8 209
12.2 259
Oseias
2.14-20 199
2.16-23 199
3.1 199
11.1 60, 144
11.1-9 199
11.8-11 199
14.4 199
Joel
2 205
2.28,29 228
2.32 116
Amós
7.4 199
9.11 201
Miqueias
2.12 200
4.1-4 201
Sofonias
1.2,3 199
3 205
3.9 201
Ageu
1 e 2 208
2.6-9 209
Zacarias
1—6 212
1.7—6.15 209
4.6,7 212
8 225
8.20-23 201, 209
14.1-21 209
Malaquias
4.1-6 209
4.5,6 87, 212
Mateus
1.1 86
1.13 208
1.17 60
1.17-20 218
1.20-23 218
2.14,15 135
3.17—4.4 60
4.1-11 54, 217
4.3,4 155
5.17 145, 153
7.12 233
7.15-23 113
7.24-28 188
7.24-29 218
11.12-14 212
16.15-17 66
19.4,5 56
19.28 242
20.29-31 218
21.9 216
22.34-40 148
24.37 115
26.63-68 215
28.17-20 226
Marcos
1.1,2 86
1.12,13 217
1.14 226
1.14,15 217
1.15 75
2.5-12 215
8.31-33 225
9.9-13 225
10.33-45 225
10.45 217
12.24 54
Lucas
1.17 87
1.27-32 87
1.30-33 218
1.31,32 171
1.32,33 59
1.46-55 60
1.54,55 87
1.70-75 87
2.29-32 87
2.46-52 218
3.16 227
3.18 226
3.22-28 87
3.22-38 144
3.23-38 217
3.27 208
4.1-12 88,113
4.1-13 56, 217
4.3 144
4.3,4 105
4.16-21 88, 217
4.16-24 216
9.30,31 207
11.31 218
21.27,28 218
22.19,20 217
23.43 163
24 225, 243
24.17-21 225
24.25,26 88
24.25-27 56, 215, 225
24.26 201
24.27 53, 88, 204
24.31-35 225
24.44 53, 181, 204
24.44,45 57, 88
24.45 53
João
1.1 63, 86
1.1-3 52, 62, 93, 94, 216, 217
1.1-18 215
1.3 86, 95
1.14 52, 63, 86, 219
1.14-18 217
1.18 52
2.13-22 219
2.19 171, 212, 213
3.4 236
3.5-8 237
3.9 236
3.10-15 237
3.14,15 60, 155, 158
3.16 85
4.22 132
5.39 53
5.39,40 57
7.39 227
8.48-59 215
8.56 67, 125
8.58 125
10.11 217
10.15 217
10.29-31 215
10.35 56
11.23,24 258
13.31-38 224
14—16 224, 243
14.1-3 224
14.6 52, 217
14.12 224
14.18-20 224
15.26,27 224
16.4-7 224
16.7 224
16.13 52
20.22 227
20.31 87, 233
Atos
1 243
1.6 225, 243
1.6-8 236
1.7 225
1.8 225
2 89, 227
2.14-39 89
2.14-40 230
2.16-39 60
2.21 223
2.29-33 178
2.29-35 243
2.30,31 53, 58, 258
2.30-32 218
2.36 218, 243
2.38 227
3.12-26 230
3.13-26 89, 90
4.8-12 230
4.10-12 89, 90
5.30-32 89, 90
7.2-53 230
7.2-56 60
10.34-43 230
10.36-43 89, 90
13.16-33 59
13.16-41 89, 230
13.16-43 60, 89
13.22,23 218
13.23 178
13.32,33 53, 204, 219, 258
13.32-34 178
13.32-35 243
13.32-37 218
16.31 223
17.22-31 89
Romanos
1.1-4 53, 83
1.3 53, 216, 218
1.4 218, 243
1.16 50, 74
1.18-23 184
1.18-25 45
1.18-32 48
3.21—4.25 233
4 134
5.12 106, 184
5.19 216
6.3-11 234
6.4,5 234
6.4-11 244
6.11 234
6.14 153, 236
6.23 44
8.1-25 234
8.11 244
8.17 74
8.18 244
8.19,20 184
8.19-23 99, 219, 244
8.20-22 44
9.6 131
9.14-18 140
9.19-24 127
12.2 50, 235
16.20 109
1Coríntios
1.18-25 184
1.20—2.16 218
1.24 181
1.30 181, 188
5.7 135, 144, 218
10.1-13 161
15.1-11 90
15.22 216, 234
15.42-44 245
15.45 14, 103, 216
2Coríntios
1.20 204, 219
5.1-10 245
5.7 234
5.17 14, 103, 146, 197, 221, 234, 237
5.21 189, 195, 218
Gálatas
2.19,20 234
3 134
3.2 237
3.10-14 218
3.14-29 233
3.15-29 59
3.16 216
3.21-25 236
3.23-25 149
3.24,25 145
3.29 125
4.4 109
5.17 235
Efésios
1.1-14 238
1.3-10 122
1.11 44
2.1-3 44
2.5 234
2.6 234
5.18-20 234
6.10-18 239
Filipenses
2.5-7 216
2.12-13 255
