Primeiro registro documentado da reprodução do joão

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Primeiro registro documentado
da reprodução do João-chique-chique
(Gyalophylax hellmayri Reiser, 1905) na pátria da
Anodorhynchus leari.
ISSN 1981-8874
9 771981 887003
0 0 1 4 4
Pedro Cerqueira Lima¹, Thyers Novaes de C. L. Neto e
Luiz Eduardo S. Silva
O João-chique-chique (Gyalophylax helmayri) é uma
espécie endêmica do bioma Caatinga e ocorre nos estados da
Bahia, Piauí, Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco. O
seu ninho é uma grande aglomeração de espinhos de uma
espécie de cacto, o “chique-chique” (Sick 1997). Pacheco &
Whitney 1994, relatam a presença de G. helmayri em áreas
abertas freqüentadas por cabras no Raso da Catarina, sendo
que nessa mesma região, maiores concentrações desta espécie
de ave se localizam na Caatinga mais densa.
A primeira descrição de um ninho dessa espécie foi
relatada por Von Ihering em 1914, e o ninho foi encontrado por
E. Garber (coletor do Museu Paulista), que fez o relato.
Tratava-se de um grande aglomerado de espinhos de cactos, o
chamado “chique-chique” (Pilocereus gounellei). Garber o
descreveu como uma espécie muito distinta, de um metro de
comprimento, incluindo o tubo de entrada. Gaber recolheu um
dos três ovos encontrados no ninho e os descreveu como sendo
esféricos e de tonalidade esverdeada, suave e lustrosa. Del
Hoyo 2003, relata que essa espécie se reproduz provavelmente
entre outubro e abril, e que a postura se inicia em outubro e que
as aves se emplumam em janeiro. Relata ainda que a espécie
provavelmente é monogâmica e que o comprimento dos
ninhos varia entre 500 mm e 1000 mm, e ainda que serão
necessárias mais informações sobre a reprodução dessa
espécie no futuro.
Desde 1992, a equipe do Programa de Estudo e
Preservação da Fauna da Cetrel vem desenvolvendo
atividades de pesquisa com as aves do bioma Caatinga na área
de ocorrência da arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) e
até o presente momento foram registradas 233 espécies. (Lima
2006).
Após o término das pesquisas de levantamento,
resolvemos estudar o comportamento reprodutivo das aves
daquele bioma, dentre elas o do Gyalophylax helmayri.
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Em todos os locais onde desen-volvemos nossas pesquisas,
costumamos envolver as comunidades locais, procurando
repassar conhe-cimento e através de sua participação,
promover a conservação das espécies ali existentes. Graças ao
envolvimento das comuni-dades, conseguimos descobrir
vários ninhos de João-chique-chique no mês de março de
2008.
No dia 16 de março de 2008, viajamos até Jeremoabo para
registrar o fato. Os ninhos se assemelham bastante aos
descritos por Von Ihering, diferindo apenas em relação ao
material utilizado na construção. Ihering relata que o ninho é
um grande aglomerado de espinhos de cactos, o chamado
“chique-chique”, quando na realidade esse material é utilizado
apenas na superfície exterior do tubo de entrada do ninho e na
boca do mesmo. Todo o restante do ninho é construído de
gravetos e no seu interior também não existem espinhos de
cactos. Os espinhos são colocados na parte exterior do tubo de
entrada e na boca, com o objetivo de impedir o acesso de
predadores terrestres, tais como cobras e lagartos. Os ninhos,
na sua grande maioria, são construídos no solo, porém podem
ser edificados também em alturas que variam entre 500 mm e
1000 mm do solo, nos pés de chique-chique (Pilocereus
gounellei).
Além dos ninhos construídos longe do solo, notamos dois
outros formatos, sendo que um deles possuía dois tubos de
entrada na parte posterior formando um “T”, e o outro com
dois tubos de entrada, mas um deles na parte posterior e o outro
na parte anterior. Esses dois formatos são estratégias eficientes
dos adultos para fugir de um possível predador durante o
período de incubação ou de alimentação dos filhotes, caso o
predador consiga transpor a barreira de espinhos na entrada do
ninho. Se houver algum dano ao ninho, o casal se reveza na sua
recuperação. Observamos que essas aves sempre reformavam
Atualidades Ornitológicas Nº 144 - Julho/Agosto 2008 - www.ao.com.br
os locais que utilizávamos para observar o interior do ninho.