Colossenses
1.15 216
1.16 51, 62, 93, 94
1.16,17 216
1.17 100
2.9 216
2.12 234
2.17 71
2.20 234
3.1-4 231
3.1-5 246
3.3-5 236
3.16,17 234
1Tessalonicenses
4.3 255
1Timóteo
2.5 74
2Timóteo
2.8 90
3.15 53
Tito
2.13 216
3.1-7 237
3.5 242
Hebreus
1.1,2 53, 60, 58, 217
1.3 100
1.8 216
3.1 218
3.6 217
4.1-13 161, 170
4.9 163
4.14—5.10 218
4.15 105
7.24—10.25 218
10.1 71
11.3 94, 95
11.4 110
11.7 115
13.20 243, 258
Tiago
1.18 237
1.27 235
1Pedro
1.3 237, 244
1.10-12 53
1.23 237
2.4-10 233
2.24 218
3.20,21 122
5.8,9 235
2Pedro
3.3-13 243
3.5-7 94, 95
3.11-13 219
3.13 14, 103, 197, 245
1João
3.1-3 248
4.1-3 244
Apocalipse
1.8 89
1.17,18 83,89
2.5 189
2.7 116
7.9 120
12.9 105, 113
20.2 105
20.11-15 113
21 e 22 245
21.1 14, 103, 197
21.1,2 245
21.1-5 221
21.3 245
21.3-5 241
21.5 197, 245
21.22,23 245
22.1,2 245
22.1-6 113
22.13 89, 216
Índice remissivo
A
Abraão 38, 59, 66, 67, 68, 70, 71, 86, 87, 90, 119, 121, 122, 125, 126, 127,
128, 129, 130, 131, 133, 134, 136, 138, 142, 146, 151, 152, 166, 168, 174,
183, 191, 193, 194, 197, 198, 203, 205, 210, 216, 223, 228
aliança 38, 59, 75, 79, 87, 99, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 126, 127,
128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 136, 137, 138, 139, 141, 142, 143, 144,
145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 157, 158, 159, 160, 164, 165, 167,
168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 181, 183, 185, 186, 189,
190, 191, 192, 193, 194, 195, 197, 198, 199, 200, 202, 203, 205, 207, 208,
209, 212, 218, 221, 227, 228, 243, 254, 255, 258, 259, 260
Antigo Testamento 19, 23, 24, 25, 38, 49, 52, 53, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 65,
67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 78, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 94, 95,
98, 118, 121, 128, 136, 137, 146, 147, 164, 166, 169, 181, 184, 193, 202,
204, 209, 210, 211, 212, 214, 215, 216, 217, 219, 220, 221, 223, 224, 225,
226, 227, 230, 231, 232, 235, 242, 245, 255, 257, 258
B
bênção 116, 118, 119, 121, 126, 127, 130, 132, 133, 146, 151, 152, 156, 159,
160, 166, 168, 169, 190
C
cativeiro 135, 136, 138, 141, 142, 143, 144, 148, 168, 194, 197, 198, 199
conhecimento 20, 22, 29, 31, 33, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 57,
89, 101, 102, 116, 127, 149, 159, 182, 183, 184, 186, 187, 188
consumação 232, 241, 242, 244, 245, 246, 247, 248
criação 13, 14, 42, 43, 44, 51, 62, 73, 77, 78, 79, 87, 93, 94, 95, 96, 97, 98,
99, 100, 101, 102, 103, 106, 109, 113, 114, 115, 117, 118, 122, 123, 125,
148, 156, 168, 170, 176, 182, 183, 185, 188, 192, 198, 199, 200, 202, 203,
205, 209, 215, 218, 219, 228, 232, 237, 238, 241, 242, 244, 245, 246, 247,
248, 259
D
Davi 27, 53, 59, 83, 84, 86, 87, 132, 167, 168, 171, 173, 174, 175, 176, 177,
178, 191, 192, 197, 198, 200, 201, 203, 205, 208, 210, 216, 218, 243
E
eleição 119, 121, 122, 123, 127, 128, 130, 131, 133, 140, 159, 190
encarnação 65, 69, 76, 215, 216, 221
escatologia 199, 203, 205, 210, 211, 215, 220, 228, 229, 238, 248
Espírito 20, 39, 45, 48, 49, 50, 51, 52, 63, 64, 65, 66, 68, 70, 84, 85, 87, 167,
168, 173, 187, 212, 213, 217, 223, 224, 225, 226, 227, 228, 229, 230, 231,
232, 234, 235, 236, 237, 238, 241, 243, 244, 245, 247, 255, 256
evangelho 33, 45, 49, 50, 51, 52, 58, 59, 62, 63, 69, 70, 73, 74, 75, 76, 78, 83,
84, 85, 86, 88, 90, 91, 93, 95, 106, 109, 119, 128, 147, 149, 152, 154, 165,
183, 210, 215, 216, 223, 225, 226, 227, 228, 231, 232, 233, 235, 236, 237,
238, 239, 243, 244, 246, 247, 248, 249, 254, 255, 256, 257, 258
Evangelhos 13, 66, 86, 214, 224, 226, 255, 258, 259
Êxodo 135, 136, 137, 139, 141, 142, 143, 144, 149, 157, 158, 159, 167, 168,
170, 183, 190, 193, 198, 199, 201, 210, 258
F
fé 20, 24, 32, 33, 38, 47, 48, 49, 51, 75, 83, 85, 90, 110, 115, 116, 117, 121,
126, 127, 128, 134, 136, 137, 141, 142, 145, 146, 158, 160, 166, 169, 182,
183, 184, 190, 191, 194, 199, 209, 212, 227, 228, 232, 233, 234, 235, 236,
237, 239, 243, 244, 247, 255
Filho de Deus 56, 64, 83, 84, 86, 87, 90, 105, 109, 111, 144, 146, 155, 201,
217, 218, 234, 243
G
graça 52, 62, 96, 109, 110, 111, 112, 114, 117, 119, 120, 121, 122, 123, 127,
128, 130, 131, 133, 134, 147, 148, 153, 154, 157, 158, 160, 166, 169, 175,
183, 185, 190, 191, 193, 199, 228, 233
H
história 13, 19, 23, 25, 32, 34, 35, 36, 37, 41, 44, 47, 50, 53, 55, 59, 61, 63,
65, 66, 67, 69, 70, 71, 72, 73, 75, 77, 78, 79, 80, 86, 87, 89, 93, 94, 95, 96,
103, 105, 106, 111, 112, 119, 122, 123, 125, 127, 128, 133, 134, 135, 138,
141, 142, 145, 152, 155, 158, 159, 163, 167, 168, 169, 170, 171, 177, 181,
186, 189, 190, 192, 193, 194, 195, 197, 198, 199, 203, 204, 205, 207, 209,
210, 211, 213, 214, 220, 223, 227, 228, 229, 231, 232, 238, 241, 248
I
imagem de Deus 43, 45, 48, 64, 97, 98, 99, 100, 102, 108, 110, 157, 182, 228
interpretação 25, 26, 27, 34, 39, 44, 46, 52, 55, 61, 62, 67, 69, 70, 71, 72, 73,
79, 95, 106, 183, 225, 259
Israel 22, 24, 25, 27, 53, 55, 59, 70, 71, 77, 84, 86, 87, 88, 90, 94, 96, 97, 113,
122, 130, 131, 132, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145,
146, 147, 148, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161,
163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 176, 177, 178,
181, 182, 184, 186, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 197, 198, 199, 200, 201,
202, 203, 204, 205, 207, 209, 210, 211, 212, 214, 215, 216, 217, 218, 219,
220, 223, 225, 228, 229, 233, 238, 248, 258
J
Jerusalém 25, 71, 111, 171, 174, 176, 178, 189, 192, 197, 198, 199, 202, 207,
208, 213, 215, 223, 225, 226, 245
Jesus Cristo 11, 23, 24, 25, 27, 31, 48, 49, 53, 56, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65,
66, 70, 74, 75, 78, 79, 80, 81, 83, 86, 87, 89, 90, 93, 106, 169, 214, 215,
216, 218, 220, 224, 229, 233, 234, 235, 255
juízo 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 120, 121, 136, 140, 141, 142, 157,
168, 175, 190, 193, 195, 199, 200, 208, 221, 226, 241, 247
justaposição 235, 236, 238, 243, 244