O ninho mede em média 700 mm, incluindo o tubo de
entrada que mede 110 mm e a boca que mede 60 mm.
Encontramos um ninho abandonado que pesava 600g e o
maior graveto nele encontrado media 305 mm e pesava 11g, o
que equivale a 42,30 % do peso de uma ave adulta, que pesa
em média 26g. O ninho é forrado interiormente com lã de
cacto “chique-chique” onde os ovos são postos. Encontramos
também ninhos que não eram forrados e os ovos eram postos
diretamente sobre os gravetos. O período reprodutivo inicia-se
no mês de fevereiro e os ovos eclodem em meados de março e
maio. Durante a corte, o macho oferece alimento à fêmea, e em
seguida eles se acasalam. Os ovos são de cor esverdeada,
suave e lustrosa, assemelhando-se à descrição de Ihering. A
postura consta de dois a três ovos que medem, em média, 23
mm x 17 mm e pesam 3.4g, sendo que a casca do ovo pesa
0,2538g o que equivale a 7,5 % do peso do ovo. Tanto o macho
quanto a fêmea se alternava na incubação dos ovos e no
aquecimento dos filhotes nos primeiros dias de vida. O filhote
pesava 3.1g e tinha a pele rosada com plumagem negra no
dorso e no alto da cabeça e o interior do bico tinha a cor
amarela.
Pacheco & Whitney 1994, relata que a grande maioria das
aves possui uma tonalidade mais escura e um negro intenso na
garganta, vermelho brilhante nos ombros e olhos de cor
vermelha ou laranja, enquanto outras aves tinham a plumagem
mais pálida e olhos alaranjados. Observamos que os
indivíduos de plumagem pálida e de olhos alaranjados são
aves jovens que acompanham os pais no território dos
alimentos, aprendendo as técnicas de forrageamento.
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Mapeamos duas áreas de Caatinga uma preservada de
100m x 100m onde localizamos quatro ninhos, sendo que a
distância do primeiro para o segundo era de 27 m, do segundo
para o terceiro de 26 m e do terceiro para o quarto de 87 m.
Nesse território havia dois casais: um deles dominava a área
entre o primeiro e o segundo ninho, e o segundo dominava o
território do terceiro para o quarto ninho. Na segunda área,
degradada, de 100m x 100m localizamos seis ninhos, sendo
que a distância do primeiro para o segundo era de 22 m, sendo
que o primeiro era novo e o segundo velho. A distância do
segundo para o terceiro de 56m do terceiro para o quarto de
16m, sendo que o quarto era novo e foi construído sobre um
“chique-chique” numa distância de 1200 mm, o terceiro era
velho e construído no solo. A distância do quarto para o quinto
foi de 63m, esse ninho foi construído também em um pé de
“chique-chique” numa distância do solo de 1000 mm, a
distância do quinto para o sexto foi de 16m sendo que o quinto
era velho. Nesse território havia três casais: um deles
dominava o território entre o primeiro e o segundo ninho, o
segundo dominava o território do terceiro para o quarto ninho
e o terceiro dominava o território do quinto para o sexto.
A Caatinga degradada é usada como área de alimentação
de muitas espécies de animais domésticos tais como: bovinos,
eqüinos, caprinos e ovinos, esse animais alimentam-se de
vários tipos de vegetação da Caatinga e consequen-temente há
um grande pisoteio. Os ninhos construídos sobre os “chiquechique” é uma adaptação a essas condições, evitando dessa
maneira o pisoteio dos ninhos.
Sick (1985) relata que a vocalização da espécie
Gyalophylax helmayri é repetida várias vezes durante o
forrageamento de um par para se localizar e, quando cantam
alto, é para manter contato com pares vizinhos. Pacheco &
Whitney 1994, estudaram o comportamento da Gyalophylax
através da gravação de vários sons emitidos durante o período
reprodutivo, sendo um deles muito semelhante ao da espécie
Synallaxis hypospodia. Em nossos estudos, constatamos que
além do som semelhante ao da S. hypospodia que é utilizado
para a delimitação do território, eles emitem os sons descritos
por Sick no momento em que estão forrageando, para que o
casal permaneça junto. Também são emitidos quando um dos
pares está retornando para o ninho, quer seja no revezamento
da incubação em que ambos tomam parte, quer seja no
momento que estão alimentando os filhotes. Serve para atrair
os filhotes, após abandonarem o ninho para as proximidades
dos pais. Além desses dois sons, há o som típico da espécie
que é utilizado tanto para delimitação do território, como
também para a localização dos pares dentro do território. Além
desses três sons, existem vários outros que são emitidos
durante o período de reprodução. Tentamos, por várias vezes,
gravar tais sons, no entanto, o nosso gravador apresentou
defeito, o que impediu a gravação.