L
lei 24, 25, 27, 57, 88, 100, 145, 147, 148, 149, 151, 152, 153, 154, 155, 164,
168, 172, 175, 181, 182, 183, 185, 208, 214, 231, 233, 236, 254, 255
literalismo 69, 70, 71
M
maldição 109, 120, 161, 218
meditação 95
Moisés 27, 56, 57, 88, 94, 135, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 144, 145, 146,
149, 155, 156, 157, 158, 160, 163, 166, 168, 181, 189, 190, 191, 193, 201,
207, 214, 217, 236
N
nações 87, 90, 119, 120, 126, 128, 130, 131, 133, 146, 147, 155, 156, 166,
168, 172, 177, 190, 200, 201, 207, 215, 225, 226
nome de Deus 116, 119, 138, 144, 146, 155, 156, 157
nova criação 13, 14, 79, 103, 151, 159, 197, 214, 219, 224, 226, 228, 234,
237, 239, 241, 242, 244, 247
O
ordem da criação 182, 184, 187
P
palavra de Deus 14, 21, 23, 24, 27, 34, 37, 43, 44, 56, 62, 65, 74, 94, 102,
103, 106, 107, 109, 117, 118, 128, 140, 141, 146, 149, 151, 164, 182
povo de Deus 34, 52, 70, 80, 84, 85, 87, 102, 103, 119, 121, 128, 132, 133,
136, 138, 141, 143, 147, 150, 151, 153, 155, 158, 161, 163, 164, 169, 170,
177, 179, 183, 184, 185, 186, 187, 190, 200, 201, 202, 208, 214, 216, 217,
218, 220, 224, 228, 229, 231, 235, 237, 238, 242, 255, 259
pressuposto 12, 26, 27, 40, 44, 46, 47, 48, 50, 58, 62, 69, 70, 77, 79, 116, 214
profecia 53, 59, 132, 176, 178, 203, 204, 209, 238, 248, 259
profetas 25, 53, 55, 56, 59, 65, 71, 83, 88, 116, 152, 169, 182, 189, 190, 191,
192, 193, 197, 199, 200, 201, 202, 203, 208, 209, 216, 225, 235
promessas de Deus 57, 66, 86, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 136, 146,
152, 155, 157, 164, 166, 169, 174, 176, 184, 198, 210, 211, 219
Q
Queda 13, 41, 43, 44, 45, 61, 77, 87, 106, 107, 108, 109, 110, 113, 114, 122,
160, 168, 194, 195, 198, 210, 215, 220
R
realeza 218
redenção 51, 61, 65, 75, 79, 99, 119, 120, 121, 136, 138, 141, 142, 143, 144,
146, 147, 148, 151, 152, 153, 155, 159, 169, 181, 183, 184, 186, 187, 194,
197, 198, 199, 203, 204, 210, 219, 228, 244, 254, 259
regeneração 122, 133, 153, 183, 184, 187, 194, 198, 200, 202, 203, 204, 210,
211, 212, 214, 219, 220, 221, 228, 229, 232, 235, 236, 237, 239, 241, 242,
244, 245, 247
reino de Deus 13, 25, 49, 73, 75, 79, 98, 102, 103, 113, 114, 116, 136, 137,
141, 143, 148, 157, 159, 164, 168, 194, 197, 198, 199, 200, 202, 208, 209,
215, 217, 224, 225, 226, 234, 241, 243, 247, 255, 259
ressurreição 45, 49, 50, 56, 62, 68, 83, 84, 88, 201, 218, 219, 223, 227, 233,
234, 237, 243, 244, 246, 249, 257, 258, 259, 260
revelação 12, 14, 27, 34, 37, 39, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 48, 55, 58, 59, 60, 61,
62, 66, 67, 68, 69, 70, 72, 73, 74, 76, 77, 78, 79, 81, 94, 96, 102, 103, 110,
121, 128, 129, 131, 132, 136, 137, 140, 148, 149, 151, 157, 168, 176, 182,
183, 184, 185, 186, 187, 188, 191, 193, 194, 200, 210, 213, 214, 215, 217,
224, 232, 236, 243, 244, 254, 255
S
sabedoria 15, 15, 84, 108, 176, 177, 181, 183, 184, 185, 186, 188, 193, 218,
255
Salomão 133, 168, 171, 176, 177, 178, 179, 183, 189, 191, 192, 193, 194,
197, 200, 210, 218, 223, 228
salvação 31, 38, 39, 50, 51, 53, 59, 65, 70, 71, 74, 83, 84, 87, 103, 112, 114,
116, 117, 131, 132, 137, 140, 141, 142, 147, 154, 159, 166, 167, 168, 169,
170, 173, 186, 190, 191, 193, 194, 198, 199, 200, 201, 202, 203, 209, 211,
216, 219, 225, 228, 231, 233, 234, 235, 236, 242, 244, 245, 247, 248, 254,
255
santidade 151, 152, 154, 164, 166, 199
segunda vinda 21, 221, 235, 247, 249, 260
Senhor, temor do 182, 183, 185, 187, 255
sinais e maravilhas 138, 139, 143
T
tabernáculo 145, 149, 150, 153, 154, 156, 157, 177, 219, 230, 241, 245
teísmo cristão 43, 44, 45, 46, 47, 48, 50, 51, 53, 74
templo 25, 71, 153, 171, 174, 176, 177, 178, 183, 189, 192, 198, 202, 207,
208, 212, 215, 218, 219, 220, 225, 226, 233, 245
tentação 88, 105, 106, 107, 109, 113, 216, 217
teologia bíblica 11, 12, 14, 17, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 31, 32, 34,
37, 46, 47, 48, 49, 58, 62, 73, 75, 76, 78, 79, 80, 81, 84, 98, 114, 115, 118,
126, 170, 176, 179, 193, 195, 202, 205, 212, 225, 228, 232, 247, 251, 253,
254, 256, 257, 258
teologia exegética 34, 36, 37
teologia sistemática 32, 33, 34
Terra Prometida 126, 128, 129, 130, 131, 133, 135, 141, 153, 155, 157, 158,
160, 164, 165, 168, 170, 171, 177, 190, 193, 194, 198, 199, 200, 202, 207,
208, 209, 210, 211, 215, 216, 219, 254
tipologia 61, 69, 70, 71, 72, 169, 219, 220
Trindade 84, 238, 248
U
unidade e diversidade 79, 202, 213, 214, 221
V
verdade 12, 20, 21, 23, 34, 39, 41, 42, 44, 45, 46, 47, 48, 50, 51, 52, 53, 55,
61, 62, 63, 65, 66, 67, 69, 72, 73, 74, 76, 78, 79, 94, 95, 101, 106, 107,
109, 110, 119, 130, 136, 148, 151, 163, 173, 177, 184, 185, 186, 192, 217,
224, 236, 242, 246
Esta obra foi composta em Adobe Caslon,
impressa em papel off-set 75 g/m2, com capa em cartão 250 g/m2,
na Imprensa da Fé, em agosto de 2018.
Você é aquilo que ama
Smith, James 9788527507899
256 páginas Compre agora e leia
Você é aquilo que ama. Mas pode ser que você não ame o que
pensa que ama. Nosso coração é moldado fundamentalmente por
tudo o que adoramos. Talvez sem perceber, somos ensinados a
amar deuses rivais em lugar do verdadeiro Deus para o qual fomos
criados. Embora tenhamos a intenção de moldar a cultura, nem
sempre temos consciência de quanto a cultura nos molda. Em Você
é aquilo que ama, James K. A. Smith nos ajuda a reconhecer o
poder formador da cultura e as possibilidades transformadoras das
práticas cristãs, redirecionando nosso coração para o que de fato
merece nossa adoração. Smith explica que a adoração é a "estação
da imaginação", capaz de incubar nossos amores e anseios de tal
modo que os nossos engajamentos culturais tenham sempre Deus e
o reino como referenciais. É por essa razão que a igreja e o culto
em uma comunidade local de crentes devem ser o centro da
formação e do discipulado cristãos. O autor engaja o leitor fazendo
um uso criativo de filmes, obras de literatura e músicas e trata de
temas como casamento, família, ministério de jovens, fé e trabalho.