Em nossos estudos constatamos além do som semelhante
ao de S. hypospodia que é utilizado como delimitação de
território, eles também emitem os sons descritos por Sick no
momento em que estão forrageando para que o casal
permaneça junto e também os filhotes após abandonarem o
ninho. Esse som também é utilizado quando um dos pares está
retornando para o ninho quer seja no revezamento da
incubação, ambos incubam, quer seja no momento que estão
alimentando os filhotes. Além desses dois sons existe o som
típico da espécie que é utilizado tanto para delimitação do
território como também para os pares se localizarem dentro do
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território. Além desses três sons existem
vários outros sons que são emitindo
durante o período de reprodução, por
várias vezes tentamos gravar esses sons,
no entanto, o nosso gravador apresentava
defeito impedindo a gravação.
Pacheco & Whitney 1994, relatam
que a espécie costuma buscar alimento no
solo onde predominam bromélias e
cactáceas, sendo assim um ambiente de
difícil acesso. A ave forrageia com os pés
e cisca e remexe debaixo das folhas secas.
Observaram apenas a captura de
artrópodes e aranhas. O forrageamento
no solo é devido às condições do habitat,
principalmente na época seca, onde há
pouca vegetação viva. Nós também
observamos esse comportamento e
conseguimos fotografar alguns itens
alimentares, tais como aranhas, lagartas e
larvas de besouros.
Agradecimentos:
Agradecemos a Carlos Antônio Silva
Ribeiro que se dedica a descobrir ninhos no
Raso da Catarina, para que possamos estudar o
comportamento das espécies. Agradecemos
especialmente à alta direção da Cetrel que
sempre incentivou as nossas pesquisas de
campo, especialmente ao Dr. Ney Silva, diretor
superintendente da Cetrel.
Agradecemos especialmente a Zacarias de
Jesus, meu amigo e descobridor do ninho.
Referências Bibliograficas:
Cory, C. B., & Hellmayr C. E. 1925. Catalogue of
birds of the Americas. Field Mus. Nat. Hist. Publ.
Zool. Ser. Vol 13 (4).
Del Hoyo, J. A., Elliott, A. & Sargatal, J. (eds) 2003.
Handbook of the birds of the word. Broadbills
to tapaculos, v. 8. Barcelona: Lynx Editions.
Hellmayr, C. E. 1929. A contribution to the
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Nat. Hist. Publ., Zool. Ser. Vol 12(18):235-501.
Lima, P.C. Aves da Pátria da Leari. v.1 2ª ed. 259 p
(www.ao.com.br)
Sick:H., L. P. GONZAGA, & D. M. TEIXEIRA.
1987. A arara-azul-de-Lear, Anodorhynchus leariBonaparte, 1856. Rev. Bras. Zool.,3(7):441- 463
Sick, H. 1985. Ornitologia Brasileira, uma
introdução. Brasília: Universidade de Brasília.
Sick, H. 1997. Ornitologia Brasileira. Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira.
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P a c h e c o J . F. ( 1 9 9 4 )
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G YA L O P H Y L A X A N D M E G A X E N O P S
(F'URNARIIDAE), TWO LITTLE-KNOWN
GENERA ENDEMIC TO NORTHEASTERN
BRAZIL' Field. Condor 96 (3): 559-565.)
Guides Incorporated, P.O. Box 160723, Austin, TX
787160723 Instituto de Biologia, Depto. de
Zoologia, Cidade Universitaria, Universidade
Federal do Rio de Janeiro 21941-000, Rio de
Janeiro, RJ, Brasil
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Via Atlântica - km 9, Interligação Estrada do Coco,
CEP 42810-000, Camaçari, Bahia.
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