Além de tudo, também sugere práticas individuais e comunitárias
para moldar a vida cristã. Livro premiado na categoria de melhor
livro de 2016 por The Word Guild Canadian Writing Awards Compre
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Ego transformado
Keller, Timothy 9788527509510
48 páginas
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Quais são as marcas de um coração sobrenaturalmente
transformado? Essa é uma das questões sobre as quais o apóstolo
Paulo trata quando escreve à igreja de Corinto. O interesse real dele
não é algum tipo de reparo ou remendo; antes, uma mudança
profunda, capaz de transformar a existência. Numa era em que
agradar as pessoas, insuflar o ego e montar o curriculum vitae são
vistos como os meios para "chegar lá", o apóstolo nos chama a
encontrar o verdadeiro descanso na bênção que é nos esquecermos
de nós mesmos. Neste livro breve e contundente, Timothy Keller
mostra que a humildade que brota do evangelho torna possível
pararmos de vincular cada experiência e cada conversa com a
nossa história e com quem somos. E assim podemos ficar libertos
da autocondenação. Quem é realmente humilde segundo o
evangelho não se odeia, mas também não se ama... é, antes,
alguém que esquece de si mesmo. Você também pode conquistar
essa liberdade...
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O significado do casamento
Keller, Timothy 9788527507479
296 páginas
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Este livro se baseia na muito aplaudida série de sermões pregados
por Timothy Keller, autor best-seller do New York Times. O autor
mostra a todos — cristãos, céticos, solteiros, casais casados há
muito tempo e aos que estão prestes a noivar — a visão do que o
casamento deve ser segundo a Bíblia. Usando a Bíblia como seu
guia, e com os comentários muito perspicazes de Kathy, sua esposa
há 37 anos, Timothy Keller mostra que Deus criou o casamento para
nos trazer para mais perto dele e para dar mais alegria à nossa vida.
É um relacionamento glorioso, e é também o mais malcompreendido
e misterioso dos relacionamentos. Caracterizado por uma
compreensão clara e cristalina da Bíblia e por instruções
significativas sobre como conduzir um casamento bem-sucedido, O
significado do casamento é leitura essencial para qualquer pessoa
que quer conhecer a Deus e amar mais profundamente nesta vida.
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Deuses falsos
Keller, Timothy 9788527508759
192 páginas
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Sucesso, dinheiro, amor verdadeiro — a vida perfeita. Muitos de nós
depositam a fé e a esperança nessas coisas, acreditando que sejam
capazes de trazer a felicidade. No fundo, porém, sabemos que nada
disso pode garantir satisfação plena. Por isso não é de surpreender
que nos sintamos perdidos, solitários, desencantados e ressentidos.
Só o Deus verdadeiro pode satisfazer totalmente nossos desejos, e
este é o momento perfeito para encontrá-lo novamente... ou, quem
sabe, pela primeira vez.Em Deuses falsos, Timothy Keller mostra
que uma compreensão adequada da Bíblia revela a verdade acerca
da sociedade e de nosso próprio coração. Nessa mensagem
poderosa, enxergamos nossa tendência de buscar em outras coisas
aquilo que só Deus pode nos dar. Também somos apresentados a
um novo caminho: aquele que leva a uma esperança que não pode
ser abalada pelas circunstâncias da vida Compre agora e leia
Desintoxicação sexual
Challies, Tim 9788527505109
112 páginas Compre agora e leia
Você não aguenta mais tanta pornografia? É hora de se
desintoxicar. Este livro apresenta um retorno à saúde, um retorno à
normalidade. Uma alta porcentagem de homens precisa se
desintoxicar da pornografia, ou seja, recomeçar do zero do ponto de
vista moral e psicológico. Seria o seu caso também? Se for, ainda
que nem saiba disso, a pornografia corrompeu sua maneira de
pensar, enfraqueceu sua consciência, distorceu seu senso de certo
e errado e deformou seu entendimento e suas expectativas a
respeito da sexualidade. Você precisa de um recomeço conduzido
por Aquele que criou o sexo. "Numa época em que o sexo é
venerado como um deus, um livro pequeno como este é capaz de
dar uma grande contribuição, ajudando os homens a superar o vício
do sexo." Pastor Mark Driscoll, Mars Hill Church Compre agora e
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